30% de mulheres nas negociações de paz, uma meta ambicionada por Guila Clara Kessous - Vatican News via Acervo Católico

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30% de mulheres nas negociações de paz, uma meta ambicionada por Guila Clara Kessous - Vatican News via Acervo Católico
Fonte: VATICANO

Incluir as mulheres nas negociações de paz é uma questão de justiça, de equidade e de esperança de que podem contribuir para melhores resultados - É isto que move Guila Clara Kessous, artista da UNESCO para a paz. Quer apresentar à ONU, em março de 2026, o pedido para que as mesas de negociações de paz tenham pelo menos 30% de mulheres.

Dulce Araújo - Vatican News Coach que treina mulheres e homens a falar em público, filantropa social, Guila Clara Kessous é embaixadora do Círculo Universal das Embaixadoras de Paz. Ela está a levar a cabo uma proposta global a ser submetida à 61ª Sessão da Comissão da ONU para os Direitos Humanos em março de 2026 e que consiste em fazer com que as mesas de negociações de paz, tenham, sistematicamente, pelo pelos 30% de mulheres. Esta sua proposta de resolução foi lançada a 10 de setembro de 2025 durante uma jornada de debate sobre a paz na sede das Nações Unidas, em Genebra. Guila esteve em Itália no final de outubro 2025, tendo sido premiada como “Mulher da Década”, pelos seus esforços a favor da integração da mulher nos processos de paz. Foi em Palermo, na Sicília, no âmbito do Fórum Económico das Mulheres. Depois da Sicília, onde recebeu o prémio das mãos da filha do Presidente da República Italiana, Sérgio Mattarella, Guila Clara Kessous veio a Roma e esteve também nos estúdios da Rádio Vaticano, onde deu entrevistas em inglês e francês, respondendo também a algumas das nossas perguntas. Antes de mais, lhe perguntamos, qual é a presença da África nesse Círculo de Embaixadoras de Paz. “A presença da África é profunda, importante e permite-nos compreender que a África em termos de direitos da mulher, por exemplo, está muito mais avançada que continentes como a Europa ou a América. A presença da África está ali para fazer mudar a consciência acerca do que esta energia feminina pode trazer ao mundo e vê-se em diversos países onde é a mulher enquanto mulher que gere todas as questões do lar e em ligação a tudo o que toca à governação. No Trabalho que já iniciei, há os Acordos Internacionais sobre as Mulheres na Diplomacia, os Acordos de Sarah e Hajar, equivalente aos Acordos de Abraão e os Acordos africanos que são importantes e que mostram que hoje a África tem um potencial que não foi ainda revelado e acho que quando tivermos a possibilidade de reunir, através das mulheres, os 54 países da África, teremos uma possibilidade realmente nova de compreender como é que essa energia feminina pode realmente mudar as mentalidades.” - Nos anos 90/2000, nos tempos das terríveis guerras na Libéria e Serra Leoa, já havia mulheres africanas que reclamavam pela  participação nas negociações de paz e hoje temos guerra igualmente terríveis no Sudão e no Sudão do Sul, na República Democrática do Congo e noutras partes da África. E o continente dispõe de instrumentos jurídicos e convencionais como o Protocolo de Maputo, a Convenção dos Direitos de Género, FemmeWise, essa Rede de Mulheres Africanas para Prevenção e Mediação de Conflitos, estabelecida na UA em 2017. Porque é que tudo isso não funciona, a seu ver? “Fala da Libéria, é preciso mencionar o trabalho incrível feito pela Premio Nobel Leymah Gbowee que conseguiu fazer cessar uma guerra através da mobilização de mulheres. A grande diferença  em termos de elite política entre mulher e homem é que geralmente, as mulheres permanecem próximas do terreno e se têm de escolher entre o político e o terreno, escolhem o terreno porque quer se queira, quer não, a mulher - sobretudo a mulher africana - tem a peito poder continuar como ponto de referência em tudo o que é doméstico, filhos, lar, etc.; o problema das mulheres quando estão no poder é que, de forma geral, ficam sob o chapéu de chuva masculino e têm de se manter nas normas, porque se começar a exprimir uma opinião diferente em relação a essa guerra, serão postas de lado. É por isso que, hoje, em relação ao Sudão ou mesmo à RDC é extremamente importante ter uma comunidade internacional que as ajude a poder dizer que elas são necessárias e que têm uma voz que conta em relação a uma certa parcialidade dos seus governos. Acho que isto deve vir de um apoio internacional e não apenas nacional, porque a nível nacional as pessoas têm medo, as mulheres têm medo e se tiveram de escolher entre fazer parte da elite que tem privilégios e estar da parte da população, escolhe estar com a população, seja para o que der e vier.” - Recentemente houve uma reunião na União Africana sobre a questão das mulheres nos processos de paz, e insistiram no facto de que não se respeitam os objetivos fixados e não há avaliação do que se faz. De que modo as iniciativas que leva avante podem ajudar nisso? “O que diz é justo. É preciso, é necessário que haja avaliações e, sobretudo, sanções e, nisto, se toca um problema que não é unicamente africano: que sanções foram tomadas contra o irão pelas mulheres que foram mortas; ou contra o Afganistão pelas mulheres que não têm possibilidade de falar entre si em público ou de cantar; ou contra a Síria... Hoje é extremamente difícil poder forçar um país a fazer algo. E é verdade que na resolução que procuro fazer passar e que propõe que 30% dos componentes das mesas de negociações sejam sistematicamente mulheres, há uma obrigação de acompanhamento para ver o que muda. Vai-se também trabalhar na formação de mulheres. Isto é muito importante: formar mulheres em negociações diplomáticas e prever sanções, ou seja, dizer que se põe em ato um sistema de quotas e se no espaço de dois anos não for adotado, haverá uma sanção. Mas falo da União Africana, e penso que enquanto não houver sanções claras a ser atuadas, uma política de estado e que haja um Estado que seja condenado por não ter seguido a resolução, não haverá nenhuma possibilidade de poder forçar os países a adotar este tipo de resolução.” - A questão dos direitos das mulheres avançou muito com as grandes conferências das Nações Unidas, iniciadas nos anos 70 no México e culminadas em Pequim em 1995 e anos seguintes. Acha que para a uma verdadeira inclusão de mulheres nos processos de paz é preciso algo de grande envergadura como essas conferências ou basta essa convenção que está a procurar levar a cabo?   “Não nada que seja suficiente, pois a situação é de tal forma dramática em termos de participação. De 1995 até hoje, no mundo, menos de 6% de mulheres foram signatárias de tratados de paz, isto para vermos como estão completamente descartadas; a nível das negociações de paz são menos de 8% as mulheres que são negociadoras. Os dados são absolutamente deploráveis. As mulheres são postas de lado e, no entanto, constituem a maior parte dos seres humanos. É deplorável. O que oiço frequentemente é que não é uma prioridade as mulheres fazerem parte do processo de paz; a prioridade é a diplomacia feminista para que haja mulheres nos governos. Digo, não: o processo de paz é absolutamente necessário para que a mulher mostre que tem um papel realmente importante a jogar nas decisões relativas ao futuro da humanidade. Por isso, nada é suficiente. Aquilo que eu faço é uma gota de água, vai começar a aumentar. A ideia é apresentar essa resolução de forma oficial na 61ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos em Genebra e depois poder propô-la a nível europeu e a seguir a nível da ONU, em Nova Iorque, e avançar pouco a pouco. Embora seja uma resolução que é bastante consensual, há ainda reservas quanto a declarar-se favorável ou não a este tipo de coisas, simplesmente porque a questão da mulher hoje é um assunto que está mais ligado à questão da inclusão de minorias. O que é falso. Não é fazer caridade à mulher propor-lhe apenas 30% de participação nos acordos de paz diplomáticos. A mulher não é uma minoria, não se trata de inclusão. É uma questão de justiça, de equidade. E enquanto não se tiver em conta que os direitos das mulheres não são direitos de um género contra os do outro género, mas sim direitos humanos, teremos ainda muita dificuldade em poder trabalhar sobre a igualdade.” - As expectativas em relação ao contributo das mulheres para paz, para o melhoramento do mundo são grandes. Mas muitas vezes, vemos mulheres que estão completamente da outra parte, que, mesmo podendo, nada fazem pela paz, antes pelo contrário. Acha que promover os direitos das mulheres que foram e são ainda espezinhados por todo o mundo, é uma tarefa tão grande e prioritária, que não é o momento de se falar nas violações que as próprias mulheres fazem no mundo? “Põem-me sempre esta pergunta. Geralmente são os homens que me dizem: na sua opinião, os grãos de ódio, quem é que os põe nas crianças, desde o nascimento: é a mulher que é responsável pela educação, portanto, é a mulher que vai treinar essa criança a ser um bom soldado. A resposta é simples: a resposta é que hoje não se trata de refletir se a mulher quer fará melhor por ser mulher. Estamos perante uma maioria que é reduzida ao silêncio. É como se dissesse que há uma maioria de homens hoje que não pode exprimir-se porque há uma minoria de mulheres que se apodera do direito de representar o mundo. Eu tenho a sorte de ter uma filha e digo-lhe que o mundo lhe pertence assim como ao seu irmão. É, portanto, uma questão de justiça. Farão as mulheres melhor que os homens? Espera-se que sim; em todo o caso há estudos que mostram que quando as mulheres fazem parte das mesas de negociações, 35% dos acordos são mais duradouros. Há também uma vontade de temperança. Não, não é porque se é mulher que devemos ser perfeitas. Eu quero que se dê às mulheres o direito de ser humanas, quer dizer, não melhores, não piores, mas de poder ter a possibilidade de representatividade, da mesma forma que os homens.  Como vê, na minha resolução começa-se gradualmente. É de 30%, não 50%, não peço imediatamente o céu, mas que se possa ter uma representatividade dessa maioria silenciosa em nome de todos os sofrimentos que temos vivido e hoje, em relação aos países que são casos extremos em termos de sofrimento e que deploram dizendo: que pena! A vida da mulher não é uma pena, é tão preciosa como a vida de um homem, é uma vida humana. É por isso que à pergunta e se as mulheres fizerem pior que os homens, hoje é tempo de pôr a mulher à mesa das negociações, avaliar par ver se é melhor ou não, mas que se sinta a necessidade duma representatividade em nome da justiça e da equidade.”   

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