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3 Um motivo sobrenatural | Trabalhar bem, trabalhar por amor (v2)

Um motivo sobrenatural

 

A mensagem que Deus fez São Josemaria ver no dia 2 de outubro de 1928 «recolhe a formosíssima realidade – esquecida durante séculos por muitos cristãos – de que qualquer trabalho humanamente digno e nobre se pode converter em tarefa divina»5.

Muitas pessoas deram uma guinada em suas vidas ao conhecer essa doutrina, às vezes apenas por ouvir falar da santificação do trabalho. Homens e mulheres que trabalhavam com horizontes terrenos, de duas dimensões, entusiasmam-se ao saber que sua tarefa profissional pode adquirir uma terceira dimensão, transcendente, que dá relevo de eternidade à vida cotidiana. Como não pensar no gozo daquele personagem do Evangelho que ao encontrar um tesouro escondido no campo, foi e vendeu tudo o que tinha para comprar aquele campo (Mt 13, 44)?

O Espírito Santo fez com que São Josemaria descobrisse esse tesouro nas páginas do Evangelho, especialmente nos longos anos de Jesus em Nazaré. «Anos de sombra, mas, para nós, claros como a luz do Sol»6, porque:

Esses anos ocultos do Senhor não são coisa sem significado, ou uma simples preparação dos anos que viriam depois, os anos da sua vida pública. Desde 1928, compreendi claramente que Deus desejava que os cristãos tomassem por exemplo toda a vida do Senhor. Entendi especialmente a sua vida escondida, a sua vida de trabalho comum entre os homens7.

Graças a essa luz de Deus, o Fundador do Opus Dei ensinou constantemente que o trabalho profissional é uma realidade santificável e santificadora. Verdade simples e grandiosa que o Magistério da Igreja ratificou no Concílio Vaticano II8, e recolheu depois no Catecismo, onde se afirma que «O trabalho pode ser um meio de santificação e uma animação das realidades terrenas no Espírito de Cristo»9.

«Com sobrenatural intuição» – são palavras de São João Paulo II – «o Beato Josemaria pregou incansavelmente a chamada universal à santidade e ao apostolado. Cristo convoca todos a santificar-se na realidade da vida cotidiana; por isso, o trabalho é também meio de santificação pessoal e de apostolado quando se vive em união com Jesus Cristo»10.

São Josemaria foi o instrumento de Deus para difundir esta doutrina, abrindo, a uma multidão de cristãos, perspectivas imensas de santidade e de santificação da sociedade humana desde dentro, ou seja, desde a estrutura mesma das relações profissionais que a configuram.

Esta semente dará os frutos que o Senhor espera, se houver cristãos decididos a empenhar-se o necessário para compreendê-la e levá-la à prática com a ajuda de Deus, porque a santificação do trabalho não é só uma ideia que basta explicar para que se entenda; é um ideal que se tem de buscar e conquistar por amor a Deus, conduzidos pela sua graça.

 

Sentido do trabalho

 

Desde o começo da Sagrada Escritura, no livro do Gênesis, revela-se o sentido do trabalho. Deus, que fez boas todas as coisas, «quis livremente criar um mundo “em estado de caminho” para a perfeição última»11, e criou o homem ut operaretur (Gen 2, 15)12, para que com seu trabalho «prolongasse de certo modo a obra criadora e alcançasse a sua própria perfeição»13. O trabalho é vocação do homem. «Estamos chamados ao trabalho desde a nossa criação»14.

A grandeza do trabalho humano era ignorada no mundo antigo. Bento XVI fez notar que:

O mundo greco-romano desconhecia um Deus- -Criador; na sua concepção, a divindade suprema não podia, por assim dizer, sujar as próprias mãos com a criação da matéria. «Construir» o mundo estava reservado ao demiurgo, uma divindade subordinada. Bem distinto é o Deus cristão: Ele, o Uno, o verdadeiro e único Deus, é também o Criador. Deus trabalha; continua a trabalhar na e sobre a história dos homens. Em Cristo, entra como Pessoa no trabalho cansativo da história [...]. Assim o trabalho dos homens deveria aparecer como uma expressão particular da sua semelhança com Deus e, deste modo, o homem tem a faculdade e pode participar no agir de Deus na criação do mundo15.

Como consequência do pecado, o trabalho está acompanhado de fadiga e muitas vezes de dor (cf. Gen 3, 18-19). Mas, ao assumir a nossa natureza para nos salvar, Jesus Cristo transformou o cansaço e as dificuldades em meios para manifestar o amor e a obediência à Vontade divina, e reparar a desobediência do pecado.

Assim viveu Jesus durante seis lustros: era fabri filius (Mt 13, 55), o filho do carpinteiro. [...] Era o faber, filius Mariae, o carpinteiro, filho de Maria. E era Deus; e estava realizando a redenção do gênero humano; e estava a atrair a si todas as coisas (Jo 12, 32)16.

Junto a essa realidade do trabalho de Jesus Cristo, que nos mostra a plenitude de seu sentido, temos que considerar que, por graça sobrenatural, somos filhos de Deus e formamos uma só coisa com Jesus Cristo, como a cabeça com o corpo. Sua vida sobrenatural é vida nossa, e participamos também de seu sacerdócio para ser corredentores com Ele.

Essa profunda união do cristão com Cristo ilumina o sentido de todas as nossas atividades e, em particular, do trabalho. Nos ensinamentos de São Josemaria, o fundamento da santificação do trabalho é o sentido da filiação divina, a consciência de que «Cristo quer encarnar-se nos nossos afazeres»17.

A visão cristã do sentido do trabalho se compendia nas seguintes palavras:

O trabalho acompanha inevitavelmente a vida do homem sobre a terra. Com ele aparecem o esforço, a fadiga, o cansaço: manifestações da dor e da luta que fazem parte da nossa existência humana atual, e que são sinais da realidade do pecado e da necessidade da redenção. Mas o trabalho em si mesmo não é uma pena, nem uma maldição ou castigo; aqueles que falam assim não leram bem a Sagrada Escritura. [...]

O trabalho, todo trabalho, é testemunho da dignidade do homem, de seu domínio sobre a criação; é meio de desenvolvimento da própria personalidade; é vínculo de união com os demais seres; fonte de recursos para o sustento da família; meio de contribuir para o progresso da sociedade em que se vive e para o progresso de toda a humanidade.

Para um cristão, essas perspectivas se alongam e se ampliam, porque o trabalho aparece como participação na obra criadora de Deus [...]. E porque, além disso, ao ser assumido por Cristo, o trabalho se nos apresenta como realidade redimida e redentora: não é apenas a esfera em que o homem se desenvolve, mas também meio e caminho de santidade, realidade santificável e santificadora18.

 

Santificar a atividade de trabalhar

 

Uma expressão que saía com frequência dos lábios
de São Josemaria nos introduz no esplêndido panorama da santidade e do apostolado no exercício de um trabalho profissional:

Para a grande maioria dos homens, ser santo significa santificar o seu trabalho, santificar-se no trabalho e santificar os outros com o trabalho19.

São três aspectos de uma mesma realidade, inseparáveis e ordenados entre si. O primeiro é santificar – fazer santo – o trabalho, a atividade de trabalhar. Santificar o trabalho é fazer santa essa atividade, fazer santo o ato da pessoa que trabalha.

Disso dependem dois outros aspectos, porque o trabalho santificado é também santificador: santifica-nos a nós mesmos, e é meio para a santificação dos outros e para empapar a sociedade de espírito cristão. Convém, pois, que nos detenhamos a considerar o primeiro ponto: o que significa fazer santo o trabalho profissional.

Um ato nosso é santo quando é um ato de amor a Deus e aos outros por Deus: um ato de amor sobrenatural – de caridade –, que pressupõe, nesta terra, a fé e a esperança. Um ato assim é santo porque a caridade é a participação na infinita Caridade, que é o Espírito Santo20, o Amor subsistente do Pai e do Filho, de tal maneira que um ato de caridade é um tomar parte na vida sobrenatural da Santíssima Trindade: é tomar parte na santidade de Deus.

No caso do trabalho profissional, é necessário ter em conta que a atividade de trabalhar tem por objeto as realidades deste mundo – cultivar um campo, pesquisar uma ciência, oferecer serviços... – e que, para ser humanamente boa e santificável, precisa ser exercício de virtudes humanas. Mas isso não basta para que a atividade seja santa.

O trabalho é santificado quando é realizado por amor a Deus, para lhe dar glória – e, em consequência, como Deus quer, cumprindo a sua vontade: praticando as virtudes cristãs informadas pela caridade –, para oferecê-lo a
Deus em união com Cristo, já que «por Cristo, com Cristo e em Cristo, a Vós, Deus Pai todo poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda a honra e toda a glória»
21.

«Põe um motivo sobrenatural na tua atividade profissional de cada dia, e terás santificado o trabalho»22. Com essas breves palavras, o fundador do Opus Dei mostra a chave da santificação do trabalho. A atividade humana de trabalhar se santifica quando se leva a cabo por um motivo sobrenatural: por amor a Deus.

O ponto decisivo não é, portanto, que o nosso trabalho saia bem, mas sim que trabalhemos por amor a Deus, já que é isso que Ele busca em nós: Deus olha o coração (cf. 1 Sam 16, 7). A chave é o motivo sobrenatural, a finalidade última, a retidão de intenção, a realização do trabalho por amor a Deus e para servir às outras pessoas por Deus. «Eleva-se assim o trabalho à ordem da graça, santifica-se, converte-se em obra de Deus, operatio Dei, Opus Dei»23.

 

Qualidades do motivo sobrenatural

 

O motivo sobrenatural é sincero se influi eficaz e radicalmente no modo de trabalhar, levando-nos a cumprir a nossa tarefa com perfeição, como Deus quer, dentro das nossas limitações pessoais, com as quais Ele conta.

O motivo sobrenatural que torna o trabalho santo não é algo que simplesmente se justapõe à atividade profissional; é, antes, um amor a Deus e aos outros por Deus que influi radicalmente na atividade em si, estimulando a realizá-la bem, com competência e perfeição porque:

Não podemos oferecer ao Senhor uma coisa que, dentro das pobres limitações humanas, não seja perfeita, sem mancha, realizada com atenção até nos mínimos detalhes: Deus não aceita trabalhos «marretados». Não apresentareis nada de defeituoso, admoesta-nos a Escritura Santa, pois não seria digno dEle. Por isso o trabalho de cada qual – essa atividade que ocupa as nossas jornadas e energias – há de ser uma oferenda digna aos olhos do Criador, operatio Dei, trabalho de Deus e para Deus; numa palavra, uma tarefa acabada, impecável24.

Uma «boa intenção» que não nos levasse a trabalhar bem não seria uma intenção boa, não seria amor a Deus. Seria uma intenção ineficaz e oca, um desejo débil, que não chega a superar o obstáculo da preguiça ou da comodidade. O verdadeiro amor se plasma no trabalho bem feito.

Dar um motivo sobrenatural ao trabalho também não é acrescentar algo «santo» à atividade de trabalho bem-feita. Não basta recitar uma oração enquanto se trabalha para santificar o trabalho, embora essa oração – quando é possível fazê-la – seja sinal de que se trabalha por amor a Deus e meio para crescer nesse amor. Mais ainda: para santificar o trabalho dando-lhe um motivo sobrenatural, é imprescindível buscar a presença de Deus, e muitas vezes isso se concretiza em pequenos atos de amor, em orações e jaculatórias, seja por ocasião de uma pausa ou de outras circunstâncias que ditam o ritmo do trabalho. Para isso são de grande ajuda os expedientes humanos25.

Mas vale a pena insistir em que não se deve parar por aí, porque santificar o trabalho não consiste essencialmente em realizar algo santo enquanto se trabalha, mas sim em tornar santo o próprio trabalho. E isso se alcança dando-lhe um motivo sobrenatural, que configura essa atividade e a impregna tão profundamente que a converte num ato de fé, esperança e caridade; e que também mobiliza as virtudes humanas, a fim de que se possa levar a cabo o trabalho com perfeição moral para então o oferecer a Deus. É assim que o trabalho se transforma em oração: uma oração que aspira a ser contemplação.

 

A dignidade do trabalho depende de quem o realiza

 

Outra consequência importante de a raiz da santificação do trabalho estar no motivo sobrenatural é a de que todo trabalho profissional é santificável, desde o mais brilhante ante os olhos humanos até o mais humilde, pois a santificação não depende do tipo de trabalho, mas sim do amor a Deus com que se realiza. Basta pensar nos trabalhos de Jesus, Maria e José em Nazaré: tarefas correntes, ordinárias, semelhantes às de milhões de pessoas, mas realizadas com o mais alto e pleno amor.

«A dignidade do trabalho depende não tanto do que se faz, quanto de quem o executa, o homem, que é um ser espiritual, inteligente e livre»26. O maior ou menor valor do trabalho deriva da sua bondade enquanto ação espiritual e livre, ou seja: do amor que escolhe seu fim, que é ato próprio da liberdade.

Convém não esquecer, portanto, que esta dignidade do trabalho se baseia no Amor. O grande privilégio do homem é poder amar, transcendendo assim o efêmero e o transitório. O homem pode amar as outras criaturas, dizer um «tu» e um «eu» cheios de sentido. E pode amar a Deus, que nos abre as portas do céu, que nos constitui membros da sua família, que nos autoriza a falar-lhe também de tu a Tu, face a face. Por isso, o homem não se deve limitar a fazer coisas, a construir objetos. O trabalho nasce do amor, manifesta o amor, orienta-se para o amor27.

O amor a Deus faz grandes as coisas pequenas: os detalhes de ordem, de pontualidade, de serviço ou de amabilidade, que contribuem para a perfeição do trabalho. «Fazei tudo por amor. – Assim não há coisas pequenas: tudo é grande. – A perseverança nas coisas pequenas, por Amor, é heroísmo»28.

Quem compreende que o valor santificador do trabalho depende essencialmente do amor a Deus com que é realizado, e não do seu relevo social e humano, terá em alta conta esses detalhes, especialmente os que passam despercebidos aos olhos dos outros, porque só Deus os vê.

Pelo contrário, trabalhar por motivos egoístas – como o desejo de autoafirmação, de brilho, de realizar sobretudo os próprios projetos e gostos –; trabalhar por ambição de prestígio, por vaidade, por poder; trabalhar com o dinheiro como meta suprema: tudo isso leva a pessoa a cuidar somente das aparências e impede radicalmente a santificação do trabalho, porque equivale a oferecê-lo ao ídolo do amor-próprio.

Esses motivos se apresentam poucas vezes em estado puro, mas podem conviver com intenções nobres e inclusive sobrenaturais, permanecendo latentes – quiçá durante um longo tempo – como os acúmulos de lama no fundo da água limpa. Seria uma imprudência ignorá-los, porque a qualquer momento – talvez por ocasião de uma dificuldade, uma humilhação ou um fracasso profissional – podem turvar toda a conduta. É necessário detectar esses motivos egoístas, reconhecê-los sinceramente e combatê-los, purificando a intenção com oração e sacrifício, com humildade e serviço generoso aos demais.

Convém voltar o olhar uma e outra vez ao trabalho de Jesus nos anos da sua vida oculta, para aprender a santificar a nossa tarefa.

Senhor, concede-nos a tua graça. Abre-nos a porta da oficina de Nazaré, para que aprendamos a contemplar-te, com a tua Mãe Santa Maria e com o Santo Patriarca José – a quem tanto amo e venero –, dedicados os três a uma vida de trabalho santo. Comover-se-ão os nossos pobres corações, iremos à tua procura e te encontraremos no trabalho cotidiano, que Tu desejas que convertamos em obra de Deus, em obra de Amor29.

 

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