“Muitas vezes pergunto-me, quando há tanta clareza nas Sagradas Escrituras a respeito dos pobres, por que razão muitos continuam a pensar que podem deixar de prestar atenção aos pobres”, escreve o Papa Leão XIV.
Rui Saraiva – Portugal No próximo domingo 16 de novembro a Igreja assinala o IX Dia Mundial dos Pobres, criado pelo Papa Francisco em 2016, com a Carta Apostólica “Misericórdia et Misera”, para assinalar o fim do Jubileu Extraordinário da Misericórdia. Neste Ano Santo de 2025, o Papa Leão XIV escreveu a primeira Exortação Apostólica do seu pontificado. Um texto que o Papa Francisco, estava a preparar sobre o cuidado da Igreja pelos pobres e com os pobres. O título é “Dilexi te”, “Eu te amei” e é retirado de uma passagem do último livro da Bíblia, o Apocalipse (Ap 3, 9). Leão assinala que acrescentou reflexões: “Ao receber como herança este projeto, sinto-me feliz ao assumi-lo como meu – acrescentando algumas reflexões – e ao apresentá-lo no início do meu pontificado, partilhando o desejo do meu amado Predecessor de que todos os cristãos possam perceber a forte ligação existente entre o amor de Cristo e o seu chamamento a tornarmo-nos próximos dos pobres”. A opção pelos pobres Logo no início do texto, o Papa Leão recorda a figura de São Francisco: “Há oito séculos, foi ele que provocou um renascimento evangélico nos cristãos e na sociedade do seu tempo. O jovem Francisco, anteriormente rico e presunçoso, renasceu a partir do impacto com a realidade daqueles que são expulsos da convivência. O impulso dado por ele não cessa de mover os corações dos fiéis e de muitos não crentes”, afirma. Segundo o Santo Padre, “a condição dos pobres representa um grito que, na história da humanidade, interpela constantemente a nossa vida, as nossas sociedades, os sistemas políticos e económicos e, sobretudo, a Igreja. No rosto ferido dos pobres encontramos impresso o sofrimento dos inocentes e, portanto, o próprio sofrimento de Cristo”, assinala Leão. “Preocupam-nos, de modo particular, as graves condições em que vivem muitíssimas pessoas, devido à escassez de alimentos e água potável. Todos os dias morrem milhares de pessoas por causas relacionadas com a desnutrição. Mesmo nos países ricos, as estimativas relativas ao número de pobres não são menos preocupantes”, diz o Papa na sua Exortação. Em particular, o Papa refere a exclusão das mulheres “que padecem situações de exclusão, maus-tratos e violência, porque frequentemente têm menores possibilidades de defender os seus direitos”. “O mundo ainda está longe de refletir com clareza que as mulheres têm exatamente a mesma dignidade e idênticos direitos que os homens”, declara. “Toda a história do Antigo Testamento sobre a predileção de Deus pelos pobres” recorda o Santo Padre “encontra em Jesus de Nazaré a sua plena realização”. “O Evangelho mostra que esta pobreza abrangia todos os aspetos da sua vida”, salienta o Papa. Recordando várias passagens da Sagrada Escritura, Leão XIV afirma que Jesus “é um mestre itinerante, cuja pobreza e precaridade são sinais do vínculo com o Pai e são pedidas também a quem deseja segui-lo no caminho do discipulado, precisamente para que a renúncia aos bens, às riquezas e às seguranças deste mundo seja um sinal visível do ter-se confiado a Deus e à sua providência”. “Muitas vezes pergunto-me, quando há tanta clareza nas Sagradas Escrituras a respeito dos pobres, por que razão muitos continuam a pensar que podem deixar de prestar atenção aos pobres”, escreve o Papa Leão XIV. E adianta: “O programa de caridade na primeira comunidade cristã não derivava de análises ou projetos, mas diretamente do exemplo de Jesus, das próprias palavras do Evangelho”. Igreja para os pobres: desafio inadiável No seu texto, Leão XIV afirma o vínculo indissolúvel que existe entre a fé cristã e os pobres. Enfatiza que a Igreja deve assumir “uma decidida e radical posição em favor dos mais fracos”, num texto em que retoma a tradição bíblica e patrística, na atenção aos teólogos da antiguidade cristã, convidando, assim, a reconhecer os pobres como “carne de Cristo” e “modo fundamental de encontro com o Senhor da história”. “A caridade não é uma via opcional, mas o critério do verdadeiro culto”, aponta. Leão XIV defende o ideal de uma Igreja humilde, fiel à sua vocação de serviço aos necessitados, inspirando-se em figuras como São Francisco de Assis e os membros das ordens mendicantes, surgidas no século XIII. Assinala também os exemplos de vida monástica na história como “testemunho de solidariedade” e de “despojamento radical”, não esquecendo as congregações femininas que foram “faróis de esperança” em “tempos de analfabetismo generalizado e exclusão”. Leão XIV lembra na sua nota a importância de “acompanhar os migrantes”. “A Igreja sempre reconheceu nos migrantes uma presença viva do Senhor”. “A tradição da atividade da Igreja junto aos migrantes prosseguiu e hoje esse serviço expressa-se em iniciativas como os centros de acolhimento para refugiados, as missões nas fronteiras, e os esforços da Caritas Internationalis e de outras instituições”, escreve Leão XIV. “Em cada migrante rejeitado, é o próprio Cristo que bate às portas da comunidade”, diz o Papa indicando que a Igreja deve estar “ao lado dos últimos”. O Papa recorda na sua Exortação Apostólica a importância da Doutrina Social da Igreja e a sua “raiz popular que não se pode esquecer”. Leão XIV afirma que “a caridade é uma força que muda a realidade, um autêntico poder histórico de transformação”. “É necessário, portanto, continuar a denunciar a “ditadura de uma economia que mata”, diz o Santo Padre denunciando que “enquanto os lucros de poucos crescem”, os lucros “da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar”. “Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o direito de controle dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum”, declara o Papa. Alerta para o perigo de que se torne “normal ignorar os pobres e viver como se eles não existissem”. “Devemos empenhar-nos cada vez mais em resolver as causas estruturais da pobreza”, escreve Leão. “O cristão não pode considerar os pobres apenas como um problema social: eles são uma “questão familiar”. Pertencem “aos nossos”. A relação com eles não pode ser reduzida a uma atividade ou departamento da Igreja”, diz o Papa. O Santo Padre recorda a Encíclica “Fratelli tutti” do Papa Francisco que nos convida a refletir sobre a parábola do bom samaritano. “Na parábola, vemos que, diante daquele homem ferido e abandonado à beira do caminho, os que passam têm atitudes diferentes. Apenas o bom samaritano cuida dele”. E o Papa pergunta: “Com quem te identificas?” Uma pergunta e um desafio para quem quer viver o amor cristão. Para Leão XIV “o amor cristão supera todas as barreiras, aproxima os que estão distantes, une os estranhos, torna familiares os inimigos, atravessa abismos humanamente insuperáveis, entra nos meandros mais recônditos da sociedade”. “O amor cristão é profético, realiza milagres, não tem limites”, conclui o Papa declarando que “uma Igreja que não coloca limites ao amor, que não conhece inimigos a combater, mas apenas homens e mulheres a amar, é a Igreja de que o mundo hoje precisa”. Laudetur Iesus Christus