O professor Mobeen Shahid fala de uma “deterioração anos após ano”. O peso da lei da blasfêmia. A chegada dos militares aos poder com duas frentes abertas: Índia e Afeganistão
Guglielmo Gallone - Cidade do Vaticano “A situação dos cristãos no Paquistão está piorando anos após ano. Estimativas oficiais falam de uma pequena comunidade, cerca de 1,9% da população. Mas os cristãos locais discordam e, sobretudo, relatam um clima marcado por ameaças, abusos da lei da blasfêmia e ataques constantes realizados por grupos radicais”. Assim começa falando à mídia vaticana, Mobeen Shahid, professor da Faculdade de Filosofia da Universidade Urbaniana e fundador da Associação de Cristão Paquistaneses na Itália. Fizemos o contato com ele em meio a um encontro promovido na terça-feira, 18 de novembro, na Câmara dos Deputados da Itália, sobre liberdade religiosa e os cristãos perseguidos no mundo, no âmbito da Semana Vermelha da Ajuda à Igreja que Sofre (ACN, sigla em inglês). O risco do extremismo Esse é um tema fundamental, sobretudo no Paquistão, porque “embora a maioria muçulmana seja moderada e favorável à convivência, poucos extremistas conseguem manipular a situação: basta uma falsa acusação para desencadear violências que atingem bairros inteiros, propriedades e famílias cristãs”, explica Shahid. Neste sentido, vem em mente a famigerada lei da blasfêmia que, no Paquistão, parece ser a mais controversa para as minorias religiosas: Por quê? “Porque é facilmente instrumentalizada e, portanto, intocável. Nos últimos quarenta anos vimos casos em que uma única pessoa era acusada falsamente, mas o bairro inteiro era incendiado. Essa lei atinge, no entanto, também os muçulmanos, como por exemplo, quando um grupo acusa o outro de não ser verdadeiramente muçulmano. Todavia, há uma grande diferença: quando se trata dos muçulmanos, apenas o acusado é o alvo. Do contrário, contra os cristãos, as falsas acusações de blasfêmia desencadeiam ataques coletivos”, responde o professor paquistanês. O papel da religião no Paquistão “Longe de ser relegada apenas à esfera pessoal, no Paquistão a religião tem um papel central na narrativa e na legitimação do poder: isso tem sido visto, ultimamente, com a figura de Asim Munir, chefe das Forças Armdas, a quem o Parlamento paquistanês concedeu nesta semana poderes extraordinários, imunidades vitalícia e o controle sobre a nova Corte Constitucional, com a aprovação da 27ª emenda. Em abril de 2025, Munir pronunciou um discurso no qual evocava a teoria das “duas nações”, a ideia para a base da criação do Paquistão: muçulmanos de um lado, hindus do outro. É um exemplo claro de como as religiões continuam a pesar na narrativa pública e na legitimação do poder pasquistês. No entanto, não foi sempre assim. “O Paquistão não nasce como um Estado Istlâmico. O discurso de Jinnah, em 11 de agosto de 1947, era laico. Só em 1973, com Bhutto e, depois, com Zia-ul-Haq, passou a ser uma república islâmica. Essa mudança impôs um uso político da religião que pesa ainda hoje sobre a vida pública e alimenta diversas frentes com os países vizinhos: a indiana, a afegã e a interna contra os grupos radicais”, observa o professor Shahid. O recente conflito armado com a Índia Não é, portanto, uma coincidência que o recente conflito armado com a Índia tenha sido fundamental para a legitimidade do poder e a popularidade do chefe das Forças Armadas, Munir: "As tensões com Nova Déli têm sido elevadas desde 1947, mas aumentaram após a anexação da Caxemira pelo primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. Sem a intervenção da comunidade internacional, particularmente dos Estados Unidos, o risco era de um confronto entre duas potências nucleares. A concessão do título de Marechal de Campo e a nomeação vitalícia, obtidas após quatro dias de combates e o abate de cinco aeronaves pelo Paquistão, fortaleceram a estrutura das forças armadas paquistanesas, mas, ao mesmo tempo, correm o risco de enfraquecer uma democracia já frágil." Cabul, a outra frente de Islamabad Mesmo porque, além da indiana, há a frente aberta com o Afeganistão: em outubro, depois de uma séria de atentados promovidos pelos talibãs paquistaneses, Islamabad respondeu atingindo alvos em território afegão. Cabul reagiu lançando ataques ao longo da fronteira. Houve uma trégua relâmpago mediada pelo Catar, mas a tensão permanece altíssima. Porque não se trata só de um confronto, mas sim de um contexto que toca o fundamento da própria doutrina de segurança paquistanesa: Islamabad atingiu o Afeganistão exatamente enquanto os representantes do governo talibã se encontravam em visita na Índia porque, para os paquistaneses, uma proximidade entre Índia e Afeganistão significaria perder a própria influência regional e, portanto, internacional. Duas crises armadas em apenas cinco meses, embora breves, não são um fenômeno para ser ignorado por um país como o Paquistão, que, desde 1998, é uma potência nuclear, que é o quinto país mais populoso do mundo, com 255 milhões de habitantes, e o segundo em número de ataques terroristas. Ao contrário, exigem compreender a postura paquistanesa para o futuro de uma região tanto estratégica, assim como de um país situado entre a Ásia e o Oriente Médio.