• Home
    • -
    • Livros
    • -
    • Tempestades e Calmarias: a História de Tiago e João
  • A+
  • A-


Tempestades_epub.html

Capítulo 9

A MORTE E A GLORIFICAÇÃO DO MESSIAS

Durante algum tempo, a igreja de Jerusalém desfrutou de um período de paz, com o crescimento de um número expressivo de discípulos, inclusive de sacerdotes judeus que abraçaram a fé em Jesus (cf. At 6,7). Logo em seguida, porém, uma nova perseguição, por parte das autoridades judaicas, se desencadeou sobre ela. Um discípulo chamado Estêvão, que fazia parte do grupo dos sete servidores, que haviam sido escolhidos para o atendimento às viúvas e aos pobres da comunidade, foi preso e conduzido ao Sinédrio. Estêvão, da mesma forma que Jesus, foi acusado de criticar as instituições e as estruturas sagradas dos judeus. Segundo algumas testemunhas, ele havia dito que Jesus destruiria o Templo e subverteria os costumes que Moisés havia transmitido ao povo (cf. At 6,12-14). Diante disso, as autoridades religiosas de Jerusalém decidiram que Estêvão deveria morrer.

Quando Estêvão foi arrastado para ser apedrejado, Tiago e alguns dos apóstolos acompanharam tudo de longe. Nada puderam fazer por ele, pois seria muito perigoso manifestar qualquer reação. Estêvão expirou, perdoando os seus perseguidores, da mesma maneira que Jesus havia feito. Ao ver aquela cena, Tiago imediatamente recordou-se dos últimos acontecimentos da vida de Jesus.

Era o ano 33 d.C. Naquele ano, Jesus havia escolhido celebrar a Páscoa segundo um calendário antigo, datado de séculos antes, adaptado de um uso egípcio da época de Moisés, e não o calendário oficial vigente.1 De acordo com esse calendário, o dia 14 de nisã, dia em que os judeus deveriam celebrar a Páscoa, Pessach, cairia numa quarta-feira, 1º de abril. De acordo com o calendário oficial, o dia 14 de nisã cairia numa sexta-feira.2

Logo depois da ceia, Jesus e seus discípulos dirigiram-se a um jardim situado no vale do Cedron, ao pé do monte das Oliveiras. Essa propriedade chamava-se Getsêmani, que quer dizer “lagar de azeite” (cf. Mc 14,32 par). Ali ele foi entregue por Judas Iscariotes às autoridades religiosas, e, diante da prisão de Jesus, os discípulos todos fugiram.

Num primeiro momento, eles se reuniram na mesma sala onde haviam celebrado a Páscoa, pois julgavam ser ali um lugar seguro. Pedro, porém, ficou pouco tempo naquele local. Ele, num rompante de coragem que lhe era característico, saiu para se informar sobre o que estava acontecendo com Jesus. Em seguida, João fez a mesma coisa. Tiago, porém, permaneceu junto aos outros discípulos até o dia seguinte. Mas, ao amanhecer, não pôde resistir à inquietação que havia tomado conta dele. Precisava saber o que estava ocorrendo, e, então, ele também saiu à procura de Jesus.

Era uma manhã de quinta-feira. As chuvas de inverno haviam cessado e a primavera começava a despertar aos poucos. Nas colinas da Galileia, as amendoeiras cobriam-se de flores e as figueiras e romãzeiras estavam carregadas de brotos. O clima era agradável e o dia apresentava-se ensolarado. Jerusalém formigava de peregrinos que haviam acorrido para a festa da Páscoa.3 Havia agitação e burburinho em toda parte. Nas ruas estreitas da cidade alternavam-se oficinas, tendas e negócios de todo tipo. Os vendedores aos gritos ofereciam suas mercadorias: tecidos, sandálias, túnicas, perfumes, pequenas joias e lembranças do lugar santo. Junto às portas da cidade alguns comerciantes haviam armado suas barracas de cereais, frutas e produtos do campo. Para Tiago, não era fácil mover-se no meio de tanta gente ocupada em conseguir as provisões necessárias para os dias de festa. Logo, ele dirigiu-se para a cidade alta onde se encontrava a residência do sumo sacerdote Caifás. Porém, quando ali chegou, recebeu a informação de que Jesus havia sido levado para comparecer diante do Sinédrio.

Os dirigentes religiosos de Jerusalém haviam esperado que o dia amanhecesse, para realizar o julgamento de Jesus. À noite, ele tinha sido interrogado informalmente no palácio dos sumos sacerdotes Anás e Caifás (cf. Mc 14,53-65 par). Tiago sabia que as reuniões do Sinédrio estavam proibidas em dias festivos ou preparatórios, e que também não podiam ser celebradas à noite. Os membros do Sinédrio tinham pressa, pois o dia seguinte era a preparação da Páscoa. As reuniões da Corte Suprema dos judeus também não podiam ser realizadas no palácio do sumo sacerdote, e, por isso, conduziram Jesus ao local onde elas costumavam acontecer: na sala das pedras talhadas, um dos cômodos situados no Templo, a sudeste do pátio dos sacerdotes.

Tiago dirigiu-se para lá e permaneceu no pátio dos israelitas, aguardando o término da sessão, para saber o que havia ocorrido. A reunião demorou mais do que o esperado, pois os dirigentes judeus tiveram que seguir todos os procedimentos legais para não serem acusados de arbitrariedade. Tiago lembrava-se de que seu pai lhe contara que, no tempo de Herodes Magno, um salteador famoso chamado Ezequias tinha sido condenado à morte sem ter sido sentenciado pelo Sinédrio. Esse fato gerou protesto na Galileia, mas principalmente em Jerusalém. Não só o povo, mas também os fariseus mais notáveis e outros membros da Corte Suprema pediram ao rei e sumo sacerdote, Hircano, que Herodes fosse julgado pelo Sinédrio por ter transgredido a Lei. Diziam ao sumo sacerdote que Herodes havia matado Ezequias e seus salteadores, “violentando nossa lei, que nos proíbe de matar um homem, mesmo que seja mau, se não tiver sido antes sentenciado pelo Sinédrio. Mas ele (Herodes) ousou fazer isso sem a tua autorização” (Antiguidades 14.167).

Quando a sessão terminou, Tiago percebeu que Jesus estava sendo conduzido à residência do governador romano. “Assim, amarrando-o, levaram-no e entregaram-no a Pilatos, o governador” (Mt 27,2). Isso significava que Jesus tinha sido condenado à morte, pois, naquele tempo, os romanos haviam subtraído dos judeus a competência (ius gladii) de executar sentenças de morte. Por isso, precisavam recorrer ao governador romano para obter a confirmação e a execução da sentença por eles pronunciada.

Enquanto caminhava para a residência de Pilatos, Tiago procurou encontrar-se com um discípulo de Jesus chamado José de Arimateia, que era membro do Sinédrio, para informar-se com ele sobre o que havia acontecido. José de Arimateia era um euschémon (Mc 15,43), isto é, um rico proprietário de imóveis. Possuía, ao norte de Jerusalém, um jardim com um túmulo de família recentemente talhado na rocha (cf. Jo 19,41; 20,15). Depois da morte de Jesus, José de Arimateia obteve de Pilatos o corpo dele, e sepultou-o no seu próprio sepulcro novo.

– De acordo com a nossa Lei (cf. Dt 13,1-12) – disse José de Arimateia –, Jesus foi condenado como falso profeta. Os sinais por ele realizados, as curas e os exorcismos, não significam que são operados pelo poder de Deus, pois também os falsos profetas realizam sinais e prodígios, como aconteceu com os magos do faraó do Egito (cf. Ex 7,11). Portanto, para se distinguir entre um verdadeiro e um falso profeta, os milagres que eles realizam não constituem o critério de discernimento mais seguro. O critério mais importante é o conteúdo da sua mensagem profética e a sua coerência com a ação e a Palavra de Deus. A atitude de Jesus em relação ao Templo, poucos dias antes, foi o que decidiu a sua condenação.

– De fato – prosseguiu Tiago –, eu também considerei o gesto de Jesus muito perigoso. Ele entrou no Templo, expulsou os que vendiam e compravam, derrubou as mesas dos cambistas e as barracas dos vendedores de pombas e, além disso, não permitiu que ninguém transportasse objetos pelo Templo (cf. Mc 11,15-19 par). Com esse ato profético, ele não estava pregando a reforma do Templo, mas a sua destruição.4 Para ele, o culto no Templo havia perdido a sua função, pois tinha se corrompido e se tornado um instrumento de exploração e opressão, principalmente para os mais pobres do meio do povo. Jesus anunciava o fim de um sistema injusto e a preparação para o Reino de Deus.

José de Arimateia, então, acrescentou:

– Para a maioria dos membros do Sinédrio, essa ação de Jesus contra o Templo é uma prova de que ele é um falso profeta, pois investiu contra uma instituição sagrada, sinal da eleição de Israel, onde habita o Deus da Aliança. Eu, porém, procurei defendê-lo (cf. Lc 23,51), juntamente com outros membros do Conselho, mas a grande maioria foi a favor da sua condenação. Acredito que Jesus é inocente e foi condenado injustamente, pois o mesmo aconteceu com o profeta Jeremias. Ele foi condenado por proferir um oráculo contra o Templo, e, no entanto, estava obedecendo a uma ordem de Deus (cf. Jr 26,1-19).

Tiago, contudo, acreditava que o motivo da condenação de Jesus não era apenas religioso, mas também político. O Templo havia se transformado em fonte de poder e riqueza de uma minoria aristocrática que vivia dos dízimos, taxas e doações provenientes de toda a diáspora judaica, à custa dos setores mais fracos. Essa aristocracia atuava como “instância de poder” com a qual contava o prefeito de Roma para governar a Judeia. Para os membros dessa nobreza sacerdotal, a prática de Jesus constituía uma séria ameaça aos seus privilégios e ao “status quo” (cf. Jo 11,47-48). E isso, eles não podiam tolerar.

Logo Jesus e os que o conduziam chegaram diante do pretório, residência do governador romano, situada no palácio-fortaleza construído por Herodes Magno.5 Foram recebidos por Pilatos do lado de fora, pois não podiam entrar na casa de um pagão; do contrário se tornariam impuros e não poderiam celebrar a Páscoa (cf. Jo 18,28). Pilatos residia em Cesareia, a uns 100 km de Jerusalém; mas, durante as festas judaicas mais importantes, subia à frente de suas tropas auxiliares à cidade santa, para controlar a situação.

As autoridades judaicas apresentaram Jesus ao prefeito romano, acusando-o da pretensão de apresentar-se como “rei dos judeus”. Além disso, segundo elas, Jesus sublevava o povo com seus ensinamentos e proibia pagar tributos a César (cf. Lc 23,2). Pilatos já tinha sido informado sobre a atividade de Jesus em Jerusalém nos últimos dias. Ele sabia que Jesus havia entrado na cidade montado num jumento, e sido aclamado por uma multidão de peregrinos como pretendente messiânico. Ele sabia, também, que esse ato público havia sido pacífico. Jesus não pregava a violência contra Roma, nem era o organizador de um levante contra o Império, mas a sua popularidade constituía um perigo em potencial. O melhor seria cortar o mal pela raiz. Para Pilatos, não era necessário perseguir os discípulos de Jesus. Acreditava que bastava eliminar o líder para que seus seguidores se dispersassem. Pilatos, então, acatou as acusações contra Jesus e decidiu que ele seria julgado no dia seguinte bem cedo.6 Enviou-o para a fortaleza Antônia, onde ficaria preso juntamente com outros condenados, que seriam crucificados naquele dia.

Nessa ocasião, Tiago ficou sabendo que Barrabás havia sido preso naquela manhã, com mais dois de seus companheiros, por ter liderado um motim nos átrios do Templo. Durante a revolta, um dos soldados romanos havia sido assassinado (cf. Mc 15,7 par). Imediatamente eles foram conduzidos a Pilatos, que os sentenciou à morte de cruz, segundo a prática da coertio, uma espécie de atuação arbitrária legalizada, que dava ao governador romano poder absoluto para tomar, num determinado momento, todas as medidas que julgasse necessárias para manter a ordem pública, inclusive a execução imediata. Para o julgamento de Jesus, porém, Pilatos recorreu ao outro procedimento vigente naquela época, a cognitio extra ordinem, uma forma ágil de administrar a justiça, na qual não se seguiam os passos exigidos nos processos ordinários. Não havia, por exemplo, uma intervenção da defesa. Bastava ouvir a acusação, interrogar o acusado, avaliar a culpabilidade e ditar a sentença.

No dia seguinte, como era costume acontecer todos os anos, o povo se reuniu diante do pretório para assistir a um julgamento público e pedir a Pilatos a libertação de um preso político. Esse ato se realizava bem cedo, pois, sendo o dia da preparação da Páscoa, as pessoas necessitavam de tempo para se dedicar a seus numerosos afazeres. Pilatos havia estabelecido essa prática depois de ter ficado impressionado com o zelo religioso dos judeus, durante o episódio com os estandartes que ele havia introduzido em Jerusalém. Ele julgava que esse gesto de benevolência servia para acalmar os ânimos, sobretudo, por ocasião de uma festa que recordava a libertação dos judeus da escravidão no Egito. Nesse dia, costumava também realizar a crucificação de alguns condenados. As vítimas permaneciam totalmente nuas, agonizando na cruz, num lugar alto, para serem vistas por todos. Ele tinha a intenção de aterrorizar as centenas de peregrinos judeus que acorriam para a festa, e assim servir de escarmento geral. Para Pilatos, sem esses procedimentos, a Páscoa poderia se converter num acontecimento extremamente perigoso e explosivo.

Ao raiar do dia, Tiago dirigiu-se ao Pretório com a esperança de que a pequena multidão que ali se encontrava, a maioria habitantes de Jerusalém, pedisse a libertação de Jesus. Mas, logo compreendeu que esse fato não se realizaria. As autoridades judaicas tinham se espalhado no meio do povo, procurando convencê-lo a pedir a libertação de Barrabás. Argumentavam que Jesus era um falso profeta, pois havia investido contra o Templo. Não foi difícil convencer aqueles que haviam se reunido na pequena praça situada diante do palácio do governador. Quase toda a cidade vivia da santidade do Templo. Se alguém investisse contra o Templo estaria atacando o fundamento econômico da cidade e de seus habitantes.

Pilatos estava sentado na tribuna (bêma), erguida em frente à pequena praça, da qual ditava suas sentenças. Jesus compareceu diante dele manietado. O governador ouviu as acusações contra ele, e, em seguida, interrogou Jesus. Depois de considerar que Jesus era suficientemente perigoso para ser eliminado, ditou a sentença em latim: íbis ad crucem, isto é, “irás para a cruz”. Terminado o julgamento com a condenação do acusado, Pilatos levantou-se da tribuna e demagogicamente perguntou ao povo quem eles queriam que ele libertasse. O clamor pela libertação de Barrabás foi quase unânime.7 Pilatos, então, mandou libertar Barrabás e flagelar Jesus, antes de enviá-lo para ser crucificado.

Depois da condenação de Jesus, Tiago foi à fortaleza Antônia, pois desejava encontrar-se com Barrabás. Quando Barrabás saiu da prisão, Tiago aproximou-se dele e os dois dirigiram-se ao local onde Jesus iniciava a sua caminhada carregando a cruz, juntamente com outros dois condenados.

– Talvez seja perigoso você permanecer aqui – disse Tiago a Barrabás.

– De modo algum – respondeu Barrabás. Pilatos respeitará a decisão do povo. Eu esperava que eles escolhessem Jesus. No entanto, a manobra da nobreza sacerdotal surtiu efeito, e Jesus irá morrer no meu lugar. Depois, o governador ficou feliz com a escolha do povo. Ele considera Jesus mais perigoso do que eu. Ele conhece o nosso movimento há muitos anos e sabe como lidar com ele. O movimento de Jesus, porém, é mais recente, e os romanos temem qualquer movimento novo que surja no meio do povo.

De repente, Tiago e Barrabás perceberam que uma multidão de peregrinos galileus e moradores das aldeias da Judeia tinham chegado, e acompanhavam Jesus na sua caminhada. Eles batiam no peito e lamentavam pelo que estava acontecendo a Jesus (cf. Lc 23,27.48). Uma espécie de calafrio percorreu o corpo de Barrabás, fazendo-o exclamar:

– Por pouco escapei de ser condenado, no lugar de Jesus. Esses peregrinos que costumam acampar fora dos muros da cidade não tiveram tempo de ser informados sobre a prisão de Jesus e de chegar ao palácio de Pilatos a tempo, para pedir a libertação dele.8 Certamente, se eles tivessem chegado antes, não se deixariam convencer pelas autoridades do Templo. A popularidade de Jesus é muito grande entre os camponeses pobres da Galileia e da Judeia. Felizmente, para mim, os habitantes de Jerusalém tiveram a oportunidade de chegar primeiro e fazer a sua escolha.

Os dois amigos, de longe, acompanharam Jesus até os seus últimos momentos. Barrabás ficou bastante impressionado com a maneira pela qual Jesus enfrentou o sofrimento e a morte. Algumas das palavras de Jesus o tocaram profundamente: “Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34); “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Barrabás se perguntava: “Quem é este homem?”. Certamente não é um agitador político, pois pede perdão para os seus inimigos. E admirado com tudo o que presenciava, se interrogava: “Quem é Jesus e por que chama Deus de Abbá, Pai?”. Tiago também estava igualmente impressionado. Naquele momento, porém, nenhum dos dois tinha uma resposta segura para as suas indagações.

Depois da morte de Jesus, Barrabás partiu para se unir aos seus companheiros salteadores, que se escondiam nas montanhas. Tiago foi juntar-se aos discípulos de Jesus que estavam reunidos, com as portas fechadas por medo dos judeus (cf. Jo 20,19), no andar de cima da mesma casa onde haviam celebrado a Páscoa. Eles estavam esperando expirar o preceito do sábado, que proibia caminhar mais de um quilômetro, para viajar para a Galileia. Teriam partido no primeiro dia da semana bem cedo, se um acontecimento inesperado não tivesse mudado os planos deles.

Era o amanhecer daquele dia, quando Maria Madalena foi procurá-los para anunciar que Jesus havia ressuscitado e se manifestado a ela (cf. Jo 20,11-18). Diante desse fato, eles decidiram permanecer em Jerusalém. Tiago lembrava-se de que tinha havido muita discussão entre eles a respeito da visão que Maria Madalena dizia ter tido. Mas ao entardecer daquele mesmo dia, o próprio Jesus apareceu diante deles desejando-lhes a paz (cf. Jo 20,19-23). Tiago jamais pôde esquecer esse acontecimento. A partir de então, a sua vida adquiriu um novo sentido.

Após a morte de Estêvão, João e os outros discípulos de Jesus foram procurados por José de Arimateia e Nicodemos, que se colocaram à disposição deles, para ajudá-los a fazer o sepultamento (cf. At 8,2). Eles, então, embalsamaram o corpo de Estêvão com mirra e aloés e o envolveram em faixas de linho. Contrataram carpideiras profissionais e flautistas e fizeram grandes lamentações por ele. Nessa ocasião, João recordava-se de que eles haviam feito o mesmo com o corpo de Jesus, após a morte dele (cf. Jo 19,38-42). João tinha estado ao pé da cruz de Jesus, juntamente com Maria, a mãe de Jesus. Jesus entregou a sua mãe a João para que cuidasse dela, e João a levou para sua casa (cf. Jo 20,25-27). Ele recordava-se também de que, no primeiro dia da semana bem cedo, Maria Madalena tinha ido ao encontro dos discípulos, para dizer que havia encontrado o sepulcro de Jesus vazio. Ao ouvir isso, ele e Pedro correram ao local para verificar o que havia acontecido (cf. Jo 20,1-10). Quando João entrou no sepulcro, ele viu as faixas de linho estendidas no chão e o sudário que tinha sido usado para cobrir a cabeça de Jesus.9 João observou que o sudário não estava com as faixas de linho; estava enrolado num lugar à parte. Imediatamente ele percebeu que o sudário estava dobrado da mesma maneira que Jesus costumava fazer, quando dobrava o seu próprio manto. Ao constatar esse fato, ele acreditou na ressurreição de Jesus. João, então, levou o lençol consigo, para entregá-lo à mãe de Jesus.

Quando Maria recebeu o sudário das mãos de João, ambos se alegraram por verem nele um sinal de que Jesus estava vivo. A mãe de Jesus também constatou que ele estava dobrado do mesmo modo que Jesus usava quando dobrava as suas próprias vestes. Ela e João não precisavam ver Jesus, pois acreditavam que ele havia ressuscitado.

Ao entardecer daquele mesmo dia, Jesus apareceu aos discípulos reunidos (cf. Jo 20,19-29). Quando, oito dias depois, ele apareceu novamente aos discípulos e disse a Tomé: “Felizes os que não viram e creram” (Jo 20,8), João regozijou-se ao ouvir essas palavras, pois ele havia acreditado, antes mesmo de ter visto Jesus.



1 Cf. J. Colin HUMPHREYS, O Mistério da Última Ceia, uma viagem histórica aos últimos dias de Jesus, Oficina do Livro, 2012.

2 O uso destes dois calendários na época de Jesus, explica as diferenças entre os evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) e o evangelho de João. Os três primeiros adotam o calendário antigo escolhido por Jesus para celebrar a Páscoa, enquanto João usa o calendário oficial.

3 Em Jerusalém viviam cerca de 25.000 a 55.000 habitantes. Por ocasião da Páscoa, os peregrinos que chegavam à cidade podiam chegar a 200.000.

4 Marcos usa a palavra katastrefô para falar que Jesus “derrubou” as mesas de cambistas e vendedores. O termo evoca a “destruição” catastrófica do Templo, de maneira não real e efetiva, mas simbólica e profética. A ação de Jesus simbolizava a destruição julgadora iminente por Deus, não simplesmente do edifício, mas do sistema do Templo.

5 Este palácio destacava-se sobre os demais edifícios por suas três imensas torres, erguidas para defender a parte alta de Jerusalém.

6 Os relatos dos evangelhos que proclamam de diversas maneiras a inocência de Pilatos não são dignos de crédito. Esse fato deve-se ao fato de que, na ocasião em que os evangelhos foram escritos, os cristãos, que então se espalhavam entre os pagãos, não queriam atrair a hostilidade de Roma apresentando-se como herdeiros de alguém condenado pelas autoridades romanas como perigoso para o Império.

7 Apesar de ter sido Pilatos quem ditou a sentença de morte contra Jesus, havia uma insistência cada vez mais brutal da tradição em culpar o povo judeu pela crucificação do Messias, Filho de Deus. O grito “crucifica-o”, repetido várias vezes, não é senão uma deplorável dramatização maquinada nas comunidades cristãs contra os judeus da Sinagoga, por quem elas se sentiam ameaçadas e perseguidas. Esses relatos, que não correspondem a uma realidade histórica, serviram como arma letal contra o povo judeu, provocando a acusação de “deicídio” e gerando perseguição e preconceito antissemita.

8 Como Jerusalém não comportava o grande afluxo de peregrinos, estes eram obrigados a erguer tendas em torno da cidade. Cada grupo de peregrinos tinha seu lugar de acampamento fixo.

9 O sudário, do latim sudarium, era uma espécie de lençol usado para cobrir a cabeça, inclusive de cadáveres.

Receba a Liturgia Diária no seu WhatsApp


Deixe um Comentário

Comentários


Nenhum comentário ainda.


Acervo Católico

© 2024 - 2025 Acervo Católico. Todos os direitos reservados.

Siga-nos