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18 Trabalhar a todo momento | Trabalhar bem, trabalhar por amor (v2)

Trabalhar a todo momento

 

São Josemaria escreveu que o trabalho é «uma enfermidade contagiosa, incurável e progressiva»287. Um dos sintomas dessa «enfermidade» consiste em não saber estar sem fazer nada. O desejo de dar glória a Deus é a razão última dessa laboriosidade, desse desejo de santificar o tempo, de querer oferecer a Deus cada minuto de cada hora, cada hora de cada dia... cada etapa da vida. «Quem é laborioso aproveita o tempo, que não é apenas ouro; é glória de Deus! Faz o que deve e está no que faz, não por rotina nem para ocupar as horas, mas como fruto de uma reflexão atenta e ponderada»288.

O homem cauto medita seus passos, diz a Bíblia (Prov 14, 15). Meditar os passos da tarefa profissional é essa «reflexão atenta e ponderada» de que fala São Josemaria, que leva a pensar para onde caminhamos com o nosso trabalho, e a retificar a intenção. O prudente discerne em cada circunstância o melhor modo de se dirigir ao seu destino. E a nossa meta é o Senhor. Quando mudam as circunstâncias, convém ter o coração desperto para perceber as chamadas de Deus nas alterações e novas situações e por meio delas.

Detenhamo-nos em dois momentos concretos da vida profissional: o início e o fim. Dentro da sua especificidade, ajudam a considerar alguns aspectos da santificação do trabalho. Dentre outros: a disposição vigilante, com a fortaleza da fé, para manter a retidão de intenção; o valor relativo da materialidade do que fazemos; a fugacidade dos êxitos ou dos fracassos; a necessidade de manter sempre uma atitude jovem e esportiva, disposta a recomeçar, por amor a Deus e aos outros, quantas vezes for necessário…

 

Mentalidade laical, com alma sacerdotal

 

Uma das notas essenciais do ensinamento de São Josemaria é a unidade de vida. Viver em unidade significa orientar tudo em direção a um único fim; buscar «“somente e em tudo” a glória de Deus»289. Para aqueles que dedicam a maior parte do dia a uma profissão, é necessário aprender a integrá-la no conjunto do projeto de vida. O início da vida profissional é um dos momentos mais importantes nessa aprendizagem. É uma situação de mudança, de novos desafios e possibilidades... e também de dificuldades que convém conhecer.

Em alguns âmbitos se exige dos jovens profissionais uma dedicação sem limite de horário nem de compromisso, como se o trabalho fosse a única dimensão da sua vida. Essas práticas se inspiram, por um lado, em técnicas de motivação; mas também correspondem a uma mentalidade que absolutiza o sucesso profissional perante qualquer outra dimensão da existência. Busca-se fomentar uma atitude em que o compromisso com a empresa ou com a equipe de trabalho esteja acima de qualquer outro interesse. E as pessoas com vocação profissional, que querem fazer bem seu trabalho, são particularmente suscetíveis a esse enfoque. São Josemaria, mestre de santificação do trabalho, advertia para o perigo de trocar a ordem das aspirações.

Interessa que te afanes, que metas ombros... Seja como for, coloca os afazeres profissionais no seu lugar: constituem exclusivamente meios para chegar
ao fim; nunca se podem tomar, nem de longe, como o fundamental.

Quantas «profissionalites» impedem a união com Deus!290

Os meios usados para reclamar essa exclusividade não costumam consistir em rígidas imposições, mas antes em fazer entender que a estima, a consideração e as possibilidades futuras de uma pessoa dependem de sua disponibilidade incondicionada. Desse modo, as pessoas são incentivadas a passar o maior número possível de horas na empresa, renunciando mesmo ao fim de semana e aos períodos de descanso – habitualmente dedicados à família, ao cultivo de amizades, etc. –, mesmo quando não existe uma necessidade real para isso. Essas e outras formas de demonstrar a máxima disponibilidade costumam ser estimuladas com gratificações ou com benefícios que permitem acesso a um alto status social: hotéis e ambientes exclusivos em viagens por motivos de trabalho, presentes... Pelo contrário, qualquer limitação da disponibilidade é vista como um perigoso desvio da «mentalidade de equipe». O grupo de trabalho ou a empresa pretendem assim absorver a totalidade das energias, e qualquer outro compromisso deve submeter-se sempre aos do trabalho. Não é difícil que essas circunstâncias torçam a retidão de intenção de uma pessoa, que pode começar a pensar que toda essa atividade faz parte do prestígio profissional conveniente para o apostolado. São Josemaria prevenia
contra os possíveis falsos raciocínios nesse sentido:

Uma preocupação impaciente e desordenada por subir profissionalmente pode disfarçar o amor próprio sob o pretexto de «servir as almas». Com falsidade – não tiro uma letra –, forjamos a justificativa de que não devemos desaproveitar certas conjunturas, certas circunstâncias favoráveis...291

Quando não se cultivam a fortaleza e a temperança necessárias para manter as aspirações profissionais dentro de uma ordem que permita orientá-las ao amor de Deus, não é difícil imaginar as consequências. Basta pensar nas crises que se produzem na vida familiar quando o pai ou a mãe não querem estabelecer pausas no trabalho mesmo quando possível, e regateiam a necessária dedicação de tempo e energias ao lar; ou o esfriamento na relação com Deus quando o plano de vida espiritual não é posto em primeiro lugar; ou a languidez do apostolado de amizade e de confidência quando a atenção às pessoas se vê habitualmente como um estorvo para os compromissos profissionais.

A atitude de quem se deixa seduzir pelo êxito humano – muito distinto do prestígio profissional que é o anzol do apóstolo – impossibilita a unidade de vida cristã. A profissão deixa de estar integrada no conjunto das atividades segundo a ordem da caridade, que inclui atender a outros deveres espirituais, familiares e sociais. O que realmente deve interessar a um filho de Deus é cumprir a vontade de seu Pai, procurando trabalhar em sua presença amorosa. É isso que dá sentido a tudo, e é o que deve nos mover a trabalhar e a descansar, a fazer isto ou aquilo; o que nos dá paz e alegria. Para cristianizar os ambientes profissionais é preciso maturidade humana e sobrenatural, um prestígio profissional cristão que não se reduz à mera produtividade.

Nós, os filhos de Deus, fomos libertados por Cristo na Cruz. Podemos aceitar essa libertação ou rechaçá-la. Se a acolhemos com nossa correspondência, viveremos livres da escravidão da opinião dos outros, da tirania das nossas paixões, e de qualquer pressão que pretenda dobrar nosso coração para que sirvamos a senhores distintos do nosso Pai Deus.

Com frequência será necessária uma boa dose de fortaleza para dizer não a propostas profissionais que sabemos sinceramente que não estariam em nosso caminho pessoal de santificação e de apostolado, ainda que possam estar no de outro. Mas não há receitas para isso. A ação prudente num assunto de tanta importância requer uma vida interior sólida, um desejo firme de dar glória a Deus, e a atitude humilde, vigilante e aberta de deixar-se aconselhar.

 

O final de uma etapa, o começo de outra

 

Outra fase que tem as suas exigências específicas é o momento da aposentadoria. Essa mudança da condição de vida requer uma adaptação de muitos aspectos práticos e, sobretudo, um espírito jovem, disposto a buscar e realizar o que Deus quer nessa nova etapa da vida.

É um bom começo para voltar a meditar sobre o significado da santificação do trabalho, começando pelo primeiro requisito, o de trabalhar, precisamente numa situação em que as circunstâncias não obrigam como antes. Põe-se em primeiro plano que o motivo para trabalhar não é só a necessidade, mas sim o amor a Deus, que nos criou para que trabalhemos enquanto possamos.

É uma ocasião esplêndida para pensar em como ser úteis ao Senhor e aos outros, com um renovado espírito de serviço, mais sereno e mais reto, em tantas coisas pequenas ou em grandes iniciativas. As possibilidades são variadíssimas. Há aqueles que, durante um tempo, mantém a atividade profissional anterior, preparando as pessoas que terão de substituí-los. Outros passam a atividades de caráter assistencial, de grande valor: atenção aos enfermos, apoio a centros educativos ou formativos que necessitam de pessoas com experiência e possibilidade de dedicação de tempo. Outros aproveitam a ocasião para exercitar capacidades que antes só puderam desenvolver superficialmente: colaboram em atividades culturais que possam ser realizadas pela internet; intervêm na formação da opinião pública; estimulam associações familiares e culturais; promovem grupos de telespectadores ou de consumidores que melhoram a sociedade... Em todo caso, essas atividades devem ser realizadas de modo profissional, com a mentalidade de competência que se teve até então e que agora tem de continuar se manifestando na perfeição com que o novo trabalho é levado a cabo: na preparação que se procura adquirir para realizá-lo, na seriedade com que se respeitam o horário e todos os compromissos assumidos.

Os horizontes apostólicos dessa etapa da vida são muito amplos. A passagem a uma situação de maior liberdade na organização do tempo não deve abrir margem para o aburguesamento. Tudo tem de estar empapado de afã apostólico. As ocasiões de entrar em contato com outras pessoas podem ser, nessas novas circunstâncias, muito maiores do que antes, abrindo-se inclusive a oportunidade de um labor apostólico com jovens – não só colaborando com alguma iniciativa, mas criando-a: um clube, umas atividades de formação que permitam dar vazão ao espírito cristão dentro de si.

«O espírito humano, participando do envelhecimento do corpo, em certo sentido permanece sempre jovem se vive orientado em direção ao eterno»292. São Josemaria, nos últimos anos de sua vida na terra, quando as forças físicas minguavam, não deixou de empreender projetos cheios de audácia, como o Santuário de Torreciudad293. Era igualmente surpreendente o exemplo de São João Paulo II, que promoveu numerosas iniciativas de evangelização, uma mais audaz que a outra, com força e vigor, não obstante a enfermidade que o acompanhou durante anos, até a sua morte santa.

Dele mesmo se pode dizer essas suas palavras, com as quais nos convida a ter em grande estima a última parte da vida: «Todos conhecemos exemplos eloquentes de anciãos com uma surpreendente juventude e vigor de espírito...»294.

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