Redescoberta e valorização da memória jesuítico-guarani: a contribuição do mundo acadêmico

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Redescoberta e valorização da memória jesuítico-guarani: a contribuição do mundo acadêmico
Fonte: VATICANO

Ao estudar a história dos saberes psicológicos na cultura brasileira, ocorreu a descoberta da contribuição da Companhia de Jesus, presente no Brasil desde 1549 a convite de Dom João III, e que desenvolveu uma rede de escolas para formação das crianças indígenas e um trabalho de transmissão de toda a tradição da cultura ocidental, em particular grega, latina, medieval, humanista, numa perspectiva cristã. Tudo isso ligado ao objetivo da evangelização e da formação, explica pesquisadora do IEA/USP.

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano Os territórios que hoje correspondem ao Paraguai, Argentina, Brasil e partes da Bolívia e Uruguai, testemunharam a partir do início do século XVII o florescer de comunidades criadas pela Companhia de Jesus. Estas Missões tinham como objetivo reunir populações indígenas guaranis em aldeamentos organizados, onde se combinavam atividades religiosas, produtivas e educativas. Eram espaços de catequese, mas também de reorganização social, afastando os indígenas da influência dos colonos europeus que buscavam escravizá-los. Nessas Reduções, os jesuítas introduziram práticas agrícolas europeias, artesanato, música e escrita, ao mesmo tempo em que preservavam elementos da língua e da cultura guarani. O guarani, inclusive, era a língua de uso cotidiano nas Reduções, o que favorecia a comunicação e a aceitação do projeto missionário. A vida comunitária era organizada em torno da igreja e da produção coletiva, gerando uma sociedade relativamente autossuficiente e distinta tanto das populações indígenas originais quanto das colônias espanholas e portuguesas. Apesar de sua prosperidade e de certo nível de proteção oferecido aos indígenas, as Reduções entraram em conflito com os interesses coloniais. Guerras, disputas territoriais e a pressão das coroas ibéricas culminaram na expulsão dos jesuítas da América em 1767. Depois disso, muitos dos povos guaranis foram dispersos ou submetidos ao controle direto dos colonizadores. Assim, as Reduções Jesuítico-Guaranis ficaram marcadas como uma experiência única de convivência entre missionários europeus e indígenas, misturando evangelização, proteção e desenvolvimento econômico. Especialmente no contexto das celebrações do 400 anos das Missões Jesuítico-Guaranis, torna-se ainda mais relevante o papel da pesquisa acadêmica, que tem sido fundamental para a redescoberta, valorização e preservação deste patrimônio que em 1983 foi inscrito na lista do Patrimônio Mundial pela UNESCO.  Para falar da importância da pesquisa no fortalecimento da memória histórica dos povos guaranis e da experiência missioneira na América do Sul, a Rádio Vaticano conversou com a Prof. Marina Massimi*, italiana que vive desde 1981 no Brasil, e que no âmbito do Instituto de Estudos Avançados da USP coordena o grupo de pesquisa “Tempo, Memória e Pertencimento”, que se ocupa da preservação do patrimônio histórico e documental e monumental do Brasil e da América Latina. O Instituto é estruturado em diferentes grupos de pesquisa, nas diferentes áreas do conhecimento, e tem o objetivo de fazer a ponte entre a pesquisa universitária e as exigências da sociedade civil, das escolas, da população brasileira. Assim, se ocupa do patrimônio histórico e monumental e documental da cultura brasileira e também da cultura latino-americana. No âmbito desse patrimônio também existe o Patrimônio Monumental dos Trinta Povos e na parte brasileira é o Patrimônio dos Sete Povos, que é justamente aquilo que se refere à experiência das Missões jesuítico-guarani, ou chamadas também de Reduções. "Redução" - explica a Prof. Marina - vem de "uma expressão latina, a ideia de Reductio ad unum, reduzir um conjunto de populações que até então viviam separadas, grupos de nativos que viviam separados em grupos de três ou quatro famílias, no território, principalmente nas florestas, a uma vida comunitária, uma vida civil, em forma de cidades e, portanto, numa unidade, que fosse também digamos, realizada a partir da formação cristã, a partir do reconhecimento então de pertencer ao único povo que é o povo de Deus. Cada um dos moradores seria, nesse sentido, parte dessa dessas comunidades". Mas antes de entrar no tema da relação entre mundo acadêmico e a história desse rico patrimônio, a docente da USP começou explicando do que se tratou exatamente esta experiência que teve início no século XVII: As Reduções ou Missões jesuítico-guaranis foram criadas no início do século XVII, por iniciativa de um grupo de jesuítas liderado por Diego de Torres Bollo, um jesuíta espanhol em missão no Peru, a partir de uma exigência que se fazia cada vez mais evidente no âmbito da presença missionária dentro dos domínios coloniais, domínios coloniais na América Latina que eram detidos por um lado pela Espanha, pelo Império espanhol e por outro pelo Reino português. O objetivo que moveu o jesuíta Diego de Torres Bollo, em particular, a formalizar junto com a colaboração de um jurista espanhol chamado Francisco de Alfaro, a proposta das Reduções, era o seguinte: em primeiro lugar, garantir a liberdade dos nativos e em particular a liberdade com relação também ao seu trabalho e ao fruto do próprio trabalho. Em segundo lugar, permitir a evangelização, a cristianização dessas populações. O que significava garantir a liberdade? Vigorava, de modo geral, nas colônias portuguesas e espanholas o regime de escravatura, ou seja, a população nativa era empregada em forma de trabalho escravo para a colonização do território. Na Espanha não havia uma escravatura propriamente dita, mas um sistema muito próximo que era o serviço da “encomienda”. Ou seja, os colonos, chamados de encomenderos, recebiam por “encomienda” do Reino e um certo território e a população desse território que era destinada ao serviço do encomendero. De alguma forma se tratava de um modo muito parecido ao trabalho escravo. E evidentemente as populações eram descontentes, e também os jesuítas quando chegaram nesses territórios perceberam a desumanidade do tratamento em que eram detidas essas populações. Daqui nasceu a proposta da assim chamada Redução. Como o Instituto de Estudos Avançados estrutura suas pesquisas sobre as Missões? O instituto é, como disse no começo, organizado por grupos de pesquisa voltados para as diferentes áreas do conhecimento e que buscam fazer uma interlocução, uma ponte entre os resultados das pesquisas acadêmicas e as demandas da sociedade brasileira. No nosso caso específico, o nosso grupo chama “Tempo, Memória e Pertencimento” e o objetivo é a valorização e a preservação do patrimônio histórico cultural brasileiro e monumental e documental e também imaterial, tendo em vista o fato da importância desse patrimônio para manter na consciência das pessoas e dos povos e das comunidades a memória da sua própria história e também a memória das comunidades de pertencimento que atuaram e atuam no território brasileiro. Nesse âmbito, se insere também o trabalho voltado para a história das Reduções ou, em outras palavras, a história das Missões jesuíticas nos territórios guaraníticos. A esse tema temos dedicado desde 2018 várias ações. Organização de viagens de estudo na região - importantes para o conhecimento e do patrimônio monumental, mas também do contexto social em que ele se insere nesse momento - e depois também o contato com a as populações atuais, então, em primeiro lugar, viagem de estudo, depois, organização de eventos, como, por exemplo, lives, que foram muito importantes nesse sentido, as lives realizadas na época da pandemia, porque pudemos aproveitar da contribuição de pesquisadores espalhados, não apenas no território brasileiro, mas também na América Latina e no exterior, que se disponibilizaram a contar e discutir aspectos dessa história. Essas lives podem se encontrar no canal YouTube do Instituto de Estudos Avançados, numa playlist que abrimos, que chama justamente História das Missões Jesuíticas nos territórios guaraníticos. Uma outra ação importante, uma terceira, foi a organização de cursos disponibilizados na plataforma Coursera, que é uma plataforma internacional de acesso gratuito, então realizamos dois cursos sobre a história das missões jesuíticas nos territórios guaraníticos, tem esse nome, e esses cursos estão ativos até agora, estão sendo sempre frequentados, continua a frequência ao longo do tempo e nesse momento estamos também providenciando uma versão inglesa dos mesmos. Para o 2026, tendo em vista o aniversário de 400 anos da fundação da missão de São Nicolau, estamos também planejando a realização de um simpósio importante na própria USP sobre a temática. Então, o nosso objetivo é justamente, dessa forma, levar ao conhecimento do público brasileiro, e especial também do dos professores das escolas, dos alunos, das escolas e de modo geral do mais amplo âmbito da população como um todo, o conhecimento dessa parte da história que vimos ser bastante desconhecida. E nesse sentido, o nosso objetivo é justamente disponibilizar instrumentos para esse conhecimento. Realizamos também um livro que foi encaminhado para avaliação de editor e também publicamos alguns documentos que estão, por exemplo, um relatório que foi publicado recentemente no portal de livros abertos da USP. Esse portal é gerenciado justamente pelo Instituto de Estudos Brasileiros e é destinado à descrição do patrimônio, em particular, dos Sete Povos e das necessidades desse patrimônio. Nesse sentido, sem dúvida, um dos nossos objetivos é desenvolver, ajudar a estimular o desenvolvimento de políticas públicas com relação ao patrimônio histórico, material e imaterial brasileiro e especialmente também com relação ao patrimônio das Missões jesuíticas. Realizamos diferentes eventos sobre a temática, mas queremos continuar fazendo isso, porque as políticas públicas são muito significativas e importantes para poder justamente garantir a preservação do patrimônio de modo geral. Publicamos um pequeno livrinho que se encontra no site dos livros abertos da USP, um site que é mantido pelo Instituto de Estudos Avançados Avançado, justamente sobre essa temática do patrimônio das Missões e incluindo também informações sobre a história das políticas públicas a respeito. Esse livro foi lançado por ocasião de uma Live que realizamos no dia 5 de maio desse ano, em que enfrentamos a temática do fechamento do Museu das Missões em São Miguel das Missões no Rio Grande do Sul. Felizmente, reaberto esse museu no mês de agosto desse ano, em que convidamos representantes do IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus) e do IPHAN, inclusive da região, e a professora Claudete Boff, que é uma especialista, dedicou a sua vida aos estudos e à pesquisa acadêmica e ao ensino sobre o tema das Missões jesuíticas, e nessa ocasião se debateu justamente o problema e as dificuldades, os empecilhos referentes à questão da gestão do patrimônio, também do ponto de vista político-administrativo e esse evento também está gravado e presente no YouTube, no canal YouTube do Instituto de Estudos Avançados, na playlist chamada História das Missões Jesuíticas no território guaranítico e aí se encontra também sse evento realizado no dia 5 de maio. Quais os principais desafios existentes para a preservação desse patrimônio? Eu diria que para além dos desafios climáticos, devido à situação climática da região, há também o desafio do pouco cuidado com relação à preservação do patrimônio histórico de modo geral, presente na nossa cultura hoje, uma cultura marcada pelo “presentismo”, ou seja, pela atenção ao presente e pelo descuido do passado. Então isso tem um impacto muito grande também do ponto de vista das ações voltadas para a preservação e dos recursos destinados para isso. Mas eu diria que, no que diz a respeito ao patrimônio monumental das Missões jesuíticas nos territórios guaraníticos, eu diria que um dos desafios mais sérios é o fato que é a história ligada a esse patrimônio, ou melhor, a história de que esse patrimônio é vestígio, é ainda pouco conhecida e apropriada pela população brasileira de modo geral. Se o conhecimento dos fatos históricos  ligados a esse patrimônio, está difundido no contexto local, do Rio Grande do Sul, sobretudo da região interessada ao patrimônio, em que o patrimônio se encontra, no resto do país, em muitos casos, é desconhecida a existência do patrimônio e desconhecida também a história, são desconhecidos os fatos históricos ligados a ele. Então, esse é um desafio muito sério, porque sem conhecimento, sem consciência de um pertencimento de alguma forma existente, o fato que o patrimônio sinaliza fatos históricos importantes para a constituição da sociedade brasileira também, das comunidades presentes na sociedade brasileira, sem essa consciência também as ações quanto à preservação são muito frágeis, e sobretudo são superficiais. Então, eu diria que um dos desafios que o nosso grupo de pesquisa “Tempo, Memória e Pertencimento” do IA busca inicialmente responder é justamente realizar ações que tornem mais conhecido esse patrimônio. Ações como cursos - temos dois cursos atualmente na plataforma Coursera gratuitos, dedicados à história das Missões jesuíticas nos territórios guaraníticos e temos também várias lives, vários eventos que estão presentes no YouTube sobre esse tema e que podem ser encontrados nas playlist presentes no canal YouTube do Instituto de Estudos Avançados. Essas lives foram protagonizadas por especialistas e pesquisadores desse patrimônio. Então, dessa forma, a gente buscou constituir um banco de dados importantes para poder difundir esse conhecimento de uma forma gratuita, junto à população brasileira, mas de modo especial junto às escolas, aos docentes das escolas brasileiras de segundo, terceiro, mas também de primeiro grau. As Missões incluíam territórios onde hoje temos Paraguai, Uruguai, Argentina, Bolívia e Brasil. No mundo da pesquisa, como é a interação com instituições e pesquisadores de outros países envolvidos na preservação do patrimônio dos 30 povos. Sim, sem dúvida, inclusive, essas relações foram e são muito importantes, porque elas nos ajudaram muito em aprofundar o conhecimento da temática ligado ao patrimônio monumental dos 30 povos e ao longo desses anos de atuação do nosso grupo de pesquisa do Instituto de Estudos Avançados “Tempo, Memória e Pertencimento”, pudemos trabalhar com esses pesquisadores da Argentina, do Paraguai, mas também dos Estados Unidos, da Itália, de outras regiões, que se interessam no estudo desse patrimônio um diálogo muito rico, muito importante. E não foi apenas um diálogo a distância, mas também aconteceram encontros, como, por exemplo, quando um grupo de nossos pesquisadores, mas também de colegas, amigos, visitamos as estâncias de Córdoba, na Argentina, e fomos recebidos pelo professor Carlos Page, da Universidade de Córdoba e do CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas), que é um grande especialista do estudo e das estâncias e das reduções, sobretudo na parte do patrimônio arquitetônico, mas também das biografias dos missionários jesuítas, atores da experiência dos Trinta Povos e que nos introduziu o conhecimento das estâncias. Então, nesse sentido também existem relações de colaboração. Essas relações também deram vida, como já foi mencionado, às Lives que estão presentes na playlist do canal YouTube do Instituto de Estudos Avançados, playlist que chama História das Missões Jesuíticas nos territórios guaraníticos. Essas playlist foram protagonizadas por vários desses pesquisadores. É muito evidente a importância de uma rede de relações para o conhecimento e a compreensão correta desse patrimônio, que não pode ser entendido na sua dimensão, na sua peculiaridade, na sua riqueza, senão dentro de uma abordagem interdisciplinar, como também foi mencionado pelo jovem pesquisador, o brilhante Luca Ruggeri, que já foi entrevistado pela vossa rádio. Então, nesse sentido, é muito importante essa relação. Como disse, inclusive, nesse sentido, é uma grande ajuda para o próprio Brasil, porque em comparação, podemos dizer que sejam essas ações de preservação do patrimônio documental e monumental desenvolvidas, por exemplo, pela Argentina e pelo Paraguai, podemos dizer que às vezes há uma riqueza maior do que aquilo que aconteceu no Brasil nas nossas universidades brasileiras, pelo menos não tanto nas universidades da região do Rio Grande do Sul, que de fato estão muito envolvidas nessa história, quanto por exemplo nas demais universidades. A nossa própria universidade é a USP, ainda precisa aprofundar mais, eu diria, a pesquisa e o conhecimento desse patrimônio. Então, nesse sentido, é uma grandíssima ajuda essa rede de pesquisadores. É importante que a memória histórica que é ligada, também a presença desses vestígios presentes no território, no território que faz parte agora também do Brasil, mas também de outras nações que são nações modernas - na verdade foram formados no início do século XIX -  então é importante a presença dessa memória histórica de um passado anterior à constituição dessas nações modernas, que é ligado justamente à presença dos Trinta Povos, ou seja, ao experimento redacional dos jesuítas, seja apropriado também pelo Brasil para compor a memória da sua própria história, como ponto de referência e como sentido também de um pertencer anterior àquele das nações modernas que é um pertencimento podemos dizer latino-americano. Com efeito, o que acontece? Na memória histórica brasileira, digamos, do brasileiro médio, a presença de figuras e de acontecimentos marcantes, como as figuras dos bandeirantes, o fato muito marcante do regime de escravatura, etc, mas essa experiência é pouco reconhecida. No entanto, se trata de uma experiência muito significativa, porque num contexto marcado pela violência da colonização, que implicava também o recurso ao trabalho escravo, pela presença da igreja se estabeleceu um outro tipo de socialidade, de sociedade, baseada na presença de uma etnia como a grande etnia do povo Guarani que marcava na maneira de ser latino-americano própria e ao mesmo tempo em interação com todo o contexto do ocidente europeu importado justamente pelo pela colonização e pelos próprios missionários jesuítas. Então, a experiência das Reduções é muito significativa, porque assinala um outro modo de ser latino-americano, em que era valorizada a presença da etnia indígena. Havia, evidentemente, de forma às vezes dramática, mas de modo geral, de forma positiva, criativa, construtiva, uma interação muito significativa entre a cultura indígena e a cultura ocidental, a cultura europeia. Na Argentina e no Paraguai, essa experiência é muito presente na memória histórica atual da população. No Brasil, não. De forma que o Brasil se concebe de alguma forma também meio que isolado do contexto latino-americano, até pelo próprio fator linguístico, mas na verdade, na sua origem, na história que nós contamos e que nós vemos sinalizada pelos monumentos das reduções, não é assim. Então, resgatar esse pertencimento anterior é muito importante, eu acho, pela própria consciência atual, presente, do brasileiro, e também valorizações de interação como a do Mercosul, mas também de colaborações culturais, científicas, dentro das quais também a constituição de uma rede integrada de pesquisa sobre esse fato histórico. É isso que eu gostaria de ter assinalado um pouco mais e que aqui complementei. Como o Instituto de Estudos Avançados contribui para a formação de novos pesquisadores nesta área? Sem dúvida, a função do nosso grupo, pelo menos o desejado, do nosso ponto de vista, é que as ações que a gente tá desenvolvendo estimulem os jovens no interesse pelo conhecimento e pela pesquisa nessa área. E por causa disso realizamos sim diferentes iniciativas desde o ano de 2018, ou seja desde o início da existência do nosso grupo de pesquisa, como por exemplo a criação de dois cursos gratuitos na plataforma Coursera, que é uma plataforma internacional de cursos MOOC (Cursos Abertos Online Massivos, ndr.), dois cursos de duas semanas a respeito, que podem ser acessados gratuitamente (Curso 1 e Curso 2) e além disso também, como já disse repetidas vezes, a criação, a organização desses encontros on-line e também presenciais. Estamos pretendendo, para o ano que vem, realizar um Simpósio presencial dedicado justamente ao tema das Reduções na ocorrência dos 400 anos da fundação da Redução de São Nicolau, a Redução que foi erguida nas margens do Rio Uruguai, no lado hoje brasileiro. Também dizer que estamos planejando alguns livros, que na verdade já foram analisados e que um está sendo, podemos dizer, está em fase de editoração, pela Editora Ideias e Letras e o outro está em fase de avaliação. Todas essas iniciativas têm justamente a o objetivo de formação nessa área.  Poderias falar um pouco sobre os livros? Então, um primeiro livro que ainda por enquanto está em fase de avaliação editorial - então não vou poder me alongar muito porque ainda está sendo avaliado -, é o livro que diz respeito, tem o objetivo de fornecer um conhecimento amplo para a população, para os interessados, para as pessoas de modo geral, sobre a temática dos, dos 37 povos, no sentido de oferecer uma panorama que é histórica, dos principais fatos históricos que levaram a criação dessa experiência e também depois descrever mais em pormenores os Sete Povos, ou seja, a parte que interessa o território brasileiro. Esse livro é um trabalho que também envolve a colaboração de vários dos pesquisadores que participaram dos dois cursos Coursera e que, portanto, são especialistas nessa área, nas diferentes especialidades: historiografia, história da arte, história econômica, história religiosa, etc. Mas sobre esse livro, como disse, não vou poder me alongar muito, porque ainda, não, não temos uma clara perspectiva em termos dos tempos necessários para sua edição. De qualquer forma, nós realizamos essa proposta, tendo em vista a necessidade de fornecer à população, e inclusive aos professores das escolas de primeiro, segundo e terceiro grau, é um conhecimento mais amplo, mais geral sobre a temática. Então, não se trata do livro para pesquisadores, voltado aos pesquisadores, mas que traz os resultados das pesquisas para população brasileira.  De novo, levando em conta, como em muitos casos, nos livros didáticos, há quase um absoluto desconhecimento dessa temática histórica ou uma maneira muito reduzida de trazê-la para o conhecimento do dos estudantes. As motivações desse problema são várias, não é o caso de nos alongarmos aqui. Mas sem dúvida é muito importante, como já dissemos anteriormente, que essa temática seja conhecida no Brasil. Sobre o segundo livro, aqui já posso me alongar um pouco, porque o livro foi aceito e já está sendo editorado e vai sair no mês de outubro, no máximo de novembro desse ano. Nesse caso, esse livro é de minha autoria e ele se insere um pouco no trabalho que eu realizo, tenho realizado ao longo da vida, que é a história dos saberes psicológicos. A edição desse livro vai ser feita pela Editora Ideias e Letras. O título: CIDADÃOS DE 'ORDENADA REPÚBLICA'. Lições da Experiência Guarani-Jesuíta na Reduções. Espero que, então, nessa data de outubro ou novembro, o livro possa, digamos, vir à luz e ser conhecido pelos leitores brasileiros. A ideia é ver como nos documentos históricos que nos veiculam essa experiência que foram nas Reduções Jesuíticas, ou as Missões Jesuíticas nos territórios guaraníticos, houve a elaboração também de vários tipos de saberes entre os quais os saberes psicológicos, antropológicos, já que essa é a minha área de pesquisa. E aí aproveito para fazer uma ponte com as perguntas últimas, que o professor Jackson me fez sobre a minha própria história. Já vou responder a isso. És nascida na Itália. Poderias falar de seu percurso, de sua história até aqui? A partir desse último livro, vou falar um pouquinho da minha própria história de pesquisa. Esse livro “CIDADÃOS DE 'ORDENADA REPÚBLICA'. Lições da Experiência Guarani-Jesuíta na Reduções”, tem a ver um pouco, como disse, com a minha área “história dos saberes psicológicos na cultura”. De fato, eu me formei em Psicologia em Padova (Pádua) ainda na Itália, em 1979,  e vim para o Brasil em 1981. No início de 1982, eu entrei com um projeto de Mestrado que foi financiado inicialmente pelo CNPQ, e depois pela FAPESP, sobre justamente aquilo que a gente chamava de “história das ideias psicológicas na cultura brasileira”. E depois continuei no Doutorado, sempre na USP, de novo com financiamento FAPESP,  com uma pesquisa sobre a história da difusão da psicologia, sobretudo do ensino da psicologia nas instituições do Brasil do século XIX. Qual é a perspectiva que está por trás disso, e que depois deu origem também à minha área de pesquisa que pude desenvolver a partir da minha contratação pela USP-Ribeirão Preto em 1989, na área de História da Psicologia e na área dos “saberes psicológicos na cultura brasileira”. Inclusive, para quem quiser conhecer um pouco mais dessa área, o meu último livro, que foi inclusive agraciado pelo Prêmio Jabuti Acadêmico no ano de 2024, foi inclusive o primeiro Jabuti Acadêmico concedido, chama “História dos saberes psicológicos na cultura brasileira”, foi editado pela EDUSP (Editora da Universidade de São Paulo) é uma síntese dos meus 40 anos de pesquisa nessa área. O que está por trás dessa área? Qualquer hipótese de estudo de pesquisa que está por trás desse nome, desse título, “História dos saberes psicológicos na cultura brasileira”, que antes do advento da psicologia científica ou paralelamente a ela, há no âmbito das diferentes culturas o desenvolvimento de saberes e práticas psicológicas ligadas justamente às especificidades das diferentes culturas e sociedades. São contribuições importantes, esses saberes, essas práticas, também há o cuidado da pessoa. Com o advento da psicologia científica no século XIX, no momento epistemologicamente marcado pelo positivismo, essa parte do conhecimento, esses saberes, essas práticas, foram um tanto colocadas de lado e até rechaçadas por uma, diríamos hoje, dizemos, aliás, hoje, uma ideologia científica que acreditava que a verdade, a única verdade, a única objetividade do conhecimento fosse apenas reservada à ciência experimental. Uma visão hoje bastante superada, inclusive nas próprias ciências e inclusive na psicologia, mas que no século XIX fez com que houvesse uma divisão, uma separação, uma ruptura entre esses saberes e práticas desenvolvidas ao longo do tempo para cuidar da vida da pessoa e a ciência psicológica, a ciência da psiquê, seja como psicologia, seja como psiquiatria. No caso da história dos saberes psicológicos na cultura brasileira, isso acontece também justamente no Brasil. A cultura brasileira é uma cultura multifacetada porque também composta por contribuições advindas das várias etnias e grupos culturais, sociais, raciais que compõem a sociedade brasileira e eu desenvolvi essa pesquisa a partir do período colonial, porque é a partir do período colonial que consegui encontrar fontes escritas para realizar a pesquisa. E devo dizer que essa ideia, da possibilidade de se criar uma história dos saberes psicológicos ou das ideias psicológicas, como inicialmente se chamou, foi graças ao encontro que eu tive na minha juventude mesmo, nos inícios da minha vida de pesquisadora, ainda na época da universidade em Pádua com o professor Jozef Brozek. Essa figura tão importante, foi um dos criadores da área da história da psicologia, seja do ponto de vista da pesquisa, seja do ponto de vista da didática nos Estados Unidos. O professor Brozek, que na verdade era tchecoslovaco, mas depois emigrou nos Estados Unidos durante o período das guerras e desenvolveu toda a pesquisa dele nos Estados Unidos. E por causa do encontro com ele, eu aprendi justamente essa visão da psicologia numa longa duração. A possibilidade, portanto, de resgatar também conhecimentos advindos, no caso da cultura ocidental, da própria filosofia, da medicina da teologia, da literatura e ligados, focados justamente na compreensão da dimensão psíquica pessoal da vida humana. E então essa é um pouco a ideia, e a partir de então das pesquisas de mestrado, de doutorado e depois das pesquisas realizadas ao longo da vida acadêmica e através também da criação de grupos de pesquisa com jovens pesquisadores, meus alunos bolsistas de iniciação científica, de mestrado e doutorado, podemos de fato desenvolver uma ampla gama de pesquisas nessa área. E ao estudarmos, então, a história dos saberes psicológicos na cultura brasileira, ao levantarmos as fontes nessa temática, aqui ocorreu a descoberta da contribuição da Companhia de Jesus. Companhia de Jesus, presente no Brasil desde 1549, a convite do rei de Portugal, Dom João III, e que desenvolveu no Brasil uma rede muito significativa de escolas para formação das crianças indígenas, mas também desenvolveu um trabalho muito grande de transmissão de toda a tradição da cultura ocidental, em particular grega, latina, medieval, humanista e evidentemente numa perspectiva cristã. Tudo isso ligado ao objetivo da evangelização e da formação. Então, nesse sentido, eu comecei também a desenvolver várias pesquisas no âmbito da história dos saberes psicológicos realizados no âmbito da Companhia de Jesus. Há muitas contribuições, muita coisa pode ser encontrada no livro que que já indiquei, vou também escrever o nome desse livro, e há também o livro, é, em inglês, é, contendo também a síntese dessas pesquisas que foi publicado pela Editora Springer. Então já vou indicar os nomes desses livros para quem quiser conhecer um pouco melhor, é, também essa área: 1. Historia dos saberes psicologicos na cultura brasileira. Edusp, 2023. este recebeu primeiro premio Jabuti academico e tb premio ABEU. ambos em 2024 e Psychological Knowledge and Practices in Brazilian Colonial Culture. Springer, 2020. __________ *Prof. Marina Massimi tem graduação em Psicologa pela Università degli Studi di Padova (1979), mestrado em Psicologia (Psicologia Experimental) pela Universidade de São Paulo (1985) e doutorado em Psicologia (Psicologia Experimental) pela Universidade de São Paulo (1989). É Professora titular aposentada da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professora Senior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e lidera Grupo de Pesquisa "Tempo, Memória e Pertencimento" junto ao IEA. Tem experiência de pesquisa na área de Psicologia, com ênfase em História da Psicologia, atuando principalmente nos seguintes temas: historia da psicologia científica e história dos saberes psicológicos na cultura brasileira, saberes psicológicos dos jesuítas. Foi Presidente e Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de História da Psicologia de 2013 a 2017. Membro da Academia Ambrosiana (Milão). Coeditora da Revista Memorandum: Memória e História em Psicologia.

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