Discutir como a Igreja Católica tem atuado na promoção da saúde mental e bem-estar dos mais vulneráveis e daqueles que já não encontram mais sentido na vida. Grupos, profissionais, pesquisadores, agentes pastorais, sacerdotes e religiosos que vivem essa experiência de assistência pastoral no mundo todo se reuniram, por três dias, em Roma, para levantar reflexões profundas, buscar novos horizontes e mostrar as iniciativas sobre a temática da Saúde Mental
Mariane Rodrigues - Cidade do Vaticano Pensar em quem está em situação de sofrimento psíquico, mas também em quem cuida. Abordar a saúde-mental no âmbito do indivíduo, mas ampliar a abordagem para as redes, as conexões e os problemas sociais – como a violência, os conflitos e as guerras – que afetam não só uma pessoa em particular, mas toda uma coletividade. Discutir como a Igreja Católica tem atuado na promoção da saúde mental e bem-estar dos mais vulneráveis e daqueles que já não encontram mais sentido na vida. Grupos, profissionais, pesquisadores, agentes pastorais, sacerdotes e religiosos que vivem essa experiência de assistência pastoral no mundo todo se reuniram para levantar reflexões profundas, buscar novos horizontes e mostrar as iniciativas sobre a temática da Saúde Mental. “Ministério da Esperança, uma conferência católica sobre bem-estar mental” foi o encontro, realizado entre os dias 5 e 7 de novembro, em Roma, que reuniu pessoas engajadas nessa temática no mundo inteiro para levar as suas experiências dentro das pastorais de assistência e cuidado à saúde mental de quem passa por sofrimento psíquico. Dentre os inúmeros palestrantes que trocaram suas ideias e experiência em cada região do globo, estiveram cinco brasileiros. O encontro foi uma realização da Associação Internacional de Ministros Católicos de Saúde Mental, sob o patrocínio da Pontifícia Academia para a Vida, entidade pertencente à Santa Sé. A temática da conferência coincide com a intenção de oração do Papa que, neste mês de novembro, é direcionada à prevenção ao suicídio. Leão XIV pediu que os fiéis orem pelas “pessoas que se debatem com pensamentos suicidas”, para que elas encontrem apoio em suas comunidades e “se abram à beleza da vida”. Saúde mental: necessidade do mundo e desejo pastoral Falar em saúde mental tem sido uma temática constante em diferentes partes do mundo, dentro de diferentes grupos, que envolve diversos atores e profissionais. Isso revela uma “visível necessidade do mundo e da população” e ao mesmo tempo o desejo e a capacidade das pastorais e da Igreja Católica em se aprofundar nessa questão. É o que considera Márcio Gagliato, especialista em saúde mental em crise humanitária. O interesse em falar sobre o assunto, pontua ele, dá-se também porque cada indivíduo já vivenciou – seja no seu círculo familiar ou de amigos – alguém que passou, ou está passando por sofrimento psicológico significativo ou que esteja em tratamento. “Há uma tensão hoje como nunca teve antes sobre a temática de saúde mental. É importante também definir que saúde mental não é uma coisa só. Não é uma uma construção monolítica, não se reduz a ideia da função do psiquiatra, do psicólogo, da psicoterapia, ou da terapia. A gente fala de saúde mental e costura ela dentro, na verdade, de uma dimensão de promoção, de prevenção, que ajuda as pessoas a viverem a vida da qual é possível. A ideia que a gente tem trazido aqui é de pensar a pastoral, não como a pastoral do tratamento, mas a pastoral do cuidado”, explica Gagliato. Ele pontua que as atuações dos agentes pastorais se costuram pelas diversas experiências, desde às pessoas que possuem uma necessidade mais intensa e complexa – que envolve cuidados profissionais -, mas passando pelos cuidados mais simples, levando em consideração o indivíduo em sua completude, “do ser como um todo, das suas emoções, dos seus pensamentos, das suas histórias e dos seus sofrimentos”, complementa o especialista. Diversas regiões do planeta vivem sob guerras e conflitos. Os efeitos das bombas sobre os tetos e as consequências devastadoras – desde a fome e os traumas – atingem não apenas um indivíduo, mas toda uma coletividade. Realidades como essas reforçam a necessidade de um debate amplo e intenso sobre o bem-estar mental a nível global. “Nós estamos de volta a contextos de guerra muito concretas. O mundo nunca viveu, desde a Segunda Guerra Mundial, os conflitos nas proporções, no grau de violência que a gente vive em 2025”, pontuou Gagliato. “Ao mesmo tempo”, prossegue, “surge esse levante de falar sobre a importância da saúde mental, ou seja, como é que a gente consegue se proteger e proteger os nossos, diante desse sofrimento intenso, de tal forma que não adoeça, de tal forma que aquilo não nos leve para uma dimensão muito obscura de não desejar a vida. E a saúde mental, ela sim, pode ser um instrumento para criar mecanismos de proteção. Há essas realidades tão difíceis que a violência traz e assim, a saúde mental acaba sendo um me canismo de resistência possível a processos profundamente desumanizadores”, afirma Márcio Gagliato. Ele reforça que as experiências que abalam o psicológico do indivíduo não acontecem apenas na mente ou nas emoções de quem sofre, mas no modo como esse indivíduo se relaciona com os outros. “A gente traz para a temática da saúde mental, não aquela abordagem do indivíduo, mas de rede, de tecido social, que nos ampara e nos protege. E isso perpassa todas as realidades, desde contextos de guerra, até contextos que a gente também tem visto que, aparentemente, vivem uma certa normalidade social, mas uma profunda solidão, uma profunda ausência de sentido.” Diálogo entre fé, ciência e condições de vida Para o professor de Teologia Bíblica, Jean Richard Lopes, a saúde mental atualmente é um tema que se insere em vários desafios, começando pelas estruturas oferecidas para suporte como ferramentas, profissionais e condições de vida impostas ao homem na sociedade contemporânea. “Vivemos num mundo que se corre muito, com expectativas elevadas que pesam sobre as pessoas, mas um mundo que, em muitas das suas partes, não consegue oferecer as estruturas necessárias para que as pessoas cuidem de sua saúde. E quando fala de estrutura, eu não estou falando só de hospital, de clínica médica. Estou falando de uma série de coisas que implica do lazer, à habitação, à alimentação, à educação, a um trabalho justo, a um ganho justo. Portanto, todas as condições de vida das pessoas”, expõe o professor. Ele ainda pontua outras problemáticas que potencializam o desenvolvimento de sofrimentos psíquicos na população, como aqueles de caráter relacional. “É um problema clássico na história do ser humano que está sempre nessa luta de construção de relações positivas, qualitativamente favoráveis e amigáveis, mas que nem sempre é fácil”, expõe ele. O professor explica que a Teologia reflete o tema contemplando o ser humano em toda a sua vivência e existência, exercendo uma ação pastoral de cuidados, mas também de denúncia, de reflexão pública, em comunidade e dialogando com outros setores da sociedade. Segundo ele, a abordagem teológica não se pressupõe reduzi-la à espiritualidade, mas sim somando-se a outras dimensões científicas, considerando o indivíduo em corpo, alma e espírito. “Um dos desafios para a Teologia é conseguir emplacar, nessa reflexão sobre a saúde, a dimensão da espiritualidade. Lembrando que ao entrar com a dimensão da espiritualidade, a teologia - exatamente por ser uma reflexão consistente sobre a fé - não reproduz o erro que algumas abordagens acabam reproduzindo. Qual? Reduzir tudo a uma questão espiritual. A espiritualidade - como reflexão, como acréscimo que a teologia oferece na conceituação, que depois impacta diretamente na atuação sobre a saúde mental, o cuidado, a prevenção da saúde mental - o faz sempre de forma dialógica, conversando, por exemplo, com a psicologia, com a psiquiatria, com a psicanálise, com a sociologia e outras ciências tantas, para entender no complexo, ou seja, considerando os vários fatores”. Arte como terapia e autoconhecimento Arte e psicologia são inseparáveis. É assim que considera a cantora, compositora, musicoterapeuta e mestra em psicologia, Ziza Fernandes que, desde seu primeiro álbum, percebeu, de forma muito evidente, a sua vocação para a formação humana e para a estrutura psicológica por meio da música. “Nunca precisei fazer esforço absolutamente pensado e calculado para somar a arte e a psicologia”, afirma ela, que participou de uma mesa-redonda no Ministério da Esperança, falando sobre como o cuidado afeta aqueles que servem e como a igreja capacita e apoia. Ela coordena um curso de pós-especialização que aborda a vocação de dar sentido a vida, com cuidado e de forma estruturada, por meio da arte. “A arte como ferramenta terapêutica, a arte como ferramenta de autoconhecimento, a arte como expressão do mais profundo, doloroso e trágico do ser humano também”, pontua. Ela afirma que, por meio da arte, oferece cuidado de forma voluntária, mas também sistematizada, organizada, pensada e estruturada. “É uma percepção de alguém que está acordada e atenta à necessidades dos tempos, da Igreja”, afirma e continua: “Eu tenho respondido a partir de um curso de pós-graduação ‘Vida e arte com sentido’, no qual sou professora e coordeno. Criei toda a metodologia. A proposta de cuidado é através das ações e projetos que a gente desenvolve”, comenta a artista. Ela considera importante a Igreja dar atenção, de forma minuciosa, especialmente em um contexto de aumento no número de depressão, pânico e ansiedade. “É muito importante que a Igreja se volte com clareza no que diz respeito ao amparo psicológico com acompanhamento, principalmente de sacerdotes, seminaristas, bispos, de bons psicólogos, de terapeutas, com uma fé bem fundamentada, com uma visão antropológica muito esclarecida e muito enraizada no pensamento católico, para que os nossos pastores sejam cuidados e possam cuidar de forma saudável”, afirmou ela. Criar pontes para um objetivo: cuidar do outro Luiz Fernando Braz é membro consagrado da Fazenda da Esperança, uma comunidade terapêutica que acolhe jovens em situação de dependência ou aqueles que estão em depressão e que já não encontram mais sentido na vida. O objetivo é fortalecer a convivência em comunidade, com uma vivência no trabalho e tendo o evangelho como o centro da vida. “O jovem fica com a gente um ano, sem a droga, sem o álcool, mas ele reaprende um novo estilo de vida. Não é somente tirar aquilo do que ele é dependente, mas ensinar cada um deles a encontrar um novo estilo de vida”, explica ele. Foi a experiência dessa comunidade que ele levou ao Congresso Ministério da Esperança. “Para mim foi uma experiência muito bonita, de poder estar dentro desse encontro e ver a diversidade de iniciativas que tem dentro da igreja que pode ajudar pessoas. Pude aprender bastante com cada uma delas e também criar pontes. Criar conexões onde a gente pode ver como ajudar, como podemos ser igreja, mesmo com tantas iniciativas, tantos carismas diferentes, mas vivendo para um objetivo”, afirma ele.