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13 Unidade de vida na profissão | Trabalhar bem, trabalhar por amor (v2)

Unidade de vida na profissão

 

«Todo o trabalho honrado pode ser oração; e todo o trabalho que for oração é apostolado»217.

Trabalho, oração, apostolado: três termos que, para quem se sabe filho de Deus, não chegam a ser âmbitos diversos, porque se vão fundindo na vida como notas de um acorde até compor toda a partitura harmônica.

No início da atividade profissional, é possível escutar unicamente o som isolado do próprio trabalho, monótono e sem graça. Mas ao descobrir como transformá-lo em oração que se eleva ao céu, e em apostolado que fecunda a terra, as notas se combinam e o som começa a adquirir ritmo e beleza. Se abandonássemos o esforço de criar e compor, voltaríamos às notas soltas, aos sons sem melodia. Por outro lado, tão logo permitimos que o Espírito Santo governe nossa vida profissional e dirija a orquestra, surge outra vez a música, composição estupenda de amor a Deus e aos homens – de oração e apostolado – no trabalho diário. Cada uma das faculdades de nosso ser: vontade, inteligência, afetos... interpreta o seu papel com maestria, e assim alcançamos a unidade de vida simples e forte que agrada a Deus e atrai os homens a Ele.

Na atividade profissional há três aspectos que convém examinar com atenção para alcançar a harmonia da unidade de vida: a intenção, o critério e a conduta coerente com ambos.

 

Retidão de intenção

 

A unidade de vida no trabalho profissional depende, em primeiro lugar, da retidão de intenção: da decisão clara e firme de trabalhar por amor a Deus, não por ambição ou outra forma de egoísmo; de frente para Deus e buscando a sua glória, não de frente para os homens e buscando a própria glória, a satisfação pessoal ou a admiração dos demais.

Ninguém pode servir a dois senhores (Mt 6, 24). Não podemos admitir negociatas, não podem conviver no
coração «uma vela acesa a São Miguel e outra ao diabo»
218. A intenção deve ser transparente. No entanto, é possível experimentar que, ainda que se queira viver para a glória de Deus, a retidão da vontade facilmente se torce nas ações concretas, em que junto a motivos santos se podem encontrar muitas vezes aspirações menos claras219. Por isso, São Josemaria aconselha a purificar a vontade, retificando constantemente a intenção. «Retificar. – Cada dia um pouco. – Eis o teu trabalho constante, se de verdade queres tornar-te santo»220.

Quem trabalha com intenção reta procura realizar bem a sua tarefa sempre. Não trabalha de um modo quando os demais o veem e de outro quando ninguém o vê. Sabe que Deus o olha sempre e, por isso, trata de cumprir o seu dever com perfeição, como agrada a Ele. Cuida de detalhes de ordem, de laboriosidade, de espírito de pobreza..., mesmo que ninguém o advirta ou quando está sem vontade. Nos dias cinzas de trabalho corrente, quando a monotonia ameaça, um filho de Deus se esforça para pôr as últimas pedras, por amor, e assim o seu trabalho se converte em oração.

Os momentos de êxito ou de fracasso põem à prova a qualidade da nossa intenção perante a tentação do envaidecimento ou do desânimo. São Josemaria nos ensina a preparar-nos para essas circunstâncias, que poderiam fazer com que nos fechássemos em nós mesmos e torcêssemos o querer da vontade: «Tens de permanecer vigilante, para que teus êxitos profissionais ou os teus fracassos – que virão! – não te façam esquecer, nem sequer momentaneamente, qual é o verdadeiro fim do teu trabalho: a glória de Deus!»221

Para fortalecer a retidão de intenção, verdadeiro pilar da unidade de vida, é necessário buscar a presença de Deus no trabalho – oferecê-lo ao começar, renovar o oferecimento quando possível, dar graças ao terminar... – e procurar que as práticas de piedade – sobretudo a Santa Missa, se nos é possível – dilatem-se ao longo do dia numa relação contínua com o Senhor. Esquecer-se de Deus na profissão não indica simplesmente um caráter distraído, mas pouca unidade de vida: quem ama de verdade não se esquece do amado.

 

Critério reto

 

A retidão de intenção é essencial para a unidade de vida, mas é preciso que não nos esqueçamos de que a vontade precisa ser guiada pela razão iluminada pela fé. Há pessoas que não conseguem levar uma conduta coerentemente cristã não por má vontade inicial, mas por falta de critério. Quando não põem os meios necessários para formar bem a consciência e adquirir um conhecimento profundo das implicações morais de cada profissão, correm o risco de aceitar como norma o que é apenas comum. É possível então que cometam, de boa vontade, graves desvarios e injustiças; e, por não saber julgar com prudência, deixem de fazer o bem a quem se deve fazer. A falta de critério impede essas pessoas de alcançar a unidade de vida.

Um homem de critério apega-se ao que é bom, sem cair nos extremos nem compactuar com o medíocre. Às vezes, a falta de critério leva a pensar que a alternativa a um defeito é o defeito oposto: que para não ser rígido é necessário ser débil, ou para não ser agressivo é necessário ser bonachão... Na prática, quem age assim não entendeu bem a natureza das virtudes. O ponto médio em que consiste a virtude – in medio virtus – não é ficar pela metade, sem aspirar ao superior, mas sim alcançar o cume entre dois defeitos222. É possível ser enérgico e manso ao mesmo tempo, compreensivo e exigente com os deveres, veraz e discreto, alegre sem ser ingênuo. Sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas (Mt 10, 16).

O critério necessário para a unidade de vida é um critério cristão, não simplesmente humano, pois sua regra não é unicamente a razão, mas sim a razão iluminada pela fé viva, a fé informada pela caridade. Somente então as virtudes humanas são virtudes cristãs. Um filho de Deus não tem de cultivar duas classes de virtudes, umas humanas e outras cristãs, umas sem a caridade e outras com ela; isso seria uma dupla vida. No seu trabalho, não deve se conformar com praticar numas coisas uma justiça meramente humana – limitando-se, por exemplo, ao estrito cumprimento da lei – e em outras uma justiça cristã, com a alma da caridade, mas sim, sempre e em tudo, esta última, a justiça de Cristo.

Considerai especialmente os conselhos e as advertências com que Ele preparava aquele punhado de homens para serem seus Apóstolos, seus mensageiros, de um ao outro extremo da terra. Qual é a pauta principal que lhes marca? Não é o preceito novo da caridade? Foi pelo amor que eles abriram caminho naquele mundo pagão e corrompido. [...] Quando se faz justiça a seco, não vos admireis de que a gente se sinta magoada: pede muito mais a dignidade do homem, que é filho de Deus. A caridade tem que ir dentro e ao lado, porque tudo dulcifica, tudo deifica: Deus é amor (1 Jo 4, 16). [...]

A caridade – que é como um generoso exorbitar-se da justiça – exige primeiro o cumprimento do dever. Começa-se pelo que é justo, continua-se pelo que é mais equitativo... Mas, para amar, requer-se muita finura, muita delicadeza, muito respeito, muita afabilidade; numa palavra, é preciso seguir o conselho do Apóstolo: Levai uns as cargas dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo (Gal 6, 2). [...] Isto requer a inteireza de submeter a vontade própria ao modelo divino, de trabalhar por todos, de lutar pela felicidade eterna e pelo bem-estar dos outros. Não conheço melhor caminho para sermos justos que o de uma vida de entrega e de serviço223.

Isso é ter critério cristão, luz imprescindível para a unidade de vida. Adquirir esse critério exige dedicar tempo à formação, e em particular ao estudo da doutrina. Seria temerário fiar-se da intuição e não pôr os meios para formar a cabeça. Mas, além disso, o estudo teórico por si só também não basta. A unidade de vida cristã requer uma doutrina assimilada na oração.

 

Valentia

 

Além de querer e de saber, a unidade de vida implica agir, pois «obras é que são amores, não as boas razões»224. Que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso pai, que está nos céus (Mt 5, 16), diz o Senhor. Convém examinar-se com franqueza, como aconselha São Josemaria: «Propaga-se à tua volta a vida cristã? Pensa nisto diariamente»225.

Quando há unidade de vida, é lógico que esta seja notada, com naturalidade, ao nosso redor. Quem ocultasse a sua condição de cristão por medo de ser tachado, ou por timidez ou vergonha, quebraria a unidade de vida, não poderia ser sal e luz, suas obras seriam estéreis do ponto de vista da vida sobrenatural. O Senhor nos diz a cada um: Dabo te in lucem gentium, ut sis salus mea usque ad extremum terrae (Is 49, 6), Colocar-te-ei como luz das gentes, para que minha salvação alcance até os confins do mundo.

Temos de ter «a coragem de viver pública e constantemente de acordo com a nossa santa fé»226, escreve São Josemaria, fazendo eco à advertência do Senhor: Se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na sua glória (Lc 9, 26). Jesus nos incentiva também com uma promessa maravilhosa: Portanto, quem der testemunho de mim diante dos homens, também eu darei testemunho dele diante de meu Pai que está nos céus (Mt 10, 32). Não cabem ambiguidades. Não devemos ter medo de anunciar Deus por palavras – porque o próprio Cristo nos mandou ir e ensinar o Evangelho a todas as gentes (cf. Mc 16, 15) e pelo exemplo de uma fé que age pela caridade (cf. Gal 5, 20).

É natural que as outras pessoas no ambiente em que o cristão se move conheçam a sua fé viva e operante. Ela
será reconhecida facilmente até, por contrastar com o materialismo e o hedonismo que predominam na sociedade. Se passasse muito tempo despercebida, não seria por naturalidade, mas por duplicidade. Isso é o que acontece tristemente com aqueles que relegam a sua fé à vida «privada». Essa atitude, quando não é simples covardia, corresponde à ideia de que a fé não deve influir na conduta profissional, reflete uma mentalidade não laical, mas sim laicista, que pretende tirar Deus da vida social e, muitas vezes, prescindir também da lei moral. É justamente o oposto do ideal de pôr Cristo no ápice de todas as atividades humanas. É a isso que estamos chamados os cristãos, e é bom que muitos ao nosso redor saibam. Mais ainda: certamente o apostolado do cristão que vive no meio do mundo deve ser «de amizade e de confidência» com os colegas de profissão, mas isso não exclui que às vezes seja conveniente ou necessário – exigência da unidade de vida – falar em público e explicar as razões de uma conduta moral, humana e cristã. As dificuldades podem ser muitas, mas a fé assiste o cristão e lhe dá a fortaleza necessária para defender a verdade e ajudar todos a descobri-la.

Na prática, no entanto, a experiência nos diz que, ainda que repelindo os extremos, é fácil se deixar influir por essa mentalidade laicista e se convencer, por exemplo, de que num determinado ambiente profissional não é oportuno em nenhum caso falar de Deus, porque seria chocante ou estaria fora de lugar, ou porque outros infeririam que as posturas de um cristão em questões profissionais são condicionadas pela religião. Apresenta-se então a tentação de colocar a própria fé entre parênteses, precisamente quando deveria se manifestar.

Aconfessionalismo. – Neutralidade. – Velhos mitos que tentam sempre remoçar.

Tens-te dado ao trabalho de meditar no absurdo que é deixar de ser católico ao entrar na Universidade, ou na
Associação profissional, ou na sábia Academia, ou no Parlamento, como quem deixa o chapéu à porta?
227

São Josemaria não nos convida a fazer alarde, nem muito menos a utilizar um rótulo de católico, atitudes que não combinam com a mentalidade laical. O que nos pede é que nos demos ao trabalho de meditar, cada um nas suas circunstâncias, sobre as exigências externas e visíveis da unidade de vida na própria profissão e ação social.

Tendes de ter a valentia, que em algumas ocasiões não será pouca, dadas as circunstâncias do tempo, de tornar presente – tangível, direi melhor – a vossa fé: que vejam as vossas boas obras e o motivo de vossas obras, ainda quando venham às vezes a crítica e a contradição de uns e de outros228.

A unidade de vida é um dom de Deus e, ao mesmo tempo, uma conquista que exige luta pessoal. O trabalho profissional é terreno no qual se forja essa unidade, através de decisões concretas que levem a agir em tudo de frente para Deus e com afã apostólico. Com a graça de Deus temos de querer e chegar a amá-lO totalmente: ex toto corde, ex tota anima, ex tota mente, ex tota virtute, com todo o coração, com toda a alma, com toda a mente, com todas as forças (Mc 12, 30).

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