O evento de lançamento do livro integrou a programação das atividades da Rede que antecederam a COP 30 e celebraram a presença da Igreja junto aos povos e territórios amazônicos.
Silvonei José - Vatican News Belém viveu na noite do último domingo, dia 9 de novembro, um momento definido “história da memória da Amazônia” com o lançamento do livro A Igreja Profética e a Amazônia, de Dom Erwin Kräutler. O encontro foi na na sede da CNBB Norte 2, promovido pelo Regional e REPAM-Brasil. O evento integrou a programação das atividades da Rede que antecederam a COP 30 e celebraram a presença da Igreja junto aos povos e territórios amazônicos. A celebração começou em clima de alegria e gratidão. O livro, que reúne reflexões e palestras do bispo emérito do Xingu, foi apresentado como “o retrato de uma caminhada feita de fé, coragem e compromisso”. Durante as homenagens, a pesquisadora Ima Vieira destacou o reencontro com Dom Erwin na preparação e depois nas atividades do Sínodo Especial para a Amazônia. Para ela, o novo livro reafirma a força profética e o olhar atento do bispo às causas que unem fé, justiça e ecologia integral. O procurador da República, Felício Pontes, fez memória das ações de Dom Erwin no estado do Pará e do enfrentamento missionário em tempos de ditadura militar. “Ele foi um dos faróis da resistência, uma voz firme em defesa dos direitos humanos e dos povos da floresta”, afirmou. Já o bispo prelado do Marajó, Dom Ionilton Lisboa, destacou a presença profética e fraterna de Dom Erwin “na e para a Igreja da Amazônia”, recordando sua capacidade de unir espiritualidade e compromisso social em favor da vida. Ao tomar a palavra, Dom Erwin Kräutler contou que o livro é fruto de muitos pedidos vindos do Regional Norte 2, para que ele sistematizasse algumas das palestras e falas realizadas ao longo dos anos. A Rádio Vaticano – Vatican News conversou com dom Erwin: A igreja profética e a Amazônia, povos indígenas e ecologia. Dom Erwin, o conteúdo desse livro?. Que alegria poder encontrá-lo. Obrigado também pela possibilidade de falar. O livro saiu assim, eu não pensava em publicar, eu escrevi o que me veio na telha, como diz o povo, e depois acharam que seria bom partilhar com outras pessoas. É isso aí. Eu penso que o profetismo na Amazônia é a característica da Igreja, porque desde os mais remotos tempos, se a gente ver, os bispos sempre assumiram, não apenas os bispos, mas muitos religiosos e religiosas, assumiram a defesa dos povos autóctones e dos ribeirinhos em nome de Deus. E junto com isso, mesmo que antigamente não se falasse do meio ambiente, mas junto com isso, defenderam também a Amazônia como uma dádiva divina e até hoje eu creio, a Igreja tomou a frente nessa defesa do chão sagrado para os povos indígenas, mas também para todos os povos ribeirinhos que vieram depois, mas são também autóctones, e também os quilombolas que tem aqui. Então, eu pensei, comecei a pensar que é profeta e fui buscar lá no Antigo Testamento, a grande maravilha do profeta Elias. Por que? Porque ele fez a experiência profunda de Deus e a partir dessa experiência ele anunciou. E penso que aqui é a mesma coisa, você não aguenta se você não tem essa mística, essa mística que não é piedade exagerada ou qualquer coisa, mas a mística, a motivação profunda que vai buscar no profetismo do Antigo Testamento e no próprio Jesus, que veio anunciar a Boa Nova de modo especial para os mais pobres e abandonados. E eu creio que o livro quer falar sobre isso também, tudo que aconteceu aqui na Amazônia, porque também não foi tão fácil para o pessoal de fora. Eu me lembro muito bem quando nós falamos uma vez na Assembleia e eu defendia a Amazônia: eu defendia a Amazônia e disseram, especialmente naquela vez... Não, sei quando foi? Creio foi em 2007, no encontro dos bispos da América Latina e do Caribe, em Aparecida. E falamos da Amazônia como uma obrigação do episcopado de defender a Amazônia. Depois alguém disse, mas se a gente fala da Amazônia tem que falar também de outros, outros e outros ambientes. Eu disse: vocês estão esquecendo que a Amazônia tem 9 países. Embora o Brasil tenha 67%, mas tem outros países. Então a Amazônia interessa não apenas à Igreja do Brasil, mas à Igreja em toda América Latina e no Caribe. E assim a coisa pegou, mas depois tinha o grande vulto na defesa da Amazônia, era sulista de nome Cláudio Humes. O dom Cláudio, eu era muito amigo dele, e sofri muito quando ele faleceu. A gente se entendeu bem também nessa defesa da Amazônia e ele de fato sabia o que falava. Não falava apenas das vocações que precisávamos, vocações autóctones, mas também da nossa obrigação, do nosso dever, da nossa vocação como Igreja Local de defender os povos autóctones e o meio ambiente, porque nós não podemos entender os povos da Amazônia sem o meio ambiente onde eles moram. Os índios fora de seu ambiente não sobrevivem como povo. Então tudo isso eu pensei e coloquei de uma outra maneira. Lembrei, claro, dos encontros, especialmente o encontro de Santa Teresa em 1972, mas também dos outros encontros em nível nacional, em nível amazônico, mas também em nível nacional”. Desde que o senhor iniciou a se preocupar pela Amazônia, o que mudou nessa estrada, nesse caminho? Bom, a primeira coisa que mudou é que isso não era assunto nem da Igreja, nem da política. A Amazônia era sempre tida como celeiro de onde a gente pode buscar. E o desrespeito tem história. Eu era jovem naquele tempo... Eu vi a situação como que era. E quando me tornei bispo depois de 15 anos de padre lá no Xingu, quando o Papa me nomeou bispo, sem ter culpa nem merecimento, eu também assumi essa questão porque achei que a Igreja tem que se meter nesse assunto e na defesa. O que mudou é que se tornou assunto inclusive da Igreja, dos documentos da Igreja. Paulo VI, se diz, que ele falou: Cristo aponta para a Amazônia, era o título do documento de Santo Rei, e depois os demais... Olha, Medilín falou dos pobres, Puebla falou dos pobres e dos indígenas, mas a Amazônia começou aos poucos em Santo Domingo. E mesmo assim, em Aparecida, tivemos que lutar para a Amazônia ficar dentro do documento como merece e como precisa. Mas mudou. Hoje em dia você está, como eu poderia dizer, hoje em dia, se diz que a igreja tem a vocação, a obrigação de defender a Amazônia. Todo mundo fala disso. Até se exagera. Antigamente, eu sempre faço uma comparação com os índios. Antigamente chamar alguém de índio era ofensa. Hoje, até gente que não tem nada com índio, a cara... coloca cocar e quer ser índio. Então isso mudou muito, né? Também tem uma coisa que nós não podemos esquecer, a nova constituição de 88. Eu fui presidente do CIME naquele tempo e nós lutamos para que os direitos indígenas ficassem inscritos na Constituição Federal, art. 232, 233. Está aí. Conseguimos. Essa, para mim, é a grande vitória que senti em minha vida. Que nós não acreditávamos, mas é toda uma história, a mão de Deus estava sobre nós. Até escrevi, eu falei no Congresso e o Jarbas Passarinho, que não é todo mundo da igreja que gostou dele, mas ele, me lembro, eu falei com ele e disse para ele: o senhor nasceu no Acre e foi governador do Pará. Acre e Pará são as colunas que sustentam a Amazônia. Disse para ele: o senhor tem obrigação de defender a causa indígena na Amazônia. E pouco depois ele fez um discurso fogoso, e os direitos indígenas entraram na Constituição. Então tudo isso, embora que a palavra escrita, falta muitas vezes o salto qualitativo para a realidade, escrever e falar é fácil, mas depois transportar o transpor isso na realidade vivida é sempre outra coisa. Mas para mim mudou muito nesse sentido. Hoje, olhando pouco todo esse caminho, o senhor coloca também no livro, que esperança nos dá. A palavra esperança, Papa Francisco, nos colocou muito no coração. Que esperança nos dá? A gente dizia antigamente, a esperança é a última que morre. O cardeal Schönborn, de Viena, disse que a esperança nunca morre. Enquanto estivermos vivos, temos esperança. Mas também a esperança é a razão da nossa alegria. A esperança que o mundo de hoje reconheça os direitos dos indígenas e reconheça os direitos da mãe terra, da Amazônia. Essa é a esperança que eu tenho. E com essa esperança vivo, eu vou morrer. Última coisa, D. Erwin, olhando um pouco o caminho que foi feito, mas a presença da Igreja agora também na COP30, não é? A gente fez uma caminhada para chegar à COP e agora estamos vivendo a COP30. Sim, exatamente... Quem? 30 anos atrás, 20 anos atrás. Quem esperava isso? Isso mudou. Tem uma sensibilidade muito diferente do que tempos atrás. Diziam na cara da gente, isso não seria assunto da Igreja, é do Partido Verde, ou qualquer coisa do gênero. Mas hoje ninguém mais fala isso, porque sabe perfeitamente que nós rezamos: “creio em Deus Pai Todo-Poderoso, criador do céu e da terra”, temos responsabilidade por essa criação do Pai.