A voz de Joy Reyes, ativista pela justiça climática e sobrevivente do supertufão Ulysses nas Filipinas, ecoou pela Sala 5 da Zona Azul em Belém no dia 11 de novembro. Discussão organizada pela Cáritas Internationalis na COP30, em que depoimentos da Ásia e da América Latina deixaram uma mensagem clara: os Estados devem parar de tratar o financiamento climático como caridade e começar a tratá-lo como justiça.
Silvonei José – Belém A voz de Joy Reyes, das Filipinas, foi ouvida na COP30 em Belém. Suas palavras deram o tom para o encontro organizado pela Cáritas Internationalis na COP30, em Belém, no qual depoimentos da Ásia e da América Latina deixaram uma mensagem clara: os Estados devem parar de tratar o financiamento climático como caridade e começar a tratá-lo como justiça. “Eu adorava o som da chuva. Agora, cada gota me dá medo”, disse ela. Joy Reyes, é ativista pela justiça climática e sobrevivente do supertufão Ulysses nas Filipinas. O evento que teve o nome sugestivo, “O imperativo moral do financiamento climático: abordando a dívida ecológica em um ano jubilar”, foi coorganizado com a CAFOD, a Catholic Relief Services (CRS), o Grupo de Trabalho sobre Dívida e Clima e a Living Laudato Si’ Philippines. O secretário-geral da Caritas Internationalis e moderador do painel, Alistair Dutton, destacou a urgência desde o início: “estamos na terra da Amazônia, o pulmão da Terra. Os benefícios do desenvolvimento têm sido desfrutados por alguns; a conta tem recaído sobre outros. A justiça exige que aqueles que mais poluíram paguem mais”. O testemunho de Reyes fundamentou essas palavras na experiência vivida. Ela relembrou a noite em que os ventos do furacão Ulysses devastaram sua cidade natal, forçando sua família a fugir das águas crescentes. “Eu adorava o som da chuva. Agora, cada gota traz medo”. Vozes de sobreviventes das mudanças climáticas A voz de Reyes tremeu levemente quando ela disse: “resiliência não é justiça. Não queremos ser resilientes. Não estamos implorando por misericórdia. Estamos exigindo responsabilidade.” Ela transformou o vocabulário árido das finanças climáticas — números e promessas — em uma história humana vívida, descrevendo como carregou seus avós para o andar superior enquanto as águas da enchente invadiam sua casa. Dom Pablo Virgilio David, presidente da Conferência Episcopal Católica das Filipinas, falou sobre os efeitos devastadores dos ciclones e tufões recorrentes que assolam seu país. “Um motor rotativo de calor oceânico cobrindo centenas de quilômetros, capaz de apagar litorais inteiros da noite para o dia”, disse ele. “Para aqueles que ainda negam os efeitos das mudanças climáticas, convido-os gentilmente a viver conosco por um ano no país mais propenso a desastres do mundo.” Ele pediu uma mudança nas restituições dos empréstimos, observando o desequilíbrio sombrio em 2022, quando os países em desenvolvimento pagaram US$ 59 bilhões em dívidas, enquanto receberam apenas US$ 28 bilhões em financiamento climático privado, a maior parte na forma de empréstimos. Da América Latina, Carola Micaela Mejía, economista boliviana e coordenadora de Justiça Climática da LATINDADD, enquadrou a questão em termos políticos e estruturais. “A dívida é um instrumento neocolonial”, disse ela. “Ela mantém as nações dependentes, mesmo quando elas enfrentam a linha de frente da destruição climática.” Mejía citou dados que mostram que a América Latina gasta três vezes mais com o serviço da dívida do que com saúde e educação, e que países como a Colômbia alocam mais de 20% de seus orçamentos públicos para o pagamento da dívida e menos de 1% para ações climáticas. Ela pediu uma estrutura da ONU para a resolução da dívida soberana, argumentando que “o poder de decidir não deve permanecer com aqueles que ajudaram a criar a crise”. A reivindicação moral que permeou o evento foi clara e simples: aqueles que mais poluíram devem reparar mais. O bispo David descreveu uma proposta pastoral de Mindanao, uma “Tarifa da Terra”, que exige que os extratores de combustíveis fósseis façam contribuições obrigatórias no ponto de extração. “Não é uma compensação ou uma brecha”, disse ele, “mas uma obrigação restaurativa”. Reyes voltou a destacar a inadequação dos esforços atuais. “O financiamento para perdas e danos é de apenas 700 milhões de dólares — uma ninharia para o que é necessário”, disse ela. “Durante catorze anos, nenhum país foi responsabilizado por não cumprir a promessa de 100 bilhões de dólares. Por que as vítimas devem pedir empréstimos para reconstruir o que outros destruíram?” Lucas D’Ávila, coordenador nacional de Meio Ambiente, Risco e Gestão de Emergências da Caritas Brasil, compartilhou evidências de um estudo inter-regional de quatorze territórios. “Pobreza e vulnerabilidade climática são dois lados da mesma moeda”, disse ele. “No Brasil, 80% das famílias estão endividadas e os gastos sociais são reduzidos pelos pagamentos de juros. No entanto, as comunidades não são passivas.” Ele descreveu grupos financeiros solidários, casas de sementes e bancos comunitários que apoiam milhares de pessoas em toda a região. “Cada braço do rio tem sua própria realidade. Cada comunidade tem sua própria maneira de pensar e agir. A consulta é necessária.” O envolvimento da Escócia nos programas de perdas e danos Gillian Martin MSP, secretária de gabinete para Ação Climática e Energia, destacou a liderança da Escócia na promoção da justiça climática real, além das promessas. Ela observou que o primeiro-ministro John Swinney instou os ministros a se envolverem diretamente com as comunidades da África Oriental que se beneficiam dos programas de justiça climática e perdas e danos da Escócia, após sua visita à Zâmbia e ao Malaui. Martin enfatizou que a Escócia trata o financiamento climático como um investimento em vidas, não como um gesto de caridade, e exortou as economias maiores a passarem da promessa à prática, confiando nas comunidades locais para projetar e impulsionar seus próprios futuros resilientes. Concluindo a discussão, os palestrantes alertaram contra “soluções falsas”, como trocas de dívidas que permitem que os negócios continuem como de costume, ao mesmo tempo em que oferecem a ilusão de progresso. Mejía enfatizou que menos de 10% do financiamento para adaptação chega às ações locais e menos de 1% vai diretamente para as comunidades indígenas. Todos concordaram que, se as comunidades locais e indígenas fizessem parte do processo de tomada de decisão, isso não aconteceria. Representantes de muitas organizações membros da Cáritas que participaram do evento renovaram seu compromisso de continuar lutando pela justiça da dívida e pelo financiamento climático reparador. Fonte: Susan Dabbous, Diretora Editorial e de Mídia da Cáritas Internationalis Fotos de Marcus Neto, Coordenador de Comunicação da Cáritas América Latina y el Caribe