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O poder aperfeiçoado
Santo Agostinho [...] define a oração como um exercício do desejo. O homem foi criado para uma realidade grande, ou seja, para o próprio Deus, para ser preenchido por Ele. Mas seu coração é demasiado estreito para a grande realidade que lhe está destinada. Tem de ser dilatado. «Assim procede Deus: diferindo a sua promessa, faz aumentar o desejo; e com o desejo, dilata a alma, tornando-a mais apta a receber os seus dons».
Papa Bento XVI, Spe Salvi, n. 33
Sempre que temos problemas, devemos nos lembrar de que Jesus nos ensinou a rezar sem cessar.
Em seguida, ele continuou: Se alguém de vós tiver um amigo e for procurá-lo à meia-noite, e lhe disser: Amigo, empresta-me três pães, pois um amigo meu acaba de chegar à minha casa, de uma viagem e não tenho nada para lhe oferecer, e se ele responder lá de dentro: Não me incomodes; a porta já está fechada, meus filhos e eu estamos deitados; não posso levantar-me para te dar os pães; eu vos digo: no caso de não se levantar para lhe dar os pães por ser seu amigo, certamente por causa da sua importunação se levantará e lhe dará quantos pães necessitar.
(Lc 11,5-8)
É uma imagem muito divertida. Devemos continuar pedindo a Deus, porque uma hora Ele vai nos dar aquilo de que precisamos só para nos fazer ficar quietos.
O negócio aqui, claro, é que Deus nos dá aquilo de que precisamos, não necessariamente aquilo que queremos. Na verdade, as duas coisas às vezes são opostas.
Podemos ver isso mesmo com Jesus, porque até Jesus nem sempre conseguia o que pedia. Lembre-se de como Ele rezou no Jardim de Getsêmani:
Conforme o seu costume, Jesus saiu dali e dirigiu-se para o monte das Oliveiras, seguido dos seus discípulos. Ao chegar àquele lugar, disse-lhes: Orai para que não caiais em tentação. Depois se afastou deles à distância de um tiro de pedra e ajoelhando-se, orava: Pai, se é de teu agrado, afasta de mim este cálice! Não se faça, todavia, a minha vontade, mas sim a tua. Apareceu-lhe então um anjo do Céu para confortá-lo. Ele entrou em agonia e orava ainda com mais insistência, e seu suor tornou-se como gotas de sangue a escorrer pela terra.
Depois de ter rezado, levantou-se, foi ter com os discípulos e achou-os adormecidos de tristeza. Disse-lhes: Por que dormis? Levantai-vos, orai, para não cairdes em tentação.
(Lc 22,39-46)
Não, o cálice não foi afastado dEle. Mas Jesus sabia o suficiente, e tinha fé suficiente, para acrescentar uma última cláusula à sua oração: Não se faça, todavia, a minha vontade, mas sim a tua.
Jesus também tinha presença de espírito para dizer aos discípulos rezarem por aquilo de que realmente precisavam. O que queriam era manter Jesus a salvo das autoridades que o queriam morto; o que precisavam era ser capazes de aguentar as próximas vinte e quatro horas sem o abandonar.
Deus nos ouve?
Sempre que rezamos pela cura, ou para sermos poupados de algum problema, devemos nos lembrar de como Jesus rezou: Não se faça, todavia, a minha vontade, mas sim a tua. Sempre que estamos tentados a reclamar que Deus não atende as nossas orações, devemos nos lembrar da oração de Jesus no Getsêmani. Jesus teve uma resposta, mas a resposta foi não. E era assim que tinha que ser.
Paulo teve a mesma experiência:
Ademais, para que a grandeza das revelações não me levasse ao orgulho, foi-me dado um espinho na carne, um anjo de Satanás para me esbofetear e me livrar do perigo da vaidade. Três vezes roguei ao Senhor que o apartasse de mim. Mas ele me disse: Basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha força. Portanto, prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo.
Eis por que sinto alegria nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições, no profundo desgosto sofrido por amor de Cristo. Porque quando me sinto fraco, então é que sou forte.
(2Cor 12,7-10)
Aqui também, Paulo – o apóstolo que tinha fé suficiente para divulgar a Igreja pelo nordeste do Império Romano, e na própria cidade de Roma – reza por algo específico, e a resposta é não.
Não sabemos de verdade qual era a «aflição» de Paulo. Podia ser qualquer coisa – problemas nas costas, gota, dores de cabeça, talvez até uma tentação constante que ele tivesse que superar. Provavelmente os coríntios sabiam: conheciam Paulo pessoalmente, e poderiam tê-lo ouvido reclamar de alguma coisa. Parece que ele escrevia para eles como se soubessem de que se tratava.
Apesar disso, independentemente do que fosse, o problema incomodava Paulo o suficiente para fazê-lo implorar três vezes para que o Senhor o afastasse dele. Mas o problema continuou.
Não era por sua falta de fé, Paulo diz: era porque Deus tinha um motivo para aquela dor, fosse qual fosse. Paulo acreditava que essa dor corporal, esse lembrete constante da sua mortalidade, era o que o impedia de ficar «eufórico demais». Mantinha seu orgulho no lugar.
Afinal, ele tinha muito do que se orgulhar. Igrejas em quase todas as maiores cidades da Ásia e da Grécia o viam como seu fundador. Ele podia argumentar que tinha feito mais do que Pedro para a difusão da Palavra.
Paulo passou grande parte da sua Segunda Carta aos Coríntios tagarelando sobre suas realizações – não por orgulho, mas porque os coríntios o forçaram. Alguns em Corinto contestavam a autoridade de Paulo como apóstolo; ele precisava mostrar a eles que Cristo realmente tinha lhe dado autoridade.
Não que sejamos capazes por nós mesmos de ter algum pensamento, como de nós mesmos, ele lhes recorda; nossa capacidade vem de Deus (2Cor 3,5).
Então Paulo faz suas mentes se lembrarem do que já sabiam dele: todas as dificuldades que aguentou, todas as coisas que realizou. Paulo tinha muito do que se orgulhar.
Mas esse orgulho teria sido fatal para a sua missão. No momento em que começasse a dar crédito a si mesmo, e não a Deus, teria perdido o foco exclusivo em Cristo que tornou sua missão possível.
Sempre que estivermos tentados a reclamar que Deus não atende nossas orações, devemos lembrar da experiência de Jesus e São Paulo.
Isso, Paulo diz, é o motivo de ele estar «aflito» – esse lembrete constante de que era fraco por si só. Quando orava para que isso saísse dele, a resposta era não. Em vez disso, o Senhor lhe dizia: Basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha força.
Graça sob pressão
As maiores realizações não foram de Paulo. Foram de Cristo.
O Senhor deu a Paulo o poder para fazer todas essas coisas, não apesar de sua fraqueza, mas por causa de sua fraqueza. É por isso que Paulo só «ostentou» sua própria fraqueza:
Porém, temos este tesouro em vasos de barro, para que transpareça claramente que este poder extraordinário provém de Deus e não de nós. Em tudo somos oprimidos, mas não sucumbimos. Vivemos em completa penúria, mas não desesperamos. Somos perseguidos, mas não ficamos desamparados. Somos abatidos, mas não somos destruídos. Trazemos sempre em nosso corpo os traços da morte de Jesus para que também a vida de Jesus se manifeste em nosso corpo. Estando embora vivos, somos a toda hora entregues à morte por causa de Jesus, para que também a vida de Jesus apareça em nossa carne mortal.
(2Cor 4,7-11)
A graça é poder divino, não só um favor não merecido. Deus não tem somente pena de nós; Ele nos fortalece – mas só pela nossa fraqueza e quebrantamento. Só quando deixamos de depender das próprias forças é que descobrimos que a força de Deus sempre esteve conosco.
As pessoas que pensam que estão de pé devem tomar cuidado para não cair. Nosso maior problema não é nossa dor, mas nosso orgulho. Algumas vezes nossa dor nos ajuda a superar nosso orgulho, e então essa dor – mesmo que ainda doa – é uma coisa boa.
Por causa do terno Amor que nosso bom Senhor tem por todos que serão salvos, Ele consola pronta e docemente, garantindo-nos que «É verdade que o pecado é a causa de toda essa dor, mas tudo ficará bem, e tudo ficará bem, e todas as coisas ficarão bem».
SANTA JULIANA DE NORWICH
São Paulo, de fato, chegou até a celebrar seus sofrimentos. Certa vez escreveu:
Não só isso, mas nos gloriamos até das tribulações. Pois sabemos que a tribulação produz a paciência, a paciência prova a fidelidade, e a fidelidade, comprovada, produz a esperança. E a esperança não engana. Porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.
(Rom 5,3-5; grifo nosso).
Devemos esperar que a nossa fé seja testada, assim como a de São Paulo e a de Abraão. Mas sabemos as respostas para esse teste. Se confiarmos na nossa própria força, cairemos. Se confiarmos na força de Deus, nada nos poderá deter.
Isso acontece porque Deus não nos diz apenas para aguentarmos a barra. Deus não vai nos deixar presos em tempos ruins para sempre: Ele nos mostra a rota de fuga.
Como podemos ter certeza? Temos a garantia de Deus Todo-poderoso, a sua promessa. E essa é uma bendita segurança para aqueles que têm fé. Esperança é, de acordo com uma das definições clássicas, a expectativa certa de uma felicidade futura. Como São Paulo diz: Sei em quem pus minha confiança, e estou certo de que é assaz poderoso para guardar meu depósito até aquele dia (2Tim 1,12).
Um dos homens mais inteligentes e santos que já viveram, São Tomás de Aquino, se sentiu confiante o suficiente para apostar sua própria vida. Ele tinha um ótimo motivo, assim como nós, para viver nessa esperança, bendita segurança de salvação: «A esperança não se apoia principalmente na graça já adquirida, mas na divina onipotência e misericórdia [...]. Todos os que têm fé estão certos da onipotência de Deus e da sua misericórdia».
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Lembre-se:
O poder de Deus é mais evidente nos nossos momentos de fraqueza.
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