Guerra e Castigo da Rússia na Ucrânia - Vatican News via Acervo Católico

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Guerra e Castigo da Rússia na Ucrânia - Vatican News via Acervo Católico
Fonte: VATICANO

Em seu novo livro, que repassa os últimos trinta anos da União Soviética por meio de uma galeria de personagens, o escritor Mikhail Zygar nos ajuda a compreender o presente de Moscou partindo da ideia de que nenhuma ditadura é eterna e que o futuro sempre oferece uma oportunidade de mudança.

Pe. Stefano Caprio* A editora russa Meduza, um dos principais pontos de referência da oposição russa no exterior, anunciou o lançamento do novo livro de Mikhail Zygar, "O lado sombrio da Terra. História de como o povo soviético derrotou a União Soviética", dedicado aos últimos trinta anos da existência da URSS, desde máximo desenvolvimento do império soviético até seu colapso desastroso no início dos anos 90. Precisamente nestes dias, de fato, são celebrados os aniversários das Declarações de Soberania aprovadas por quase todas as repúblicas soviéticas em 1990, da Rússia de Yeltsin às regiões urálicas do Tartaristão e do Bascortostão (Baškortostan), que tinham a ambição de se tornar Estados independentes. Mesmo antes do fim da União, o império já havia desmoronado após cinco anos da perestrojka de Mikhail Gorbachev, tão promissora do ponto de vista das liberdades e dos direitos quanto ineficaz em termos de reformas econômicas e políticas. Essas recordações permitem comparar os desenvolvimentos atuais da Rússia de Putin com as várias fases da história soviética, sendo os dois períodos inextricavelmente ligados entre eles, para além das tantas evocações da história antiga da Rus' de Kiev, da Moscóvia que aspirava à "Terceira Roma", ou do império ocidentalista de São Petersburgo, de Pedro, o Grande, a Nicolau II. Zygar é um jornalista político, escritor e documentarista entre os mais brilhantes das últimas gerações, tendo nascido em 1981 e testemunhado a decadência do sistema soviético pelos olhos de uma criança. Ex-editor-chefe do canal de televisão  Dožd, é autor de diversos livros que comentaram com grande profundidade essas transições históricas, como Todo o exército do Kremlin, O Império deve morrer, Todos Livres e, sobretudo, o livro com o título mais eficaz, Guerra e Castigo, que une Guerra e Paz, de Liev Tolstói, com Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski, a reflexão sobre a guerra de Napoleão com a ilusão do super-homem Raskólnikov. O subtítulo deste livro, publicado em 2023, é Como a Rússia Destruiu a Ucrânia, não apenas na guerra atual, mas no decorrer dos séculos passados. Aquilo que estamos assistindo já há mais de um quarto de século é, na verdade, uma grotesca reedição do período stalinista de trinta anos que, que, efetivamente, construiu o império soviético entre 1924 e 1953, após o turbulento período de revoluções, guerras civis, repressão e liberalização dos anos de Vladimir Lenin. A isso se seguiu a década do "descongelamento" krushcheviano, entre 1954 e 1964, que, em muitos aspectos, pode ser comparada à década de Gorbachev e Boris Yeltsin, entre 1986, com a glasnost em consequência à explosão da usina nuclear de Chernobyl, até a reeleição de Yeltsin em 1996, depois da qual começaram a agir as forças restauracionistas e soberanistas dos comunistas de Gennady Zyuganov, abrindo caminho para a ascensão de Vladimir Putin. O reinado do novo czar, orientado a superar a duração daquele do georgiano "Pai dos Povos", também deve ser comparado aos vinte anos de "estagnação" sob Leonid Brezhnev, entre 1965 e 1985, que combinaram a repressão de dissidentes com a escalada do confronto com os Estados Unidos na "Guerra Fria" sem fim, o esquema mental, antes ainda que militar, no qual cresceram os atuais líderes da Rússia, o presidente Putin e o patriarca ortodoxo Kirill (Gundyaev), em uma Rússia que está caminhando para uma nova estagnação econômica. O novo livro de Zygar, segundo as apresentações, não busca reconstruir os modelos econômicos e as características políticas dos vários regimes, mas reconstrói aqueles períodos por meio das figuras que os marcaram: "criminosos e vítimas, heróis e burocratas, poetas e soldados". Narra a história de Mikhail Gorbachev e sua esposa Raisa, um símbolo feminino da nova abertura da Rússia para o Ocidente; o "sumo poeta" da última era soviética, Evgenij Evtušenko,, que também foi o primeiro a interpretar as aspirações da dissidência na era Brejnev, a ponto de inspirar a própria perestroika; o primeiro astronauta, Yuri Gagarin, que no céu "não tinha visto Deus", para mais tarde morrer jovem consumido por rios de álcool; e cantoe rebelde e popular rebelde e popular Vladimir Vysotsky. Há atores e escritores como Marina Vlady, Alla Pugacheva, Alexander Soljenítsi e sua esposa Natalia, o campeão de xadrez Garry Kasparov, um dos principais políticos da oposição atualmente no exílio, o ganhador do Prêmio Nobel da Paz Andrei Sakharov e sua esposa Elena Bonner, o diretor Sergei Paradzhanov, os cantores Boris Grebenshikov e Viktor Tsoi, o próprio Yeltsin e muitos outros. São contados os eventos que se desenrolaram nos últimos trinta anos em todo o império soviético, de Moscou e Kiev a Chernobyl e Tbilisi, Yerevan e Spitak, Baku, Vilnius, Riga, Chișinău (então Kișinev), Alma-Ata (agora Almaty), Tashkent, Varsóvia, Praga, até Berlim com a queda do Muro, Washington e o resto do mundo. O “Lado sombrio da Terra”, representado por setenta anos pela União Soviética, diz respeito à escolha que milhões de habitantes do império do mal tiveram que fazer em condições dramáticas de mudanças epocais, e visa afirmar que nenhuma ditadura é eterna, que o futuro sempre oferece uma chance de mudança e que devemos olhar para frente com esperança, e não apenas com medo. As conclusões de Zygar se associam às mensagens de políticos russos no exterior, como Vladimir Kara-Murza, que convida a "se estar preparados para a próxima repentina mudança na Rússia", e como Yulia Navalnaya, a viúva do mártir Alexei, que elogiou o novo livro, afirmando que "amo profundamente as histórias de um país inteiro contadas por meio das histórias familiares simples de muitas pessoas, famosas ou não". Ela expressa sua admiração por Zygar, "um dos escritores russos contemporâneos mais profundos, e em cada página se vê um trabalho muito meticuloso e intenso... parece que se sabe como vai terminar, mas não se consegue deixar de lê-lo até o fim". Livros como este nos permitem refletir novamente sobre as razões por trás das crises e desenvolvimentos mais imprevisíveis e dramáticos, como a atual guerra de Putin contra a Ucrânia, que ninguém esperava e que parece não acabar nunca. O conflito entre Moscou e Kiev é um dos temas sobre os quais Zygar se concentrou em diversas publicações, especialmente em Guerra e Castigo, escrito em resposta à invasão de 2022. Ele descreve os muitos "mitos da Ucrânia" que a Rússia elaborou ao longo dos séculos e que hoje servem de justificativa para a agressão "defensiva" que a partir da Ucrânia se estende para o mundo inteiro. O autor define este livro como "uma confissão", semelhante ao que Soljenítsin escreveu sobre a relação entre russos e ucranianos, que toca as profundezas da alma dos homens do "mundo russo". Essa ideia, que hoje define a ideologia imperial de Putin e Kirill, nasceu em meados do século XVII com as revoltas dos cossacos de Bogdan Khmel’nitskij contra o Reino da Polônia, que levaram os habitantes das terras do Don a pedire, para serem integrados sos vastos territórios do império do czar Alexei Romanov. O termo "ucranianos", portanto, define os "homens da fronteira" que desejam permanecer livres na vastidão do "mundo russo", entendido como uma dimensão territorial não limitada pelos confins dos senhores feudais e das potências militares. Rússia e Ucrânia são "um só povo", segundo a interpretação de Putin, que não deve ser atribuída às loucuras pessoais de Vladimir Putin, mas que foi moldada na consciência dos russos, em parte graças à intelligentsija liberal do século XIX, a começar pelo profeta Aleksandr Puškin, que criava o jovem ucraniano Nikolai Gogol, persuadindo-o de que a Malorossiya, às margens do Don, só poderia prosperar sob a liderança da Grande Rússia, razão pela qual os ucranianos de hoje rejeitam o maior escritor ucraniano da história. Ou quando escritores e filósofos eslavófilos de Moscou e São Petersburgo desprezaram o sonho do grande poeta ucraniano Taras Ševčenko, também ele no círculo dos intelectuais da capital russa, e foi obrigado a escrever seus primeiros textos importantes em ucraniano nos confins da Sibéria, após a única visita a Kiev, onde se encontrou com os representantes do movimento "Cirilo e Metódio" pela criação da nação ucraniana. Recorda-se uma das acusações mais recorrentes de Putin contra o líder revolucionário Vladimir Lenin: que ele "inventou a república ucraniana" em vez de combatê-la e destruí-la, para restaurá-la ao seu lugar no seio da Rússia Soviética; em 1918, de fato, nascia a Ucrânia socialista independente e também a república autônoma da Crimeia, posteriormente reintegradas à União Soviética com consideráveis ​​níveis de autonomia. Em seus livros, Zygar também narra a ascensão de muitas figuras poderosas na Rússia pós-soviética, que na fase final da URSS eram meros burocratas de segunda categoria, como o próprio Putin e seu sucessor aparente, Dmitry Medvedev, ou o ex-motorista e vendedor de suco de laranja Igor Sečin, escritor e tradutor de português e espanhol, que mais tarde se tornou um dos autocratas e oligarcas mais influentes do Putinismo. Ele relembra a visita de Sechin a Havana com Nikolai Patrušev, o "guardião de Putin", e outros ministros e funcionários em 2008, às vésperas da guerra com a Geórgia que inaugurou a fase bélica do putinismo. A Rússia optou então por responder à agressividade da presidência de George W. Bush e aos seus planos de reforçar o escudo antimíssil da OTAN na Europa, interpretados como um sinal de uma nova guerra mundial, que chegou ao ponto de Putin ameaçar usar o novo míssil Burevestnik, "o tornado invencível" capaz de destruir qualquer inimigo, ou o submarino nuclear Pozeidon, que "ninguém no mundo possui". A história do presente e as perspectivas para o futuro são compreendidas por meio da releitura do passado que ainda influencia o pensamento humano, libertando-se dos mitos e redescobrindo as razões para esperar um mundo diferente. *Pe. Stefano Caprio é docente de Ciências Eclesiásticas no Pontifício Instituto Oriental, com especialização em Estudos Russos. Entre outros, é autor do livro "Lo Czar di vetro. La Russia di Putin". (Artigo publicado pela Agência AsiaNews)

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