Salvatore Cernuzio – Cidade do Vaticano
O trabalho não foi fácil, mas trouxe resultados. Um deles é o Relatório Anual apresentado nesta terça-feira (29/10). O cardeal Sean O'Malley, capuchinho e arcebispo emérito de Boston, cidade onde o escândalo dos abusos teve proporções enormes, olha com satisfação para o documento elaborado pela Comissão Pontifícia para a Tutela dos Menores, da qual é presidente desde sua criação em 2014. Em conversa com a mídia vaticana, o cardeal faz um balanço dos últimos dez anos e destaca que muito foi feito na luta contra os abusos, mas muito ainda precisa ser feito – ele afirma – porque o problema “é atual” e, em algumas Igrejas locais, o tema ainda é “um tabu”. Porém, “apenas a verdade e a transparência, a prestação de contas, podem curar essa ferida”.
A Comissão começou seu trabalho há dez anos, após o pedido do Santo Padre Francisco, que desejava contar com a ajuda principalmente de leigos especialistas para auxiliar a Igreja Católica em uma situação tão dramática. Todos sabemos do sofrimento e do dano que os abusos causaram não só às vítimas, mas também às suas famílias, à comunidade, ao sacerdócio e à Igreja em geral. Para nós, foi um privilégio. Conseguimos reunir muitos especialistas, pessoas que dedicaram a vida inteira a esses problemas, ajudando as vítimas e criando um ambiente mais seguro para crianças e pessoas vulneráveis. Os primeiros anos foram muito difíceis; éramos um grupo de cerca de vinte voluntários respondendo a um problema que afeta a Igreja universal. Mas, graças a Deus, crescemos nessa missão, sempre com forte apoio do Santo Padre. Ao longo desses anos, escutamos muito a voz das vítimas e sobreviventes. E agora, após uma caminhada árdua, com a ajuda de Deus e de muitas pessoas, incluindo várias vítimas e especialistas leigos, chegamos ao momento em que somos capazes de compartilhar com o mundo o fruto de nossas investigações, conversas e trabalho.
Algumas vítimas também são membros da Comissão. Qual reação o senhor espera delas em relação a este relatório?
Esperamos que as vítimas entendam que este relatório indica que há diálogos sobre proteção no mundo inteiro e que, na Papua Nova Guiné, na África, na Ásia, em todos os lugares, a Igreja está se esforçando para responder ao sofrimento das vítimas e para promover um ambiente seguro para os menores.
Em setembro, acompanhamos a viagem do Papa à Bélgica, onde Francisco pronunciou palavras muito fortes contra os abusos. Podemos dizer que ele elevou o tom de sua condenação, que nunca foi omissa. Na Bélgica, o tema dos abusos dominou a narrativa geral. Há uma forte recriminação contra a Igreja. O trabalho da Comissão e este Relatório, na sua opinião, podem ser uma resposta às polêmicas, críticas e demandas dessas pessoas que pedem mais ações?
Sabemos que há muito trabalho a ser feito, mas o Relatório Anual está aqui para indicar que começamos essa jornada de resposta aos abusos em nossa Igreja e que há muito interesse. Especialmente por parte dos bispos de países onde se está apenas começando a falar de abusos sexuais. Precisamos dar uma resposta… E esperamos que as vítimas compreendam que existe uma preocupação em toda a Igreja para corrigir os erros e crimes do passado.
No relatório, fala-se de progressos e de falhas em matéria de proteção. Quais são esses avanços e quais são as falhas?
Acredito que os avanços estão nos protocolos já existentes, uma rota segura para se percorrer dentro da Igreja. Em muitas partes da Igreja, no entanto, o abuso ainda é um tabu, e apenas a verdade, a transparência, a prestação de contas podem curar essa ferida. Graças a Deus, após o Encontro no Vaticano para a Proteção dos Menores, a reunião (de 2019) dos presidentes das Conferências Episcopais mundiais convocada pelo Papa, em todos os continentes há um interesse em corrigir os erros do passado e em criar um ambiente seguro. A educação em proteção é igualmente importante. As pessoas pensam que se trata de algo do passado, mas é um problema atual, e sempre devemos estar vigilantes para proteger os mais jovens. O ministério da Igreja depende dos nossos esforços. Sempre digo aos meus padres: as pessoas acreditarão em nós apenas quando estiverem convencidas de que as amamos. Esse ministério de proteção é crucial para a Igreja e deve estar sempre no centro do plano pastoral.
Então é um verdadeiro ministério…
Sim, é um ministério de cura e reconciliação. Porque o dano causado, especialmente dentro da Igreja, não é apenas físico e psicológico, mas também espiritual. Quando se trata de um padre abusador, o dano é ainda maior.
À luz do Sínodo do qual o senhor participou, quais são as diretrizes, o caminho que a Comissão seguirá agora, após o Relatório e com esse impulso de sinodalidade, promovendo uma maior colaboração entre leigos e bispos?
Tive a oportunidade de falar no Sínodo sobre a necessidade de uma resposta sinodal para a proteção dentro da Igreja. Muitas vezes, os bispos se sentem muito isolados quando precisam tomar decisões sobre um caso de abuso. Eles não devem fazer isso sozinhos! Devem contar com um grupo de especialistas que possam aconselhá-los a tomar decisões e ouvir suas recomendações. Nos países onde já existem esses conselhos de revisão, percebeu-se que trabalhar junto aos bispos foi muito útil para estabelecer decisões adequadas em questões tão difíceis.
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