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Testando nossa fé
Abraão estava firmemente convencido de que Aquele que lhe disse: «Uma posteridade com teu nome te será dada em Isaac» não estava mentindo.
Santo Efrém o Sírio
Já mencionamos a história de como Abraão recebeu a ordem de sacrificar Isaac, seu único filho – e de como estava disposto a fazê-lo. Foi um teste da sua fé, o livro de Gênesis nos diz. E foi um teste da sua esperança, um teste em que ele passou. São Paulo refletiu sobre Abraão: Esperando, contra toda a esperança se tornou pai de muitas nações (Rom 4,18). E isso aconteceria apesar de não ter filhos, da sua idade avançada, apesar de todos os fatos do mundo.
Isaac foi uma impossibilidade, um milagre, para começar. Foi o sonho mais impossível de Abraão que se tornou realidade. Era disso que Deus estava pedindo para ele desistir. Qualquer criança é um milagre especial, mas essa não era qualquer criança. Isaac foi uma realização milagrosa e impossível de todas as promessas de Deus.
Ainda assim, Abraão tinha fé em Deus. Ele podia não entender, podia não gostar, mas sabia que o caminho de Deus era o caminho certo.
No dia seguinte, pela manhã, Abraão selou o seu jumento. Tomou consigo dois servos e Isaac, seu filho, e, tendo cortado a lenha para o holocausto, partiu para o lugar que Deus lhe tinha indicado.
Ao terceiro dia, levantando os olhos, viu o lugar de longe.
«Ficai aqui com o jumento, disse ele aos seus servos; eu e o menino vamos até lá mais adiante para adorar, e depois voltaremos a vós».
Abraão tomou a lenha do holocausto e a pôs aos ombros de seu filho Isaac, levando ele mesmo nas mãos o fogo e a faca. E, os dois iam caminhando juntos.
(Gen 22,3-6)
Perceba, aliás, que Isaac está carregando a lenha para seu próprio sacrifício. Ele não é mais um menininho: nesse momento, é um jovem forte. Nós tendemos a esquecer, mas antigos mestres judeus e os primeiros autores cristãos eram muito conscientes disso: o sacrifício de Isaac não foi simplesmente uma questão de Abraão amarrar seu filho contra sua vontade. Isaac, o jovem forte, participou completa e voluntariamente: se tivesse tentado fugir, certamente poderia ter dominado seu velho pai.
E Isaac disse ao seu pai:
«Meu pai!»
«Que há, meu filho?»
Isaac continuou: «Temos aqui o fogo e a lenha, mas onde está a ovelha para o holocausto?»
«Deus», respondeu-lhe Abraão, «providenciará ele mesmo uma ovelha para o holocausto, meu filho».
E ambos, juntos, continuaram o seu caminho.
(Gen 22,7-8)
Temos que parar aqui e admirar como o mestre artesão que nos deu essa história simultaneamente cria o suspense e pinta o estado emocional de Abraão com uma rápida pincelada. Isaac está tentando entender: sabe que vão fazer um sacrifício, mas não vê o animal. Ele pode começar a suspeitar da verdade. Mas mesmo assim, ainda tem fé em Deus e em seu pai Abraão.
Quando chegaram ao lugar indicado por Deus, Abraão edificou um altar; colocou nele a lenha, e amarrou Isaac, seu filho, e o pôs sobre o altar em cima da lenha. Depois, estendendo a mão, tomou a faca para imolar seu filho.
O anjo do Senhor, porém, gritou-lhe do céu: «Abraão! Abraão!»
«Eis-me aqui!»
«Não estendas a tua mão contra o menino, e não lhe faças nada. Agora eu sei que temes a Deus, pois não me recusaste teu próprio filho, teu filho único».
Abraão, levantando os olhos, viu atrás dele um cordeiro preso pelos chifres entre os espinhos; e, tomando-o, ofereceu-o em holocausto em lugar de seu filho.
Abraão chamou a este lugar Javé-Yiré, de onde se diz até o dia de hoje: «Sobre o monte de Javé-Yiré».
Então nossa história tem um final feliz. Para todas as pessoas com fé em Deus, a história tem sempre um final feliz. Só que nós não necessariamente chegamos a ele deste lado da sepultura, como Abraão fez.
Seria simples dizer que a nossa fé nunca vai ser testada como a de Abraão. Seria simples, e seria errado.
A perda é inevitável
É certo que cada um de nós vai precisar desistir de algo que simplesmente não nos imaginamos desistindo.
Cada um de nós vai precisar desistir de algo que simplesmente não nos imaginamos desistindo.
Mãe, pai, esposa, marido, filho: quem dentre nós iria querer desistir de qualquer um deles?
E, todavia, Deus vai exigir isso de nós, assim como fez com Abraão. Cedo ou tarde, vamos ter que desistir de alguém que amamos. No fim da nossa vida terrena, teremos que nos separar de cada um deles.
Por quê? Não é que Deus seja cruel ou caprichoso, mas isso é necessário – tanto para quem amamos quanto para nós mesmos.
Sabemos que o paraíso é o nosso destino – pelo menos sabemos com o cérebro. Nosso coração nem sempre acompanha nosso cérebro. Mas temos que ter a fé de Abraão, fé em nada menos do que a ressurreição.
Foi pela sua fé que Abraão, submetido à prova, ofereceu Isaac, seu único filho, depois de ter recebido a promessa e ouvido as palavras: «Uma posteridade com teu nome te será dada em Isaac». Estava ciente de que Deus é poderoso até para ressuscitar alguém dentre os mortos. Assim, ele conseguiu que seu filho lhe fosse devolvido.
(Hebr 11,17-19)
Deus tinha prometido a Abraão que Isaac iria cuidar de sua família; agora Deus aparentemente se contradiz. É verdade que Deus não faz promessas que não vá cumprir..., mas Ele faz promessas que não serão verdadeiras deste lado da sepultura.
Deus testa nossa fé da mesma maneira que fez com Abraão.
Agora, quando ouvimos que «Deus testou Abraão», provavelmente começamos a imaginar Deus como um tipo de professor de escola primária. Um dos professores malvados, do tipo que daria uma prova surpresa só porque tinha certeza de que você não estava em dia com a matéria.
Esse não é o tipo de teste que Deus nos dá.
Uma das vantagens que vem com a onisciência é já conhecer o coração de cada ser humano. Deus conhece a fé que temos: não precisa inventar experimentos elaborados para descobrir.
Não recues diante do martelo que te fere.
Não tires o olho do cinzel que te corta e da mão que te molda. O habilidoso e amoroso Arquiteto pode querer fazer de ti uma das Pedras principais da sua obra eterna e das mais belas estátuas do seu reino. Então deixa que Ele aja. Ele te ama. Ele sabe o que está fazendo. Ele tem experiência. Todos os seus golpes são habilidosos, precisos e amorosos. Ele nunca erra, a não ser que tu o faças errar com tua impaciência.
SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT
Mas não conhecemos nossa própria fé. Quando professores humanos dão provas, querem descobrir o que nós sabemos. Deus sabe de tudo, mas nos testa para que possamos descobrir coisas que não sabemos sobre nós mesmos. Os testes nos colocam em confronto com nossa própria fraqueza, e nos dão uma percepção melhor de como precisamos mais da força de Deus.
É por isso que mesmo os tempos ruins são coisas boas.
Na verdade, podemos dizer que especialmente os tempos ruins são coisas boas.
Correção não é castigo
A verdade é que Deus não nos castiga com tempos ruins: Ele nos educa com tempos ruins. Há uma grande diferença.
A maneira como Deus castiga as pessoas é deixá-las terem tudo o que querem (cf. Rom 1, 18-28). Se você vê alguém mau que parece estar tendo sucesso, provavelmente é alguém que está tão afastado de Deus que nada vai conseguir trazê-lo de volta. Não lhe resta alternativa a não ser seguir esse agradável caminho que leva direto para o inferno (cf. Mt 7,13).
Então aí está a sua resposta para por que os maldosos comumente prosperam enquanto os virtuosos sofrem: é porque Deus ama os virtuosos o suficiente para educá-los, sabendo que a correção pode trazê-los de volta para Ele quando se afastam.
A correção pode parecer dura, mas isso por conta da interferência do nosso ponto de vista humano. Como cristãos, temos que nos acostumar a pensar as coisas a longo prazo, que é um ponto de vista cristão.
Se Deus permite que sofras muito, é sinal de que tem grandes planos para ti e que certamente pretende te tornar um santo.
SANTO INÁCIO DE LOYOLA
Se realmente acreditamos no que dizemos acreditar, então a vida que levamos na terra é só uma pequena parte de toda a história. Não importa quão doloroso seja o que nos acontece aqui, precisamos disso para manter o paraíso em mente. Se fizermos isso, vamos perceber que nossos piores pesadelos são só inconveniências temporárias. Até mesmo a morte – até mesmo o pior tipo de morte – não é o fim da história. As coisas que mais tememos estão entre nós e o paraíso, mas sabemos que podemos suportá-las e chegar ao outro lado.
Mas isso não nos faz parar de sofrer. Não faz os tempos difíceis deixarem de ser difíceis. E aqui está um pequeno segredo que talvez você não tenha aprendido na catequese: quando os tempos ficam difíceis, às vezes até os santos reclamam.
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Lembre-se:
Todo amor requer sacrifícios.
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