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I. COM OS PÉS NA TERRA

A santidade da vida cotidiana

 

Madri, junho de 1949. Guadalupe dirige a residência universitária Zurbarán, um dos poucos centros residenciais existentes para as menos de 7 mil universitárias que há em todo o país. A sustentabilidade econômica causa preocupação, num tempo marcado pela escassez de alimentos. Mas Guadalupe vai além das dificuldades e, não só estuda o modo de solucionar o tema econômico como também sonha em ampliar as vagas da residência e formar melhor as universitárias que se alojam em Zurbarán. Esses e outros assuntos, tão humanos, são tema de sua conversa com Deus e continuarão sendo ao longo da sua vida, em qualquer circunstância em que se encontrará. Guadalupe era uma mulher normal, uma santa “que mora na porta ao lado”6, que aprendeu a viver com os pés na terra e o olhar voltado sempre para o Céu, convertendo cada aspecto da vida em matéria da sua santidade.

 

Bilbao, 29 de outubro de 19457

Padre: Gostaria de poder contar alguma coisa boa, mas, como sempre, é tão pouco, que deixarei para o final. O senhor já sabe o trabalho que me custa ter ordem, não só nas minhas coisas pessoais, mas também nas coisas que me encarregam. Como Nisa sabe, quer me ensinar a ter cada coisa em seu lugar e arruma meus armários, etc. Eu tento conservá-los e prestar atenção para não estragar as coisas, mas apesar de tudo, fiz alguns estragos, como manchar um pouco a escrivaninha e quebrar um adorno da cama; além disso, sempre me esqueço de onde coloquei as chaves e com isso faço minhas irmãs8 perderem tempo algumas vezes. Fiz muito dessas coisas, mas não me desanimo e creio que se Deus me ajudar (peça para que Ele o faça), conseguirei me corrigir.

Encaro as coisas que me encarregam com um interesse tão grande (mais do que antes), que temo que entre o amor próprio, porque quando algo não sai bem, me dá muito desgosto. Esses dias, deixei de fazer a leitura9 bastantes vezes, não sei se por falta de tempo realmente, ou se porque me organizo mal. Sinto muito a Deus do meu lado que, sobretudo, me ajuda muito a obedecer tornando fácil e agradável fazer tudo o que me mandam. Na oração, o tempo passa muito depressa para mim e mesmo que na verdade eu diga poucas coisas, não estou distraída e sinto que estou perto d’Ele. Gostaria que Deus estivesse contente e não pensar em outra coisa que não seja n’Ele, mas durante o dia passo muito tempo sem dizer nada a Ele. Será que virá logo morar conosco no Sacrário? Outro dia nos disseram que sim, não pode imaginar o que senti e isso que provavelmente não percebo com toda profundidade que poderia o que significa tê-lo no Sacrário, porque isso nos deixaria loucos. Estou muito contente sempre e cada dia amo mais a Obra.

Bilbao, 11 de novembro de 194610

      Padre: Falo tudo o que me preocupa e fico mais tranquila. (...) Eu passo o dia pedindo pelo que acho que é mais urgente e me dá a sensação de que Deus me ouve. Estou contente e quando parece que tudo se pintou de negro, não me desanimo e, efetivamente, em pouco tempo, vejo as coisas de outra maneira.

Neste ano, todos os dias são diferentes, e de muita importância (...), entre o andamento da casa (com as dificuldades dos comestíveis) e minhas irmãs que ainda não estão totalmente encaixadas, nem acostumadas com a casa. (...) Todas estas pequenas coisas não são nada comparadas com as suas preocupações, e como, apesar de tudo, o senhor está sempre contente e tranquilo, procuro fazer o mesmo para lhe ajudar. Além disso, percebo que a graças a essas cruzes vou tendo mais presença de Deus e a cada dia penso menos em mim. Isso me dá muita alegria. Somente no oratório vejo com muita clareza meus defeitos grandes, grandes, me humilho e já não me preocupo mais. Às vezes, penso que devia sentir mais remorsos, mas não os tenho; nem pensar nas faltas anteriores me dá preocupação.

 

Madri, 7 de junho de 194911

Padre: (...) Até agora estão indo todas muito bem. Tenho certeza de que sairá um grupo muito bom de jovens e no próximo semestre poderemos trabalhar firme com elas. Zurbarán12 ainda está cheio de jovens. Acredito que até dia 20 a maioria ainda não termina. (...)

Padre, eu queria poder me multiplicar e que vocês pudessem estar tranquilos com tudo isso. Peço a Deus e faço o que posso. (...) Também gostaríamos de ampliar um pouco a Residência para o próximo ano acadêmico, se alugarem para nós um andar da casa de Cobián. Seria maravilhoso. Já veremos, porque este ano ainda não nos defendemos economicamente, ainda que agora pedimos um pouco de dinheiro para pessoas que nos querem bem. (...) mas é preciso render ao invés de custar.

Tudo isto que lhe conto preenche minha vida, minha oração e tudo. Além disso, gosto de colocar o coração em todos esses problemas e oferecer a Deus, ao mesmo tempo, coisas muito humanas e outras muito divinas. Afinal, esse é nosso caminho, não é? Os pés na terra mas olhando sempre (cada minutinho) para o Céu, para ver depois mais claramente tudo o que acontece conosco.

 

Camuñas (Toledo), 2 de outubro de 194913

 

      Padre: escrevo da terra de Florentina (em Toledo), onde vim com ela para conseguir azeite e farinha. Veremos se nos dão. Seria maravilhoso para que a média14 seja baixa o ano inteiro. Estamos rezando muito e colocamos humanamente todos os meios. Na oração eu dizia ao Senhor que necessitávamos azeite e caridade entre nós, farinha e mais amor a Deus. Peça o senhor também. (...)

 

México D.F., 18 de dezembro de 195015

Esses dias também estou pensando muito no Papa16; todos os jornais falam da guerra17, do que dizem os grandes políticos do mundo, e eu lembro do Salmo II e rezo por eles. Mas que pena dá que nenhum deles fale do que o Papa diz nesses momentos. Mas ele pode contar conosco aqui (não é?), com o senhor, na retaguarda; por isso, me dá alegria saber que o senhor está em Roma outra vez.

Peça um pouco por mim para que saiba unir o Natal e o carinho a minhas irmãs (que aqui são muito mais sensíveis), à fortaleza e à firmeza. Porque às vezes exagero, num sentido ou em outro, e não queria deixar de ajudá-las tudo o que posso.

México D.F., 15 de março de 195118

(...) Agora, já sabe o que tem que dizer a Deus sobre tudo isso e de mim. Acho que terá um espaço para mim. Porque o senhor sabe muito bem o que encerra esta casa: apostolado com residentes e jovens que vem, formação das nossas, exemplo. Ordem e organização da casa. Problemas econômicos. (...) E tudo isso, conhecendo a mim como me conhece, não é verdade que me “cai” muito bem? Mas não desanimo nem me assusto, só peço uma oração para que nunca, em nada, por pequeno ou grande que seja, deixe de fazer o que Deus quer.

 

México D.F., 3 de julho de 195319

Padre: O Senhor já está em casa desde ontem. O padre Pedro20 veio rezar a Missa e O deixou. Esta noite, a primeira que passou aqui, como era a primeira sexta-feira, tivemos Vigília. Estou muito feliz. Agora tudo vai ser melhor, não acha? (...)

Pessoalmente, estive bastante desordenada nas normas21, mas já com a casa mais organizada, fiz o propósito de que isso não volte a acontecer. (...)

 

México D.F., 24 de abril de 195522

Padre: Estou querendo escrever desde que terminei os exercícios [espirituais]. Foram 10, 11, 12, 13 e 14 de abril em Montefalco. (...) Acho que aproveitei o tempo, fiz uma confissão profunda, do ano, e tirei alguns propósitos que, com a ajuda de Deus e a sua, quero cumprir. Coloquei-me na presença do Senhor tal como me vejo, e tal como vejo que vão as coisas, e pedi a Deus ajuda para encontrar as falhas. Se dissesse que tive consolos espirituais sensíveis, estaria mentindo; mas posso dizer com certeza que sem altos e baixos, quase constantemente encontro a Deus em tudo com muita naturalidade. Acho que sou muito tranquila. Essa segurança de Deus no meu caminho, do meu lado, me dá entusiasmo para tudo, me faz ficarem fáceis as coisas que antes não gostava de fazer, de tal maneira que, sem pensar, as faço.

Padre, tenho uma preocupação: será que estou de verdade caminhando para o Céu? Está tudo muito confortável, pois não tenho problemas pessoais, quase nunca. Sofro só de ver a falta de entrega nas outras, etc.; e até isso sem perder a paz.

O propósito fundamental dos exercícios é deixar que as outras governem. Ir me anulando, pouco a pouco, para que elas vão tendo mais responsabilidade. Já mandei bastante, não acha? (...)

 

Sanatorio de la Concepción (Madri), 25 de julho de 195723

Padre: O pior já passou e, graças a Deus e à ajuda de todos, estou muito bem24. Foi uma semana de muita dor física, mas de muito consolo moral. Senti o carinho, o empurrão e a união com o senhor, com minhas irmãs e com tudo o que é de Casa25 como nunca; e uma vez mais agradeço. Não merecia tanto. Suas letras e as cartas de Encarnita26 e todas foram o melhor.

Procurei me comportar bem e ser valente. A presença de Deus faz maravilhas. Como se percebe! Quero voltar logo e servir.

 

Madri, 4 de junho de 195827

Padre: estava esperando para saber o que os médicos diriam para escrever, mas como estão demorando muito, não vou esperar. Fizeram um estudo a fundo, mas ainda não disseram nada nem do diagnóstico, nem do plano que acham que devo fazer. Estou cada dia melhor e percebo que tenho o coração forte outra vez para continuar trabalhando ativamente, mesmo que, como o senhor sabe, estou disposta, se Deus quer, a trabalhar, como sempre, da forma que seja, onde e como me digam.

Meu irmão Eduardo28 chegará em Madri nestes dias, e ele também vai falar com os médicos. Vem de passagem para Pamplona com grande alegria, assim como Laurita, sua mulher, que é também filha do senhor. Minha mãe está muito contente também por irem a Pamplona. Reze por eles para que sejam eficazes lá e cada dia melhores eles e seus filhos, que são sete.

Estou morando em um apartamento da rua de Velázquez que acaba de ficar pronto para atender de um modo independente o labor de São Gabriel29. Porque Montelar30 já não é suficiente. Como cresce tudo! O padre Álvaro celebrou a primeira Missa e, nesse mesmo dia, já deixou o Senhor no Sacrário; antes pregou a meditação. Falou-nos de Roma e parecia que estávamos ali com o Padre, como na realidade estamos sempre e queremos estar cada vez mais, mesmo que, como agora, estejamos longe.


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