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II. SEMPRE PERTO
Apaixonada por Deus
Como alguém se torna santo? Guadalupe entendeu profundamente que não é ser perfeito, e sim viver apaixonado. E por isso, cada pequena delicadeza de amor era ocasião de diálogo com Jesus Cristo e cada falha, um meio para pedir perdão e uma mostra do enorme carinho com que Deus olha para cada pessoa. São Josemaria dizia que “o santo não é o que não cai, mas o que se levanta sempre”31 e essa convicção fez com que Guadalupe descansasse sempre nas mãos divinas.
Bilbao, 25 de setembro de 194532
Padre: Vou tentar dizer tudo o que sinto estes dias e, como o que sai mal é o que mais me custa, vou dizer primeiro. Outro dia tive uma tentação que me deu muita pena, mesmo que eu não tenha consentido. Pensei: Por que eu não vou ser a dignior33 em vez da Carmen34? Quando percebi, fiquei um pouco triste, mas contei para a Nisa35 e fiquei muito feliz. Peça muito por mim, para que eu seja humilde. Também disse para Nisa na confidência36 que, nos últimos dias, que passei em Madri tive amidalite (isso tem acontecido algumas vezes) e, como percebia que era frequente, não disse nada para que não se preocupasse, mas acho que deveria ter contado. Como quase nunca tenho dor, quase que agradeço a Deus por esse pequeno incômodo, para poder oferecer algo a Ele e acho que, se ninguém fica sabendo, Ele gosta mais, mas se voltar a acontecer, vou contar. Estou muito contente aqui, alguns dias percebo muitíssimo a presença de Deus (não sei como dizer), às vezes, penso que para não me tirar a alegria de poder fazer algum sacrifício, Deus (...) quis me trazer para uma casa nova para que eu a prepare e, muito em breve, Ele poderá vir morar comigo. Apesar de todas essas coisas, muitos dias, durmo durante a oração e geralmente me distraio muito. Procuro obedecer sempre e estar atenta a tudo (às vezes aparece o amor próprio). Para que nada disso tenha mérito, quando algo vai mal, a minha reação é me desculpar, mas, às vezes, me calo. Recebi uma carta da minha mãe; embora, no princípio, tenha tristeza por eu ter ido embora de Madri, está bem conformada. Lembre-se alguma vez dela e de meu irmão que tanto precisa.
Bilbao, 12 de dezembro de 194537
Padre: Hoje é meu onomástico. (...) Sou muito feliz e estou muito contente, o padre Álvaro38 sempre me pergunta se estou contente de verdade e estou mais do que nunca na minha vida. Mesmo que eu veja que faço tudo com muitos defeitos (vaidade e amor próprio, sobretudo) percebo tanto que Deus me ajuda, que tenho certeza de se Ele se empenha, chegarei a agradá-lo de verdade. Hoje rezei muito pelo senhor com toda a minha alma, e depois por mim. Acho que isso não é egoísmo porque se Deus me ajudar a ser melhor (mais mortificada, mais humilde, etc.…) me concederá todas as outras coisas que sabe que quero: vocações, o bom andamento dos problemas da Obra, etc. e as necessidades da minha mãe e dos meus irmãos (principalmente que sejam bons).
(...) Já temos ao Senhor em casa39! Como se nota! Além disso, está tão perto do meu quarto que tenho de pensar n’Ele constantemente. Cada dia, quero demonstrar melhor o que sinto por Ele e como Lhe agradeço o tanto que me ama.
Bilbao, 12 de janeiro de 194640
Padre: Todas as noites quando faço o exame [de consciência] vejo que deixei de fazer algo do plano de vida41, alguns dias não fiz a leitura, outros me falta alguma parte do rosário ou rezei quase sem perceber que rezava, ou fiz menos tempo de oração (...) Agora que estou escrevendo, me dá uma pena muito grande que aconteça isso porque, como o senhor sabe muito bem, isso não é nada mais do que falta de presença de Deus e muita desordem. E apesar de tudo, eu luto e me esforço (garanto) e gostaria que pudessem confiar em mim e que Deus estivesse contente. E até penso, às vezes, que Ele está e me desculpa, porque vejo o quanto me ajuda apesar de tudo.
Não pense que não estou contente, estou e muito. Disfruto com tudo o que tenho que fazer e tento fazer do melhor jeito possível (também tenho muito amor próprio e luto para que não apareça, mas nem sempre consigo). (...)
Agora estou encarregada do oratório, e o senhor não pode imaginar como me deleito. Temos um Menino42 lindo! E me sinto tão perto do Sacrário... Outro dia, quase sem perceber, dei um beijo nele, seria falta de respeito?
Bilbao, 1 de abril de 194643
(...) Padre, tenho pouco para dizer sobre mim, como disse ao padre José María44, a casa e minhas irmãs me preenchem tanto, que nem me lembro das minhas pequenas preocupações.
A oração é um pedir e pensar nos pequenos problemas do dia, tão continuo que às vezes penso que devo entediar o Senhor, mas tenho certeza que Ele compreende. Percebo tanto a ajuda d’Ele! Principalmente na confidência das minhas irmãs e no círculo45, às vezes digo coisas que não sei como me ocorreram. Também disse ao padre José María que para mim é muito difícil buscar mortificações. Antes, na própria refeição eu podia fazê-las; agora não. Tenho um ótimo apetite, mas é totalmente indiferente comer uma coisa ou outra, comer mais ou comer menos, quente ou fria. Não sei como explicar, mas é isso que acontece. Geralmente nada me custa trabalho, Deus continua me tratando a “papinhas”, como o senhor me dizia. Quero agradecer a Ele por isso com toda a minha alma e estou disposta a guardar essas graças de agora como num armazém, caso algum dia queira que tudo me custe muito, poder continuar tão contente como até agora. (...)
Bilbao, abril de 194646
(...) Na oração, Deus me mostrou todas estas faltas muito claramente. Como Ele é bom! E compreendi que deveria lhe dizer desde o momento em que me propus escrever. Como sempre fiz até agora, fico muito tranquila, só algumas vezes me vem a tentação de pensar em como vou dizer (para que o senhor não ache tão grave). Graças a Deus, quando chega o momento, deixo a caneta correr livremente e nunca corrijo o que escrevi.
Cada dia vejo mais claro quão perto de mim Jesus está, em todos os momentos, poderia contar detalhes pequenos, mas constantes, que já nem me surpreendem, mas os agradeço e os espero constantemente. Hoje, por exemplo, meu despertador parou por algum tempo e Ele me chamou, mesmo que nesse momento (o relógio voltou a andar) parecia que não era a hora certa, mas nos levantamos justamente quando deveríamos. (...)
Ele faz com que eu me lembre das coisas no momento certo e me ajuda muito para ter todas as minhas coisas em ordem (o senhor já sabe quanta falta isso me faz).
Padre, estou muito contente e quero me comportar muito bem, para que Deus esteja sempre me ajudando assim e, ao mesmo tempo, humilhando-me para que o amor próprio e a vaidade que faziam tanta guerra comigo não voltem a aparecer. (...)
Bilbao, 28 de julho de 194647
Padre: Não sei onde o senhor vai ler esta carta, talvez em Madri, quanto eu gostaria de vê-lo! Mas, mesmo que isso não aconteça, estou muito contente. Peça por mim e por esta casa. (...) Eu continuo às vezes uma catástrofe, mas como não dou importância para o “amor próprio” e falo tudo sempre, fico tranquila quando percebo que ele vem à tona. A cada dia tento estar mais perto do Sacrário e muito contente, mesmo que nos “abram a cabeça”48, como o senhor diz.
Bilbao, 23 de dezembro de 194649
Padre: Esta carta certamente vai chegar pelas mãos das que vão a Roma, justo nos dias de Natal. (...). Estamos desfrutando muito montando o Presépio e preparando todas as coisas destes dias. (...)
Padre, estou muito contente, ainda mais eu, que sempre fui tão dura na oração, agora, muitas vezes, não sou, e o tempo que estamos no oratório me parece muito curto. Sei que isso vai passar e voltarei a me abobar, e não me importa.
Madri, 19 de janeiro de 194750
Padre, cada vez me convenço mais de que tudo é bom e tenho tal confiança que até as coisas que parecem um desastre (se não é por pouco amor nosso a Deus) me dão alegria e não me assustam. (...)
Peça muito para que sejamos loucas de amor e não uns desastres. Tento dar sempre mais importância a que estejamos as quatro bem por dentro. Esforço-me na oração e na ordem em tudo, conto tudo, e quando faço o exame [de consciência] à noite e vejo tantas falhas (nas normas51, presença de Deus, momentos de mau gênio ou de vaidade) me humilho muito, mas tão contente.
Bilbao-Madri, 7 de abril de 194752
Padre: estou escrevendo no trem. (…) A Semana Santa foi muito movimentada, quase não pude fazer companhia ao Senhor no Sacrário, mas tenho certeza de que Ele quis assim e estou contente. Minha oração é simplesmente dar graças e pedir, quase esqueço de mim mesma. (...)
Los Rosales (Madri), 30 de junho de 194753
Padre: Penso muito nas coisas, peço a Deus que me ajude e percebo muito que Ele nunca me deixa. Na oração, às vezes, não consigo pensar em nada, sinto a cabeça cansada de discorrer e a única coisa que me agrada é me apoiar no Senhor e me sentir ali; então vejo o quanto o amo e sou muito feliz. No resto do dia, minha presença de Deus é colocar toda a cabeça nas coisas que tenho que fazer (porque se não, nada sai bem, necessito prestar muita atenção, não sou nada rápida nem muito esperta para pensar).
Madri, 21 de setembro de 194754
Ainda que, às vezes, me assusta um pouco pensar no ano letivo, estou tranquila e tenho muita confiança em que tudo sairá bem. Estes dias, com a cabeça metida em casa, armários, etc., deixei um pouco o plano de vida: falhei no rosário, leitura e a oração foi apenas pensar na confusão da casa, mas já tentarei que isso não aconteça mais. Peça muito para que a parte material não me absorva tanto do trabalho e continue vivendo cada dia com mais amor de Deus. Não sei como explicar isso, mas acontece. Quando tenho muitas preocupações materiais me deixo arrastar um pouco. (...) Padre, procuramos pedir muito para que venham jovens para a Residência e, mesmo que ainda não tenha nenhuma confirmada, tenho a sensação de que virão. O senhor poderia nos ajudar rezando por nós.
Madri, 22 de dezembro de 194855
Padre: estamos fazendo um retiro56 e quero aproveitar estes momentos para escrever. Daqui a dois dias, é Natal. Gostaria de poder levar ao Menino algo meu que Ele gostasse, mas não encontro. Padre, me falta muito por dentro e por fora, mas não me desanimo, continuarei a cada dia colocando mais a cabeça e o coração para aprender a tratar a Deus e as meninas. Na oração, na mortificação, etc. me falta essa presença de Deus que faz com que vejamos claramente como devemos fazer as coisas... Agora concretamente quero aprender a ter ordem na casa e a fazer com que as outras também tenham. Quando vejo que as outras não têm essa preocupação, penso que sou eu quem não sabe transmitir o que me dizem e me sinto responsável por tudo. Cada dia me sinto mais unida à Obra e ao senhor. Ao falar com as jovens para fazer apostolado me entusiasmo muito fácil e acho que as contagio. Mas me falta essa vida interior sólida que é o único que dura e que há que ensinar a ter.
Molinoviejo (Segovia), 11 de janeiro de 194957
Padre: Hoje terminamos os exercícios e estou certa de que todas queremos que as coisas andem como o senhor quer, que é como Deus quer.
Passei bastantes momentos ruins, nos primeiros dias eu só chorava, era de tristeza: me via tão ingrata com a Obra, com o senhor, com Deus! Falei com o padre José María e fiquei tranquila. Padre, o senhor sabe, antes de vir à Obra eu não sabia nada. (...). Por isso, tenho que agradecer por mais coisas. Deixei tão pouco e recebi tanto! Esta é a realidade.
Depois pensei muito no trabalho: me ocorreram um monte de coisas, estava nervosa e até desejando que terminassem para lutar, ter ordem e trabalhar com as jovens da Residência.
Acho que nunca senti tantas coisas juntas: vontade de ser humilde, boa, trabalhadora. Mas, apesar de tudo isso, não me dominei e fiz as outras rirem alguns instantes, o senhor já sabe o caráter que tenho. Falta-me gravidade. Ajude-me a consegui-la. Tenho que pensar nos meus anos, que vão aumentando, e principalmente assumir toda a responsabilidade que a Obra quiser que eu leve e, às vezes, me esqueço disso.
Estava tudo nevado, mas com dias de sol, entre as atividades saíamos para o campo, que lindo é tudo isso que Deus faz para nós! (...)
Conto com a sua ajuda, com a das minhas irmãs mais velhas, com tudo. E de meu, só coloco minhas forças (bem poucas) e alguns desejos muito grandes de amar a Deus de verdade.
Molinoviejo (Segovia), 17 de outubro de 194958
Padre: estou em Molinoviejo acompanhando um retiro. Há um grupo de doze meninas e duas de nós: 14 no total. Pensávamos que seriam mais, mas... não pôde ser assim. Reze por elas. (...)
Me falaram sobre aquele assunto do México. Obrigada. Ficaria muito contente, mesmo que não fosse, o senhor já sabe, mas gostei muito da ideia de ir, ainda que na verdade não paro muito para pensar nisso. Apenas na oração: todos os dias dedico alguns minutos e rezo um terço à minha Virgem de Guadalupe pedindo a Ela por tudo o que ainda não conheço.
Não sei o que dizer de mim. Diante de Deus sou uma coisa, peço por tudo, mas na minha oração passo muito tempo pensando na mesma ideia: agora é uma palavra, “desfalecer”, mas não no sentido de decaimento, e sim ao contrário. Li essa palavra no ofertório, acho, de uma Missa e acho que é o que me vem à cabeça quando estou com muita presença de Deus — e fico tão feliz que não posso resistir quase fisicamente. Acredito que o senhor me compreende, não é?
Molinoviejo (Segovia), 12 de dezembro de 194959
Padre: hoje é o último dia do retiro e além disso é meu onomástico: tenho certeza que rezaram muito por mim, consigo notar e quero aproveitar. Quantas coisas tenho no coração e na cabeça! A Obra, o senhor, as minhas irmãs... Este vai ser quase meu único propósito do retiro: ajudá-las, ensiná-las (o que eu não sei, mas não importa, Deus estará do meu lado). Desta vez, não pensei na minha vida passada como nos outros anos, já sei que ofendi a Deus antes de ser de Casa, mas já me perdoou muitas vezes e não quero mais pensar nisso. Desta vez, tentei ver minha falta de correspondência às graças tão grandes que Deus me deu desde que sou sua filha na Obra. E isto basta para ter muita dor de coração e muitos propósitos.
Para lutar com outro estilo de coisas, para me vencer na preguiça, para ser mortificada, para estar sempre alegre e ter força, procuro não pensar nunca nas coisas que me custam (...) tendo assim uma presença de Deus não sensível, mas de estímulo, serviam: “Vamos... Vamos ver se consigo”, e sem me sentir nunca nem vítima e nem desgraçada. Procuro também não ter medo de nada: tudo o que acontece com alguém, penso que também poderia acontecer comigo e reajo, assim, se acontece comigo já estava preparada. Se faço uma coisa, já penso que pode ser que não esteja bem, assim se me corrigirem, como já esperava por isso, até me dá alegria. Até a dor física, sempre estou disposta a ter (se bem que tenho uma ótima saúde) e assim quando algo dói, recebo como algo que já esperava e ainda contente. Não sei se estou dizendo bem, como o senhor verá, minha luta interior, por eu ser muito simples, é francamente fácil.
Minhas duas dificuldades principais são: não colocar todo o esforço que sou capaz para cumprir meu plano de vida60. Não coloco esforço na oração, na Missa e na Comunhão na maioria das vezes. (...) E a outra dificuldade é não ter me esforçado para que minhas irmãs cresçam, tenham vida interior, etc. Preocupo-me mais em conseguir novas vocações do que com cuidar das que já a têm. Compreendo que tenho muita responsabilidade nisso e porei toda a minha alma para que isso não continue acontecendo.
Do meu trato íntimo com Deus, da minha oração, etc., já falei outras vezes: quando faço um pouco a minha parte, Deus me facilita e me rendo inteiramente.
Hoje pedi muito à minha Virgem para que no México se possa fazer muito bem. Sei que o começo será duro, tenho certeza, mas não me importa.
Só me resta dizer que não tenho a sensação de ter deixado de ser sincera nunca, nem na direção espiritual, nem na confissão, nem nas minhas cartas ao senhor.
México D.F., 13 de maio de 195061
Padre: Gostaria de já poder dizer que, no dia 18, teremos o Senhor em casa, mas não é certeza. Depende do dourador que está arrumando o retábulo onde está a Virgem, e o altar. Gostaria muito que tivéssemos a primeira Missa neste dia tão grande da Ascensão. Lembre-se um pouco e reze nesse dia por esta casa e um pouco por mim também: nesse dia fiz a Primeira Comunhão, vim morar em Casa, e também fiz a Fidelidade62 (...).
México D.F., 20 de outubro de 195063
Padre: o senhor receberá junto com esta carta muitas fotografias da casa e de todas nós, e muitos detalhes concretos do nosso trabalho no México. Se o senhor visse o quanto já amamos esta terra e como vamos nos entrosando com as jovens. (...) Reze muito por elas, o importante é que vão na velocidade que Deus quer que cada uma vá. (...)
Também quero contar algo de bom sobre mim. Que estou contente, que coloco o que sou em tudo, cada dia com mais entusiasmo, mas nada me ata. Acho que no momento que me dissessem para deixar... algo ou tudo, nada me custaria: nem pessoas, nem coisas. Parece que estou louca, porque humanamente seria impossível unir esses dois sentimentos, mas é precisamente isso que me dá segurança de que é Deus que está por trás; ainda que nesta temporada, principalmente nos momentos de oração, não o sinta quase nunca. No resto do dia quase não perco a presença de Deus, que é de uma forma tão real, que não tenho quase nunca a sensação de que estou sozinha. (...)
Contarei também algumas de minhas falhas. Às vezes, tenho sentido preguiça (...). Atrasei um mês para escrever para a minha mãe. E talvez com Manolita (que é com quem tenho mais confiança) sou menos compreensiva que com as outras. Procuro lutar em todas essas coisas e em outras parecidas, que me servem para me humilhar constantemente diante de Deus, do senhor, do padre Pedro, de mim, e de minhas irmãs se alguma vez percebem, e continuo em frente.
México D.F., 1 de fevereiro de 195464
Gostaria de poder dizer coisas boas sobre mim para lhe dar alegrias, mas só posso dizer a verdade: como sempre e para sempre quero ser fiel, quero ser útil e quero ser santa. Mas a realidade é que ainda falta muito. Externamente acho que não me porto mal. Cumpro as normas65 (em geral, ainda que não possa dizer que nunca me falta nada), aproveito o tempo o máximo que posso. Estou sempre contente, domino meu caráter (raramente me exalto); vivo os costumes de Casa; faço as mortificações normais. Mas, por dentro, não estou contente por como faço as coisas. Poderia dar mais em tudo, ter mais presença de Deus (mesmo que quase nunca me falte, poderia ser mais intensa e mais eficaz). Enfim, ainda me vejo cheia de falhas.
Mas não desanimo, e com a ajuda de Deus e o seu apoio e o de todos, espero que consiga vencer.
Gosto muito do que faço (ainda que, como sempre digo, qualquer outra coisa que me mandassem, acho que gostaria do mesmo jeito); estou feliz no México (mas também não me importaria de ir a outro lugar). Queria que este ano fosse um grande empurrão por fora (Centro de Estudos66, “Escuela Hogar”... vocações, Guatemala, Kinder) e por dentro: ser mais completamente de Deus, eu e todas. Reze muito para que o Senhor nos dê tudo o que nos falta. Tem que ser sempre assim. (...)
Montefalco (México), 7 de maio de 195667
Padre: Um grupo das velhas estamos em Montefalco fazendo exercícios espirituais (...); e acho que estamos aproveitando bem. Fico triste por não poder dizer que melhorei muito, pero ni modo68; continuo assim: muita vontade, propósitos grandes e sinceros de ser santa, mas ainda muito longe de sê-lo. Acho que este novo ano (de exercícios em exercícios) será de muito estímulo em todos os sentidos.
Estamos desejando que as de Roma cheguem logo, espanholas e mexicanas; com elas aqui, aumentará o labor em extensão e profundidade, e a seiva vai se renovar, que é preciso tudo isso de vez em quando. Espero-as com muito ânimo.
Gostaria que me dissessem se já posso fazer a confidência com alguma delas69; claro que agora já faço, com o padre Pedro, ou na confissão, mas acho que a necessito tal como é, para entrar em detalhes, etc. Tenho certeza de que isso será uma ajuda na minha vida interior, que não avança muito.
Acho que já disse em outras cartas que faço mortificações pequenas; que não tem nada — em coisas de comida, curiosidade, pequenas incomodidades, água fria, minutos heroicos — que eu não faça e com relativa facilidade. Não me custa vencer essas coisas. Farei mais, ou menos, mas luto com elas. Também não tenho afetos desordenados (coração) por nada nem ninguém. Minha luta é colocar mais o coração nas coisas pequenas, porque talvez a minha caridade não seja muito profunda.
Algumas vezes as que pessoas que moram comigo já me disseram: percebem que me preocupo com elas, mas que chega um momento em que se deparam com uma barreira em mim, que não as compreendo profundamente, etc. Padre, não entendo muito do que se trata, mas vou pedir a Deus mais amor a Ele e, assim, com certeza saberei amar melhor as outras também. Reze muito por mim, para que eu consiga.
E uma vez mais lhe digo que estou disposta a deixar o cargo com muita alegria, ou a continuar com ele, a continuar no México sendo “el último mono”70 (lembre-se de que a minha formação na Obra foi se dando enquanto ia vivendo e aprendendo, e que logicamente as que vêm de Roma saberão mais do que eu, graças a Deus, porque eu sei muito pouco de muitas coisas, ainda que, às vezes, me assusto com a clareza que Deus me dá sobre as coisas que logicamente eu não deveria saber), e também estou disposta a sair do México e ir para onde seja, fazer o que o senhor me diga, e muito contente.
México D.F., 2 de outubro de 195671
Já estou contando os dias para chegar aí72. Que enorme alegria!; todas me dizem não vou conhecer a casa nem as jovens, já não tem quase nenhuma das antigas. Já estou velha! Noto isso a cada dia e em tudo, mas que bom que é isso também!
Gostaria que, ao falar com o senhor, pudesse lhe dar alegria ver que, assim como em idade, tivesse crescido por dentro (que é, definitivamente, o que importa), mas acho que nisto eu continuo quase igual. Que calamidade, não? Às vezes, penso que Deus verá o meu esforço por servi-lo, que isso vai compensar o pouco que consigo melhorar por dentro e isso me consola um pouco, mas, às vezes, acho que não, e aí me dá muita tristeza. Claro que isso não dura muito, porque já sabe que meu caráter não tem nada de pessimista, e sim o contrário.
Reze muito para eu saiba tirar todo o fruto que Deus quiser nesta viagem. Desde que recebi a nota dizendo que no dia 20 de outubro tenho que estar em Roma, em minha oração só peço para ir com a docilidade e simplicidade da primeira vez que vi o senhor: que, se tenho um pouco mais de experiência em alguma coisa, não seja de jeito algum um motivo para colocar obstáculos na minha obediência. O senhor também peça a Deus por mim e já verá como conseguiremos. Penso que o labor dos próximos anos estará focado no que nos diseerem agora em Roma... penso muitas coisas e sinto muita responsabilidade, mas ao mesmo tempo confiança, paz e muitíssimo amor a Deus, à Obra e ao senhor, Padre, que é a pessoa que representa tudo.
Não sei se esta carta está clara, mas prefiro que saia assim; nunca deixei de lhe enviar nenhuma das cartas que escrevi e também não deixarei de enviar esta.
Molinoviejo (Segovia), 9 de janeiro de 196073
Padre: hoje, dia do seu aniversário, estou fazendo exercícios [espirituais] em Molinoviejo. Acabo de me confessar. E, mais uma vez, vi quantas pequenas falhas tenho no fundo da minha alma. Mas também mais uma vez pedi perdão a Deus e noto (o senhor sabe muito bem) que Ele me concede e está feliz, apesar de tudo. E eu, como se fosse louca. Com paz, alegria, entusiasmo e força renovada nestes dias de tirar o pó de cada cantinho. Padre, ofereço isso a Deus neste dia, ao mesmo tempo que peço pelo Padre (pelo senhor), para que Deus lhe conceda com a sua onipotência tudo o que eu lhe daria, se eu pudesse, e muitas mais coisas que agora não me vem à cabeça. (...)
Colegio Mayor Goimendi (Pamplona), 21 de julho de 196274
Padre: hoje estamos fazendo o recolhimento75 do curso anual76 e, depois de um exame [de consciência] profundo diante de Deus, escrevo ao senhor, Padre, para que como sempre, continue me conhecendo a fundo, ajudando e rezando.
Vejo, mais uma vez, a quantidade de coisas boas e de graça que Deus me deu e continua dando e vejo também que, sem nenhum esforço, a maioria das vezes, correspondi no que deveria fazer. Mas paro por aí. Vibro com o apostolado e com o proselitismo77, com a vida em família própria do nosso centro, com o trabalho profissional. Mas as normas78, eu apenas cumpro; aqui meu esforço é pequeno e na minha oração pouquíssimas vezes fico sozinha com Deus. É verdade que tudo o que me ocupa a mente são as coisas de Deus, as que Ele colocou nas minhas mãos por meio do senhor, Padre, e das minhas irmãs; mas não sei me desprender delas.
É verdade que, para mim, tanto faz estar aqui ou ali, o senhor sabe, estou sempre contente onde me colocarem. Mas essas coisas que tenho que fazer em cada momento, não deixo de lado para estar um momento unicamente pendente de Deus. Acho que não sei explicar bem, mas reze por mim; o senhor sabe o que quero dizer e imploro que peça essa graça para a sua filha que ainda não sabe aproveitá-la, porque também percebo que Deus já me dá a graça, e por isso me pede.
Madri, 29 de dezembro de 196279
Padre: estou fazendo exercícios [espirituais] e, como sempre, nestes dias de silêncio, parece que se está mais perto de Deus, mesmo que o que acontece é que, ao não pensar em outras coisas, pode-se escutá-lo melhor. Também, pelo mesmo motivo, sinto mais necessidade de escrever para o senhor, Padre, e contar o de sempre talvez, como está sua filha por dentro. Queria acabar com uma espécie de preguiça — chamo-a assim — que não me deixa viver com intensidade minha relação com Deus. Todos os anos, ao fazer exercícios, faço este propósito. Esforçar-me mais para fazer bem a oração, comunhão, etc., colocando mais da minha parte. Neste ano decidi pensar que talvez seja muita pretensão achar que depende de mim — do meu esforço — conseguir isso, e por isso penso em pedir isso a Deus e ao senhor, Padre, que, se se lembrar, reze por mim.
Não pense que estou triste por causa disso. Nada disso. Tudo o que faço me agrada e até humanamente me apetece. Com o trabalho profissional a mesma coisa (...), meu encargo apostólico também: o centro de São Gabriel de Montelar80, e o labor de São Rafael81 que nunca deixo. Adoro ajudar minhas irmãs da Assessoria82. Morar com elas e poder rezar por suas ocupações, que me fazem além disso estar muito em contato com Roma, é outra coisa pela que tenho que agradecer constantemente. Apesar de tudo, o senhor já sabe, Padre, que, como sempre, estarei feliz onde precisarem de mim e mais uma vez me ponho em suas mãos para que agora e sempre disponha de mim.
La Pililla (Ávila), 6 de Julho de 197183
Padre: (…) Agradeço muito a Deus e à Obra esta fé firme e simples, ainda que cada vez compreendo mais a necessidade de aprofundar nela e estudá-la para poder transmiti-la com conhecimentos firmes, como o senhor nos diz sempre. Fé de crianças e doutrina de teólogos, dos bons.
Nesses momentos, só quero dizer “estou aqui” mais agradecida que nunca, sabendo que não mereço nada, mas que Deus, por meio da Obra e do senhor, aumentam a cada dia essa fidelidade, que no âmbito humano é lealdade, e confio em que seja sempre assim.
La Pililla (Ávila), 4 de setembro de 197384
Durante estes dias85, a matéria que estudamos foi Dogmática: “os novíssimos”86. (...). Enfim, a realidade é que a matéria foi preciosa e me familiarizei com a morte e o céu. Espero que cheguem quando Deus quiser. Espero que a Virgem me ajude a vê-la logo depois (...).
Fizeram um comentário sobre a sua carta de março87. Primeiramente, quero agradecer. Me impressionou e vi com alegria que continuo o mais perto que posso neste momento duro e difícil, e que sua valentia, ao chamar as coisas pelos seus nomes me produz uma paz total. Por dentro penso: eu teria dito o mesmo, mas não me sai. Sinto também o arrependimento de não viver tudo plenamente... esse exame pessoal detectando algumas de nossas falhas me fez chorar.
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