Deus se fez homem, o humano tem jeito! A Luz venceu as trevas daquela noite em Belém, ela pode vencer as sombras que pairam sobre nossa sociedade!
Cardeal Orani João Tempesta, O. Cist. - Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ Ao nos aproximarmos mais uma vez do presépio, somos convidados pela Santa Mãe Igreja a contemplar não apenas uma cena bucólica ou sentimental, mas o maior mistério da nossa fé, o centro gravitacional da história humana: a Encarnação. O ciclo do Natal não é um mero aniversário, mas a celebração de um evento onde o Eterno irrompe no tempo, e o Infinito se faz pequeno. Neste tempo santo, a Liturgia nos conduz por um caminho de “admirável intercâmbio”. Nas leituras que ouvimos, especialmente na Missa do Dia, o Prólogo de São João nos apresenta a chave de leitura para compreender quem é este Menino: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14). Aqui reside o que a teologia chama de união hipostática, a perfeita “dualidade” de Cristo, que é, a um só tempo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. É fundamental recuperarmos essa verdade teológica para não esvaziarmos o Natal. Jesus traz em si a plenitude da divindade e a totalidade da humanidade. Como nos ensina o Concílio de Calcedônia, essas duas naturezas não se confundem, mas também não se separam. Olhando para o Menino na manjedoura, vemos a fragilidade humana: o frio, a necessidade do leite materno, o choro, a dependência absoluta de Maria e José. Ali está a natureza humana em sua forma mais crua e vulnerável. Deus quis ter mãos humanas para trabalhar, pés humanos para caminhar pelas estradas poeirentas da Galileia e um coração humano para amar, sofrer e se compadecer. Contudo, a fé nos diz que este mesmo bebê é o Logos, a Palavra criadora. Na liturgia da Noite Santa, o profeta Isaías nos recordava: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz” (Is 9, 1). Essa luz não é metafórica; é a presença substancial de Deus. Ao assumir a nossa carne, Cristo não deixou de ser Deus. Ele desceu para que pudéssemos subir. Essa é a dualidade salvífica: Ele assume a nossa morte para nos dar a Sua vida. E o que este mistério diz hoje à nossa amada cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro e ao nosso Brasil? Tal como na dualidade de Cristo, vivemos em uma cidade de contrastes profundos. O Rio de Janeiro é a “Cidade Maravilhosa” por sua geografia abençoada, onde a natureza canta a glória do Criador, mas é também uma cidade ferida. O Cristo que nasce “fora da cidade”, na periferia de Belém, porque “não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2, 7), encontra eco nas nossas comunidades, nos nossos morros e nas nossas periferias existenciais. Deus escolheu entrar no mundo não por um palácio romano, mas pela pobreza de um estábulo. Isso santifica cada beco, cada viela, cada lar humilde e cada pessoa necessitada de vida do nosso Rio de Janeiro. A natureza humana de Jesus nos lembra que cada vida caída nas ruas da nossa cidade — seja pela violência urbana que nos assola, pela desigualdade que fere, ou pelo abandono social — é uma vida sagrada. Quando olhamos para a violência que ceifa jovens, para as balas perdidas que interrompem sonhos, ou para a corrupção que desvia recursos dos serviços públicos essenciais, estamos ferindo a “carne” que o próprio Deus escolheu habitar. Celebrar o Natal no Rio de Janeiro exige de nós a coragem de ser promotores da paz. O título messiânico de “Príncipe da Paz” não é um adorno; é um programa de vida. A paz que o anjo anuncia aos pastores — “Paz na terra aos homens por Ele amados” — não é a paz da ausência de conflito imposta pela força, mas a paz fruto da justiça, da solidariedade e do reconhecimento de que somos todos irmãos. Olhando para o cenário nacional, o Brasil também clama por esta reconciliação que o Natal propõe. Vivemos tempos de polarizações, onde o diálogo muitas vezes cede lugar à ofensa. A dualidade de Jesus nos ensina a harmonia: o divino e o humano coexistem sem se anular. Da mesma forma, precisamos aprender a conviver na diferença, buscando o bem comum acima dos interesses particulares. O Natal é a festa da unidade, o presépio une pastores (os pobres e marginalizados) e magos (os sábios e estrangeiros) ao redor da mesma Verdade. Que neste final de ano, ao contemplarmos o Menino Deus, possamos renovar a nossa esperança. Não uma esperança ingênua, de que os problemas se resolverão magicamente na virada do calendário, mas a esperança teologal, baseada na certeza de que Deus está conosco (Emanuel). Deus se fez homem, o humano tem jeito! A Luz venceu as trevas daquela noite em Belém, ela pode vencer as sombras que pairam sobre nossa sociedade! Convido cada carioca e cada brasileiro a fazer do seu coração uma nova manjedoura. Que possamos acolher o divino em nossas vidas através dos sacramentos e da oração, e acolher o humano através da caridade e do serviço ao próximo. Que a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, com a qual iniciaremos o novo ano civil, nos proteja e nos guie. Ela, que segurou em seus braços a união do Céu e da Terra, nos ensine a segurar a mão do nosso irmão, construindo um 2026 de mais justiça, paz e fraternidade. Um santo e abençoado Natal a todos! Sejamos sempre peregrinos de esperança testemunho o Príncipe da Paz que veio estabelecer a civilização do amor, vencendo todas as guerras e polarizações!