Dom Geraldo Maia: Niceia - Vatican News via Acervo Católico

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Dom Geraldo Maia: Niceia - Vatican News via Acervo Católico
Fonte: VATICANO

Niceia não é um mero evento do passado. Os concílios não são simples pontos de chegada, mas pontos de partida da fé cristã sustentada sempre pelo Evangelho, com consequências para o mundo contemporâneo.

Dom Geraldo dos Reis Maia - Bispo de Araçuaí Neste ano, nosso olhar se volta para dois importantes concílios: o primeiro e o último da história do cristianismo, reconhecidos como Concílios Ecumênicos. Comemoramos 1.700 anos do Concílio de Niceia (325) e 60 anos do Concílio Vaticano II (1962-1965). O primeiro define a identidade do Filho de Deus que entrou na História para a salvação da humanidade. O segundo atualiza o sentido da salvação diante dos desafios do mundo contemporâneo. Os dois concílios têm uma importância extraordinária para a vivência de nossa fé no seguimento de Jesus Cristo. Apenas 12 anos após o Edito de Milão (313), muitos bispos chegavam a Niceia, cidade próxima a Constantinopla (hoje correspondente ao território da Turquia), ostentando feridas das perseguições deflagradas pelo Império Romano, e todos portavam consigo as marcas da divisão da Igreja. Para salvaguardar a transcendência divina, Ario, presbítero de Alexandria, sustentava que o Verbo não era da mesma substância de Deus, ainda que muito semelhante, mas não igual a Deus, e houve um tempo em que ele não existia. O Papa Leão XIV, em recente Carta Apostólica nos adverte: “O motivo da disputa, na verdade, não era um detalhe secundário. Tratava-se do cerne da fé cristã, ou seja, da resposta à pergunta decisiva que Jesus fez aos discípulos em Cesareia de Filipe: ‘Quem dizeis que eu sou?’ (Mt 16, 15) (In unitate fidei, 3). A heresia iniciada em Alexandria espalhou-se por todo o mundo cristão naquele início do IV século. Foi necessário reunir os bispos para tratar a questão, assim como os apóstolos se reuniram para tratar das condições para o seguimento de Jesus, cerca de três séculos antes de Niceia (cf. At 15,1-35). Falou-se em 318 bispos reunidos no Primeiro Concílio Ecumênico, referindo-se a um número simbólico relacionado ao número dos servos de Abraão (cf. Gn 14,14). Seja como for, houve a presença de muitos bispos em Niceia, reconhecido como o maior acontecimento cristão visto até então. Os Padres de Niceia identificaram o Filho com a mesma divindade do Pai, com o termo grego homoúsion (traduzido para o latim como “unius substantiae cum Patre” – consubstancial, mesma substância). Este Filho que existiu desde a eternidade, pois não foi feito, mas gerado, entrou na história da humanidade, padeceu e ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus, com a esperança de vir julgar os vivos e os mortos. Interessante observar que o esquema filosófico engessado de Ario repugnava o movimento em Deus, que implicaria, dentro de uma lógica interna, imperfeição na divindade. Era justamente para salvaguardar a transcendência divina que Ario rechaçava a possibilidade da entrada do divino na imanência da história. A fé de Niceia superava, assim, esquemas filosóficos, procurando embasar-se na Revelação do Deus que entra na História. Niceia nos apresenta acenos suficientes para descrever a antropologia assumida pelo Filho de Deus a partir de verbos do movimento quenótico do daquele que foi gerado pelo Pai, à luz de Efésios 2,5-11, sempre “por causa de nós homens e da nossa salvação”. O primeiro movimento é de descida e de encarnação. Niceia afirmou que o Verbo se “em-humanou”, assumiu a condição humana, entrou na História, “armou a sua tenda entre nós” (Jo 1,14). Ainda mais, viveu em sua carne alegrias e esperanças: “padeceu, e ressuscitou ao terceiro dia”. Mesmo tendo passado pelo sofrimento e morte, não ficou entregue à corrupção da carne. Com sua morte, ele atingiu um novo estágio da humanidade: a ressurreição. Levou nossa humanidade para junto da divindade: “subiu aos céus”. Por fim, Niceia abre o horizonte de esperança para a humanidade, afirmando que Ele virá para “julgar os vivos e os mortos”. Assim, o Verbo encarnado possibilitará a todo ser humano entrar na plena comunhão com Deus. Aqui encontramos elementos importantes para desenvolver a relação da salvação humana à luz do mistério pascal de Jesus Cristo, conforme a definição nicena. É a Comissão Teológica Internacional que nos ajuda na sua compreensão: “A plenitude do ato redentor de Cristo só se manifesta plenamente na sua ressurreição, que é a realização da salvação, na qual se confirmam todos os aspectos da nova criação. A ressurreição testemunha a plena divindade de Cristo, a única capaz de atravessar e vencer a morte, mas também a sua humanidade, pois é a mesma humanidade, numericamente idêntica à da sua vida terrena, que é transfigurada e glorificada. Não se trata de um símbolo ou de uma metáfora: Cristo ressuscita na sua humanidade e no seu corpo. A ressurreição transcende a história, mas realiza-se no coração da história dos homens e deste homem Jesus” (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador, 28). Niceia não é um mero evento do passado. Os concílios não são simples pontos de chegada, mas pontos de partida da fé cristã sustentada sempre pelo Evangelho, com consequências para o mundo contemporâneo. Leão XIV assim atualiza a expressão de fé do Primeiro Concílio Ecumênico, que garante a unidade da Igreja de Jesus Cristo: “a fé nos dá esperança nos tempos difíceis que vivemos, em meio a muitas preocupações e medos, ameaças de guerra e violência, desastres naturais, graves injustiças e desequilíbrios, fome e miséria sofridas por milhões de nossos irmãos e irmãs” (In unitate fidei, 2). E continua o Papa, expressando as consequências da nossa fé: “No seguimento de Jesus, a ascensão a Deus passa pelo abaixamento e pela dedicação aos irmãos e irmãs, sobretudo aos últimos, aos mais pobres, abandonados e marginalizados. O que fizemos ao menor destes, fizemos a Cristo (cf. Mt 25, 31-46). Perante as catástrofes, as guerras e a miséria, só podemos testemunhar a misericórdia de Deus às pessoas que duvidam d’Ele, quando elas experimentam a sua misericórdia através de nós” (In unitate fidei, 11).

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