Já lá vão 140 anos que se concluiu em Berlim a famosa Conferência sobre a África. À revelia dos africanos, tomaram-se uma série de decisões, cujas consequências afetam ainda hoje o Continente Africano. Para trazer à memória as razões dessa Conferência, ponderar as consequências e as lições a tirar, o programa “África em Clave Cultural: personagens e eventos” interpelou a historiadora, Ângela Coutinho, sem deixar de lado a habitual crónica do poeta e Filinto Elísio.
Dulce Araújo - Vatican News Fez em fevereiro deste ano de 2025, 140 anos que se encerrou, na Alemanha, depois de diversas reuniões ao longo de quatro meses, a Conferência de Berlim sobre a África. A convite do Chanceler alemão, Bismarck, diversas potencias europeias, com o pretexto de civilizar e educar os africanos, reuniram-se e tomaram, à revelia dos próprios africanos, uma série de decisões, cujos efeitos, o Continente Africano está ainda hoje a enfrentar. Mas quais eram os objetivos reais dessa Conferência, quem foram exatamente os participantes, que consequências tem ainda hoje para a África e que lições o Continente africano deve tirar de tudo isso? São questões sobre as quais refletimos juntamente com a historiadora, Ângela Coutinho e com o ensaísta, Filinto Elísio, cuja crónica, pode ler em baixo: passamos a apresentar... "A Conferência de Berlim e os impactos no Continente africano Há mais de 140 anos, Rússia, Grã-Bretanha, Dinamarca, Portugal, Espanha, França, Bélgica, Holanda, Itália, Império Alemão, Suécia, Noruega, Império Austro-Húngaro e Império Turco-Otomano -, marcados pela ideologia colonial, eugenista e paternalista, decidiram na Conferência de Berlim retalhar e dividir a África. Estes países, na sua Segunda Revolução Industrial, desenvolviam no século XIX um impulso imperialista de explorar as fontes de matérias-primas e de alargar os mercados consumidores. O continente africano apareceu, então, como alvo da ambição das potências industrializadas. Nessa Conferência de Berlim (entre 15 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro de 1885), estes 15 países negociaram e delimitaram áreas de influência no continente africano, ignorando fronteiras nacionais e étnicas, impondo divisões arbitrárias. Em suma, instituíram um novo Direito Internacional Colonial. Quatro pontos principais constituíram a agenda da Conferência: (1) a liberdade de comércio em toda a bacia do Zaire e sua foz; (2) a aplicação dos princípios do Congresso de Viena quanto à navegação nos rios internacionais (entre outros, do Níger); (3) a definição de “regras uniformes nas relações internacionais relativamente às ocupações que poderão realizar-se no futuro nas costas do continente africano”; (4) abolir o tráfico de escravos. A historiadora e investigadora Ângela Coutinho, doutorada em História da África Negra Contemporânea pela Universidade de Sorbonne e especialista no percurso das lutas de libertação africanas, pondera de forma crítica o impacto da Conferência de Berlim sobre o Continente. Na verdade, essa nova configuração do continente africano, feito pelas potências mundiais, permaneceu até ao fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Após esta data eclodiram vários movimentos de independência em diversos países africanos, inclusive os das antigas colónias portuguesas em África. Entretanto, as fronteiras impostas foram e continuam a ser uma fonte de instabilidade em África, misturando grupos étnicos distintos e separando outros, o que contribuiu para tensões internas e guerras civis nas nações africanas mesmo após a independência. As divisões, a exploração económica desigual e os impactos culturais impostos durante o período colonial continuam a afetar a África contemporânea. As abordagens em torno da dívida, dos direitos humanos e das reparações, mesmo ao nível da arte e da cultura, a conversa sobre a colonialidade, revelam ainda o legado hegemónico desses países do Norte Global sobre os países africanos. Na verdade, o colonialismo, a escravatura, o tráfico de pessoas escravizadas e os seus legados permanecem em grande parte por explicar sobre a ordem internacional desigual e injusta. Hoje, em pleno século XXI, importa refletir criticamente a injustiça histórica determinada pela Conferência de Berlim estão ligados ao racismo sistémico e à desigualdade global. Torna-se tempo de desmantelar estas estruturas de há 140 anos e corrigir os erros históricos que ainda hoje moldam o nosso mundo."