- A+
- A-
A força do fermento
A sociedade é como um tecido de relações entre os homens. O trabalho, a família e as outras circunstâncias da vida criam uma trama de vínculos em que a nossa existência está entretecida276, de modo que, quando procuramos santificar a nossa profissão concreta, a nossa situação familiar particular e os nossos outros deveres ordinários, não santificamos um fio isolado, mas sim a tessitura social inteira.
Esse trabalho santificador converte os cristãos em poderoso fermento de ordenação do mundo, de modo que este reflita melhor o amor com que foi criado. Em qualquer atividade humana em que a caridade esteja presente, reduzem-se os espaços do egoísmo, principal fator de desordem no homem nas suas relações com os outros e com as coisas. Portadores do Amor do Pai no meio da sociedade, os fiéis leigos «são chamados por Deus para que, aí, exercendo o seu próprio ofício, guiados pelo espírito evangélico, concorram para a santificação do mundo a partir de dentro»277.
A eficácia transformadora dessa levedura cristã depende, em grande medida, de que cada um procure alcançar uma preparação adequada para seu trabalho. Essa não deve se limitar à instrução específica – técnica ou intelectual – necessária a cada profissão. Há outros aspectos que, por serem imprescindíveis para alcançar uma verdadeira competência humana e cristã, influem diretissimamente nas relações laborais e sociais que se originam em torno do trabalho, e que são fundamentais para ordenar a Deus o tecido social.
Ser do mundo sem ser mundanos
O cristão chamado a se santificar na sua profissão tem de ser do mundo, mas não mundano. Tem de buscar o bem-estar temporal sem o considerar o bem supremo. Deve reconhecer com realismo a presença do mal, sem desanimar quando o encontra em seu caminho, procurando, por sua vez, reparar e lutar com mais empenho para purificá-lo do pecado.
O entusiasmo não deve faltar nunca, nem em vosso trabalho, nem em vosso empenho por construir a cidade temporal. Ainda que, ao mesmo tempo, como discípulos de Cristo que crucificaram a carne com suas paixões e concupiscências (cf. Gal 5, 24), procurareis manter vivo o sentido do pecado e da reparação generosa, frente aos falsos otimismos daqueles que, inimigos da cruz de Cristo (Fil 3, 18), calculam tudo em termos de progresso e energias humanas278.
«Ser do mundo», em sentido positivo, leva a «ter espírito contemplativo no meio de todas as atividades humanas [...], tornando realidade este programa: quanto mais imersos no mundo estivermos, tanto mais temos que ser de Deus»279. Esse desejo, longe de produzir retraimento ante as dificuldades do ambiente, impulsiona uma maior audácia, fruto de uma presença de Deus mais intensa e constante. Porque somos do mundo e somos de Deus, não podemos nos encerrar: «Não é lícito aos cristãos abandonar sua missão no mundo, como à alma não é permitido se separar voluntariamente do corpo»280. São Josemaria concretiza essa tarefa de cidadãos cristãos em «contribuir para que o amor e a liberdade de Cristo presidam todas as manifestações da vida moderna – a cultura e a economia, o trabalho e o descanso, a vida de família e o convívio social»281.
Manifestação capital do espírito cristão é reconhecer que a plena felicidade humana se encontra na união com Deus, não na posse de bens terrenos. É justamente o contrário de ser mundano. O mundano põe todo o coração nos bens deste mundo, sem se lembrar de que existem para conduzi-lo ao Criador. Alguma vez pode acontecer que, ante a experiência de pessoas que, longe de Deus, parecem encontrar felicidade nos bens que possuem, venha o pensamento de que a união com Deus não é a única fonte de alegria plena. Mas não devemos nos enganar. Trata-se de uma felicidade inconsistente, superficial, que não está isenta de inquietações. Essas mesmas pessoas seriam incomparavelmente mais felizes, já nessa terra e depois plenamente no céu, se cultivassem o trato com Deus e ordenassem o uso desses bens à glória dEle. Sua felicidade, então, deixaria de ser frágil e exposta às muitas eventualidades, e já não temeriam – com esse temor que lhes tira a paz – que tal ou qual bem chegasse a lhe faltar, nem se assustariam com a realidade da dor e da morte.
As bem-aventuranças do Sermão da Montanha – bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos céus; bem-aventurados os que choram, porque serão consolados; bem-aventurados os mansos [...], os que têm fome e sede de justiça; os que sofrem perseguição por conta da justiça (cf. Mt 5, 3 e segs.) – mostram que a plena felicidade (a bem-aventurança) não se encontra nos bens deste mundo. Doía a São Josemaria que às vezes aparecessem pessoas que «enganam as almas. Falam-lhes de uma libertação que não é a de Cristo. Os ensinamentos de Jesus, seu Sermão da Montanha, essas bem-aventuranças que são um poema do amor divino, são ignoradas. Só buscam uma felicidade terrena, que não é possível alcançar neste mundo»282.
As palavras do Senhor não justificam, no entanto, uma visão negativa dos bens terrenos, como se fossem maus ou empecilhos para o Céu. Não são obstáculo, mas sim matéria de santificação, e o Senhor não nos convida a rechaçá-los. Ensina, em contrapartida, que o único necessário (cf. Lc 10, 42) à santidade e à felicidade é amar a Deus. Quem não dispõe desses bens ou quem sofre deve saber não só que a alegria plena pertence ao Céu, mas também que já nessa terra é bem-aventurado – pode ter uma antecipação da felicidade no céu –, porque a dor e, em geral, a carência de um bem terreno, têm valor redentor se acolhidas como a Cruz de Cristo, por amor à Vontade de nosso Pai-Deus, que tudo ordena para o nosso bem (cf. Rom 8, 28). Buscar o bem-estar material para aqueles que nos rodeiam é muito agradável a Deus, é uma forma maravilhosa de empapar de caridade as realidades temporais, e é perfeitamente compatível com a atitude pessoal de desprendimento que o Senhor nos ensinou.
Mentalidade laical, com alma sacerdotal
Um filho de Deus tem de ter «alma sacerdotal», porque participa do sacerdócio de Cristo para corredimir com Ele. No ensinamento de São Josemaria, que se dirige àqueles chamados a santificar-se no meio do mundo, essa característica se encontra intrinsecamente unida à «mentalidade laical», que leva a realizar o trabalho e as diversas tarefas com competência, de acordo com suas leis próprias, queridas por Deus283.
Dentro do marco básico das normas de moral profissional, de que é preciso cuidar delicadamente como pressuposto necessário à santificação do trabalho, há muitos modos de levar a cabo as tarefas humanas segundo o querer de Deus. Dentro das leis próprias de cada atividade, e na ampla perspectiva que abre a moral cristã, existe uma multidão de opções, todas santificáveis, entre as quais cada um pode escolher com responsabilidade e liberdade pessoais, respeitando a liberdade de todos. Essa liberdade intransferível faz com que a participação de cada um na vida social – no lar, no trabalho, na convivência social – seja única, original e irrepetível, como é irrepetível a resposta de cada alma ao amor a Deus. Não devemos privar os outros do bom exercício da nossa liberdade, fonte de iniciativas de serviço para a glória de Deus. Assumir profundamente esse fato é característica essencial do espírito que São Josemaria transmite: «Liberdade, meus filhos, liberdade, que é a chave dessa mentalidade laical que todos temos»284.
A alma sacerdotal e a mentalidade laical são dois aspectos inseparáveis no caminho de santidade que ensina.
Em tudo e sempre devemos ter – tanto os sacerdotes como os leigos – alma verdadeiramente sacerdotal e mentalidade plenamente laical, para que possamos entender e viver na nossa vida pessoal a liberdade de que gozamos na esfera da Igreja e nas coisas temporais, considerando-nos a um só tempo cidadãos da cidade de Deus e da cidade dos homens 285.
Para ser fermento do espírito cristão na sociedade é preciso que em nossa vida se cumpra essa união, de modo que toda nossa tarefa profissional, realizada com mentalidade laical, esteja empapada de alma sacerdotal.
Sinal claro dessa união é pôr em primeiro lugar o relacionamento com Deus, a piedade, concretizada num plano de vida espiritual. Necessitamos alimentar o Amor como nosso impulso vital, porque não é possível trabalhar realmente para Deus sem uma vida interior cada vez mais profunda. Como recordava São Josemaria:
Se não tivesses vida interior, ao vos dedicardes ao vosso trabalho, em vez de divinizá-lo, poderia suceder-vos o que sucede ao ferro, quando está em brasa e o metem na água fria: destempera-se e se apaga. Tendes de ter fogo que venha de dentro, que não se apague, que incendeie tudo o que toque. Por isso pude dizer que não quero nenhuma obra, nenhum labor, se meus filhos não melhoram nele. Meço a eficácia e o valor das obras pelo grau de santidade que adquirem os instrumentos que a realizam.
Com a mesma força com que antes vos convidava a trabalhar, e a trabalhar bem, sem medo do cansaço; com essa mesma insistência, convido-vos agora a ter vida interior. Nunca me cansarei de repeti-lo: nossas Normas de piedade, nossa oração, são o primeiro. Sem luta ascética, nossa vida não valeria nada, seríamos ineficazes, ovelhas sem pastor, cegos que guiam outros cegos (cf. Mt 9, 36; 15, 4)286.
Para que o fermento não se desvirtue, tem de ter a força de Deus. É Deus quem transforma as pessoas e o ambiente que nos rodeia. Somente quando permanecemos unidos a Ele somos verdadeiramente fermento de santidade. Do contrário, estaremos na massa como simples massa, sem colaborar com o que se espera da levedura. O empenho por cuidar de um plano de vida espiritual acabará produzindo o milagre da ação transformadora de Deus: primeiro em nós mesmos, por ser esse plano um caminho de união com Ele; e, como consequência, nos outros, na sociedade inteira.
Receba a Liturgia Diária no seu WhatsApp
Deixe um Comentário
Comentários
Nenhum comentário ainda.