Os dois gigantes do continente asiático sempre estiveram próximos, mas nunca se comunicaram com tanta intensidade e cordialidade como nos últimos tempos. A posição chinesa continua a se fortalecer, apesar de toda a desconfiança em torno dos projetos russos. O cenário de uma "colonização reversa", comparado aos tempos em que Moscou era o "irmão maior".
A guerra na Ucrânia continua, apesar de todas as negociações mais ou menos credíveis que se desenrolam há semanas, mas, como afirma o colunista da Rádio Svoboda, Sergei Medvedev, "já existe um vencedor, ou pelo menos um beneficiário, e esse é a China". A posição de Pequim no cenário global está se fortalecendo, a ponto de parecer um parceiro mais confiável do que os Estados Unidos, e o vínculo "Moscou-Pequim" está crescendo, apesar de toda a desconfiança chinesa em relação aos projetos russos de interligações ferroviárias, rodoviárias e energéticas. O que significa realmente a "guinada para o Oriente" de Vladimir Putin? É um matrimônio por conveniência, uma verdadeira "amizade eterna" ou uma escolha estratégica de longo prazo? A Rússia está se tornando um país asiático, um vassalo da China? É isso que Medvedev discutiu com o sinólogo Alexander Pantsov, professor da Universidade de Ohio, e outro especialista, Alexei Čigadaev, criador do canal do Telegram Kitaiskij Gorodovoj, o "vigia chinês". Os dois gigantes do continente asiático sempre foram próximos, mas nunca se comunicaram de modo tão intenso e amigável intensidade como nos últimos tempos. A Rússia é metade Ásia e metade Europa, com oscilações entre o Oriente e o Ocidente ao longo de sua história, e sem uma verdadeira certeza sobre o conceito da "própria terra", com pequenas comunidades espalhadas por um vasto território. A China deve sua identidade em parte à dominação mongol, como a Rússia, mas sempre esteve nas mãos de grandes clãs, diferentemente dos russos, como explica Pantsov. A mentalidade dos dois povos tem um comportamente variável na relação entre o indivíduo e a comunidade, com uma prevalência do coletivismo, da "sociedade" em relação ao "Estado", o que muitas vezes os fez sentirem-se muito próximos e bastante resistentes aos conceitos de democracia e liberalismo. A natureza "asiática" da Rússia, contudo, segundo os especialistas, aproximou-se daquela europeia com a adoção do cristianismo ortodoxo, permanecendo o único reino ortodoxo na Europa após a queda de Constantinopla em mãos otomanas em 1453. A atual transformação da Rússia, de acordo com Pantsov, é "um retorno à sua natureza asiática mais autêntica", embora muito ainda permaceça do período soviético, que havia novamente "coletivizado" a consciência dos russos, e Putin aparece principalmente como um herdeiro da ideologia totalitária. No período do imperialismo czarista, recorda Čigadaev, "a China olhava para os russos de forma não diferente dos britânicos", embora depoius os americanos fossem mais bem recebidos do que os japoneses, sob os quais sofreram a dominação por muito tempo, não obstante os chineses considerarem o Japão um derivado da tradição e cultura da China. A herança colonial do século XIX é recordada na China como "o século da vergonha", sobretudo com um forte ressentimento em relação aos russos, que se apossaram de milhões de quilômetros quadrados de território dos chineses. Durante a época soviética, os russos reprresentavam o "irmão maior", como ficou evidente na relação entre Stalin e Mao Tsé-Tung. E agora a relação fraterna está se invertendo, com a Rússia que parece inexoravelmente inferior à China, e não se sabe por quanto tempo Putin tolerará ser ofuscado por Xi Jinping. Pequim faz negócios com todos, tanto com Moscou quanto com Kiev, comprando petróleo de um e grãos do outro, sem dar descontos a ninguém, mas exigindo descontos de todos. Como observa Čigadaev, "90% dos drones ucranianos, que destroem a infraestrutura russa, são fabricados na China, importados por meio de países terceiros". A China não investe na Rússia, exceto em projetos que lhe interessam diretamente, enquanto se empenha em transformar toda a Ásia Central em seu corredor de transporte comercial preferido. Além disso, os próprios russos recebem com desconfiança as intervenções chinesas em seu país, senão com hostilidade declarada, temendo a "colonização reversa", especialmente no Extremo Oriente e na Sibéria, e defendendo com orgulho, ainda que de forma ineficaz, a própria "soberania tecnológica", ironicamente definida por muitos como "tecnonacionalismo". Enquanto a Rússia busca impor seu modelo de autocracia imperial ao mundo inteiro, a China permanece compacta em seu sistema único e inimitável, com uma população dez vezes mais numerosa em comparação com os russos, pelos quais, portanto, nutre pouco interesse. *AsiaNews