Que neste novo ano, a intercessão da Mãe de Deus nos ajude a costurar as divisões do nosso país e a curar as feridas da nossa cidade.
Cardeal Orani João Tempesta, O. Cist. - Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ Ao descerrarmos as cortinas de um novo ano civil, o mundo secular celebra a passagem do tempo com fogos e festejos, renovando esperanças muitas vezes vagas de dias melhores. A Igreja, contudo, nos convida a iniciar esta jornada de 2026 não com um olhar vazio para o calendário, mas fixando nossos olhos em uma verdade fundamental de nossa fé. No primeiro dia do ano, celebramos a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus. Esta festa não é apenas uma homenagem piedosa à Virgem de Nazaré; ela é a guardiã da verdade sobre quem é Jesus. No século V, o Concílio de Éfeso proclamou Maria como Theotokos (Portadora de Deus) para defender a unidade da pessoa de Cristo. Ao afirmarmos que Maria é Mãe de Deus, estamos confessando a admirável “dualidade” do nosso Salvador: Ele não é um homem que se tornou divino, nem um Deus que apenas fingiu ser homem. Ele é, indissoluvelmente, Deus e Homem. Na segunda leitura da liturgia de hoje, São Paulo nos lembra na Carta aos Gálatas: “Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher...” (Gl 4, 4). Aqui está o ponto de contato entre o Céu e a Terra. No ventre de Maria, a natureza divina e a natureza humana se uniram para sempre. O Infinito ganhou um rosto; o Eterno entrou na nossa história. Essa união hipostática — duas naturezas distintas em uma só pessoa — é o mistério que garante a nossa salvação, pois somente alguém que fosse plenamente humano poderia representar a humanidade caída, e somente alguém plenamente Deus poderia resgatá-la com poder infinito. Se em Cristo a divindade e a humanidade coexistem sem confusão e sem divisão, como nos ensina a teologia, temos aqui o modelo perfeito para a nossa convivência social. Olhando para o Brasil de hoje, vemos um cenário que clama urgentemente por esta lição cristológica. Temos vivido tempos de polarizações agudas, onde as diferenças — sejam ideológicas, políticas ou sociais — não são vistas como diversidade a ser harmonizada, mas como motivos para trincheiras e rupturas. O Brasil parece, por vezes, esquecer sua vocação de ser uma nação de encontro. A “dualidade” de Cristo nos ensina que a diferença não precisa significar inimizade. A natureza humana não foi aniquilada pela divina; ao contrário, foi elevada por ela. Para o ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2026, o projeto de nação que devemos almejar precisa espelhar essa união: precisamos buscar a unidade que respeita a pluralidade. A verdadeira paz social não é a imposição de um pensamento único, mas a capacidade de caminhar juntos, buscando o bem comum acima dos interesses de grupos. Assim como as duas naturezas de Cristo operam para a salvação do mundo, as diferentes forças da nossa sociedade devem operar para a erradicação da fome, da injustiça e do ódio. Neste primeiro de janeiro, celebramos também, por instituição do Papa São Paulo VI, o Dia Mundial da Paz. E como o nosso Rio de Janeiro anseia por essa paz! A nossa cidade vive a sua própria dualidade dramática. De um lado, a beleza estonteante que reflete a glória do Criador; de outro, a tristeza da violência que mancha nossas ruas de sangue. Vemos comunidades inteiras reféns do medo, famílias enlutadas por balas perdidas e uma juventude muitas vezes sem perspectiva. A liturgia nos oferece, na primeira leitura, a Bênção Sacerdotal do Livro dos Números: “O Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face...” (Nm 6, 24-25). Eu invoco esta bênção sobre cada pessoa, morro, cada favela, cada bairro e cada condomínio do Rio de Janeiro. Precisamos entender que a paz não é apenas ausência de guerra, mas a presença da justiça e do respeito à dignidade humana — dignidade esta que Cristo assumiu ao se fazer homem. Cada vez que a vida humana é desrespeitada em nossa cidade, estamos ferindo a própria natureza que Deus quis compartilhar. A “dualidade” de Jesus torna sagrada toda carne humana. Portanto, trabalhar pela paz no Rio de Janeiro é um imperativo de fé, não apenas uma questão de segurança pública. O Evangelho (Lucas 2, 16-21) nos mostra os pastores correndo para encontrar o Menino, e nos diz que “Maria guardava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração”. Em um mundo de ruídos, de gritos nas redes sociais e de pressa desenfreada, Maria nos ensina a pedagogia do silêncio e da contemplação. Para construir um 2026 diferente, precisamos “guardar no coração” a presença de Deus. É do coração pacificado que nascem as atitudes de paz. É da contemplação do mistério de Deus feito homem que nasce o respeito pelo irmão. Que neste novo ano, a intercessão da Mãe de Deus nos ajude a costurar as divisões do nosso país e a curar as feridas da nossa cidade. Que possamos olhar para o outro e ver não um inimigo, mas um irmão que partilha da mesma humanidade que Cristo assumiu. Desejo que a bênção de Aarão desça sobre vossas famílias: que o Senhor volte para vós o seu rosto e vos dê a paz. Um santo, próspero e abençoado 2026 a todos! Que Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Rainha e Padroeira do Brasil, abençoe a todo o povo brasileiro! Que possamos construir pontes de tolerância, paz, concórdia e misericórdia!