Rio de Janeiro: As diversas camadas de uma tragédia social - Vatican News via Acervo Católico

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Rio de Janeiro: As diversas camadas de uma tragédia social - Vatican News via Acervo Católico
Fonte: VATICANO

A Igreja continuará cumprindo sua missão de anunciar o Evangelho, consolar os que choram, acolher os que sofrem, semear esperança, mas, acima de tudo, transformar os corações. Pois a transformação que pretendemos para a sociedade, começa com a transformação de cada coração.

Padre Carlos Augusto Azevedo da Silva - Vigário Judicial Adjunto, Arquidiocese do Rio de Janeiro A última terça-feira, dia 28 de outubro, será lembrada como o dia da operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro. Com a participação de 2500 agentes policiais, após 2 anos de investigação, 60 dias de planejamento, em uma área de 9 milhões de m2 e com cerca de 400 mil moradores. Como resultado a apreensão de 118 armas de fogo, 81 presos e a assustadora marca de 121 pessoas mortas. Mas o resultado, ou melhor, o reflexo dessa mega operação ultrapassa o mero registro aritmético e alcança realidades que os números não conseguem expressar. São diversas as camadas que envolvem essa triste realidade de nossa cidade que, ainda assim, chamamos de Maravilhosa. A primeira camada, podemos destacar aqueles que exercem o poder de Estado. Diante de uma cidade tomada por diversos grupos rivais, disputando territórios, que à décadas não estão mais sob a autoridade do poder constituído, o estatal, mas através de outras formas de organizações de poder, à margem da lei, estabeleceram seu domínio e territorialização de um poder paralelo ao poder do Estado, numa constante disputa territorial por domínio e poder que será, também, econômico. O poder constituído (Estatal), por sua vez, tenta retomar essas áreas e impor, pela força, uma autoridade que perdeu pela própria ausência. São décadas de abandono do poder público, com a ocupação territorial desordenada, criando uma sociedade autosuficiente que encontrou sua própria forma de organização. A principal consequência da ausência e do abandono do Estado, foi surgimento de uma outra forma de poder, que é, comumente, chamado de poder paralelo. Eis a segunda camada, em um território abandonado pelo Estado de Direito, uma vez que não existe vácuo de poder, esse papel foi assumido por outro. Vimos, assim, nas decadas de 60 e 70 surgirem os primeiros embriões daquele poder paralelo que percebemos espalhado pela cidade hoje em dia. Em um território sem a presença do Estado de direito, sem poder da polícia, sem o poder judiciário, sem devida assistência social, encontrou naqueles que assumiram a liderança do território um referencial que o Poder constituído não possuía mais. Essas lideranças assumiram o papel de delegado, de juiz, de assistente social. Dessa forma, se consegue compreender como esse processo de dominação territorial e social foi se desenvolvendo nessas comunidades que viviam, e vivem, à margem da sociedade, abandonados pelo Estado e sem serem alcançados pelas políticas públicas. Uma terceira camada é formada por uma grande quantidade de pessoas que habitam essas comunidades abandonadas pelo poder do Estatal e controladas por essa forma paralela de poder. São pessoas, que por diversas razões se instalaram nessas comunidades. Alí constituiram família, construiram um lar, criaram relações de afeto, vínculos de amizade, formaram uma verdadeira identidade cultural com o lugar, o "meu lugar", com suas dores, mazelas e tristezas, mas lugar de pertença, de acolhida, de "interação" e de "relação". Quem olha de fora pode perguntar: "porque eles não saem de lá?"A resposta é simples: "por que esse é meu lugar!" É um sentimento de pertença. Essas pessoas são atingidas, tanto pelas "operações" que não lhes trazem a solução, como pela "ocupação" que não pediu-lhes a permissão. Outra camada são aqueles que aproveitam das tragédias sociais para transformar a dor e sofrimento em palco e espetáculo, em oportunidade de lucro político ou forma de favorecimento de seu discurso ideólogico. Essa camada, também não apresenta uma solução, mas sob o manto de um discurso, inflamado e inconformado, aumentam as distâncias e, muitas vezes, querem, pelo poder da repercussão e do alcance, tomar a "voz" daqueles que já perderam a "liberdade" e o território e se tornaram, reféns, do proprio "lugar" que chamam de seu, mas que a muito não lhes pertence mais. Podemos, ainda, destacar a camada dos afetos, de todos os lados os afetos são atingidos. Quando um inocente é alvejado por uma bala perdida, quando um agente público é morto no exercício de sua missão institucional, quando um jovem tem a vida ceifada, mesmo que tenha feito escolhas erradas. O que une todas essas realidades é que a dor de uma mãe que chora seu filho é a mesma. Essa dor torna todo sofrimento igual. O sofrimento de perder alguém que se ama ultrapassa os rótulos que possam ser criados, não existe herói, nem vilão, nem mocinho, nem bandido. Um filho será sempre filho. Nunca será normal uma mãe sepultar seu filho. Os afetos são atingidos e causam sofrimento e dor. Nessa camada, os rótulos não se encaixam. É nessa realidade com muitas e diversas camadas, que a Igreja está presente. Não como agente político-ideológico, não como organização não-governamental (ONG), não como portadora de discursos e soluções prontas e descoladas da realidade. Mas a presença da Igreja é constante e permanente, perpassando todas as camadas e alcançando o coração e as consciências. A missão da Igreja é anunciar e testemunhar Jesus Cristo. Levando consolo em meio dor, acolhida em meio à exclusão, esperança em meio ao desespero. Quando a imprensa e seus especialistas encontrarem outro tema para discutirem, quando tudo parecer ter voltado ao seu ritmo habitual, fazendo as comunidades afetadas retornarem ao anonimato e abandono que já se acostumaram à decadas. A Igreja permanecerá alí, presente! Sem partidarismos ou ideologias, sem holofotes, sem alvoroço. A Igreja continuará cumprindo sua missão de anunciar o Evangelho, consolar os que choram, acolher os que sofrem, semear esperança, mas, acima de tudo, transformar os corações. Pois a transformação que pretendemos para a sociedade, começa com a transformação de cada coração. 

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