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10 Trabalhar por amor | Trabalhar bem, trabalhar por amor (v2)

Trabalhar por amor

 

«O homem não deve limitar-se a fazer coisas, a construir objetos. O trabalho nasce do amor, manifesta o amor, ordena-se para o amor»158. Ao ler essas palavras de São Josemaria, é possível que dentro de nossas almas surjam algumas perguntas que abram caminho a um diálogo sincero com Deus: Por que eu trabalho? Como é o meu trabalho? O que pretendo ou busco com meu trabalho profissional? É hora de recordar que o fim da nossa vida não é fazer coisas, mas sim amar a Deus. «A santidade não consiste em fazer coisas cada dia mais difíceis, mas sim em fazê-las a cada dia com mais amor»159.

Muita gente trabalha – e trabalha muito –, mas não santifica seu trabalho. Fazem coisas, constroem objetos, buscam resultados, pelo sentido do dever, para ganhar dinheiro, por ambição; algumas vezes triunfam e outras fracassam; ficam alegres ou tristes; sentem interesse e paixão pela sua tarefa ou decepção e fastio; têm satisfações e também inquietações, temores e preocupações; uns se deixam levar pela inclinação à atividade, outros pela preguiça...

Tudo isso pertence ao mesmo plano: o plano da natureza humana ferida pelas consequências do pecado, com seus conflitos e contrastes, como um labirinto pelo qual deambula o homem que vive segundo a carne, nas palavras de São Paulo – o animalis homo –, preso num ir daqui para ali, sem encontrar o caminho da liberdade e do sentido. Mas há outra possibilidade, de que também fala São Paulo: a vida segundo o Espírito, que é a vida dos filhos de Deus que se deixam guiar pelo Amor (cf. Gal 5, 16.18.22; Rom 8, 14).

 

O trabalho nasce do amor

 

O que significa para um cristão que «o trabalho nasce do amor, manifesta o amor, ordena-se ao amor»160? Primeiro convém considerar a que amor se refere São Josemaria. Existe o chamado amor de concupiscência, que consiste em amar algo com o fim de satisfazer o próprio gosto sensível ou o desejo de prazer. Não é desse amor que nasce, em última análise, o trabalho de um filho de Deus, ainda que muitas vezes ele trabalhe com gosto e seja apaixonado por sua tarefa profissional.

Um cristão não deve trabalhar apenas ou principalmente quando sentir vontade ou quando tudo correr bem. O seu trabalho nasce de outro amor, mais alto: o amor de benevolência, que busca diretamente o bem da pessoa amada, não o próprio interesse. Se o amor de benevolência é mútuo, o chamamos de amizade161, e esta é tão maior quanto mais exista disposição de não apenas dar algo ao amigo, mas de entregar-se a si mesmo pelo bem do amigo. Ninguém tem maior amor que o de dar a vida pelos seus amigos (Jo 15, 13).

Nós, os cristãos, podemos amar a Deus com amor de amizade sobrenatural, porque Ele nos fez seus filhos e quer que O tratemos com confiança filial, e vejamos os seus outros filhos como irmãos. É a esse amor que se refere São Josemaria quando escreve que «o trabalho nasce do amor»: é o amor dos filhos de Deus que são amigos de Deus, o amor sobrenatural a Deus e aos outros por Deus: a caridade que foi derramada em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rom 5, 5).

Querer o bem de uma pessoa nem sempre significa ser complacente com a sua vontade. Pode acontecer de ela querer algo que não seja um bem – isso acontece, por exemplo, com as mães, que não dão aos filhos algo que lhes possa fazer mal, por mais que peçam. Em contrapartida, amar a Deus é sempre querer a sua Vontade, porque a Vontade de Deus é o bem.

Por isso, para um cristão, o trabalho nasce do amor a Deus, já que o amor filial nos leva a cumprir a Sua Vontade divina, e a Vontade divina é que trabalhemos (cf. Gen 2, 15; 3, 23; Mc 6, 3; 2 Tess 3, 6-12). Dizia São Josemaria que «se queremos de verdade santificar o trabalho, é preciso que cumpramos ineludivelmente a primeira condição: trabalhar»162. Ele mesmo queria trabalhar como um burrico de nora, por amor a Deus, que abençoou a sua generosidade com inumeráveis frutos de santidade em todo o mundo.

Cumprir essa condição básica e necessária equivale a «trabalhar tanto quanto Deus quiser», nem mais nem menos. A atividade de trabalhar é objeto de uma virtude moral, a laboriosidade, que marca a «justa medida» – a excelência, que é a virtude – entre trabalhar pouco ou nada, deixando-se dominar pela preguiça, e trabalhar em excesso, descuidando outros deveres que se deviam atender.

Para quem deseja santificar o trabalho, a preguiça é «a primeira frente em que se deve lutar»163. No extremo oposto, a laboriosidade se deforma quando não se põem os devidos limites ao trabalho, exigidos pelo necessário descanso ou pela atenção à família e a outras relações que se hão de cuidar. Como já vimos, São Josemaria avisa contra o perigo de uma dedicação desmedida ao trabalho: a «profissionalite», como chama esse defeito para dar a entender que se trata de uma espécie de inflamação patológica da atividade profissional.

Rechaçai a excessiva profissionalite, quer dizer, o apego sem medida ao próprio trabalho profissional, que chega a se transformar num fetiche, num fim, deixando de ser um meio164.

 

O trabalho manifesta o amor

 

O trabalho de um cristão manifesta o amor, não só porque o amor a Deus o leva a trabalhar, como consideramos, mas também porque o leva a trabalhar bem, porque Deus quer. O trabalho humano é, com efeito, participação na sua obra criadora165, e Ele – que criou tudo por Amor – quis que suas obras fossem perfeitas166, e que nós o imitássemos em seu modo de agir.

Modelo perfeito de trabalho humano é o realizado por Cristo, de quem se diz no Evangelho que fez tudo bem (Mc 7, 37). Essas palavras de louvor, que brotaram espontâneas ao contemplar seus milagres, operados em virtude de sua divindade, podem se aplicar também – assim o faz São Josemaria – ao trabalho de Jesus na oficina de Nazaré, realizado em virtude de sua humanidade. Era um trabalho cumprido por Amor ao Pai e a nós. Um trabalho que manifestava esse Amor através da perfeição com que estava feito. Não se trata apenas de perfeição técnica, mas fundamentalmente de perfeição moral, humana: perfeição de todas as virtudes que o amor pode pôr em exercício, dando-lhes um tom inconfundível: o tom da felicidade de um coração cheio de Amor que arde com o desejo de entregar a vida.

A tarefa profissional de um cristão manifesta o amor a Deus quando está bem-feita. Não importa que o resultado saia bem, mas sim que se tenha tentado trabalhar do melhor modo possível, empenhando as virtudes e empregando os meios disponíveis nas circunstâncias concretas. «Para um católico, trabalhar não é cumprir, é amar!; e exceder-se com muito gosto, e sempre, no dever e no sacrifício»167.

Realizai, pois, vosso trabalho sabendo que Deus vos contempla: laborem manuum mearum respexit Deus (Gen 31, 42). Tem de ser a nossa, portanto, uma tarefa santa e digna dEle: não só acabada até o detalhe, mas sim levada a cabo com retidão moral, com hombridade, com nobreza, com lealdade, com justiça168.

O motivo para trabalhar bem, em última análise, é que «não podemos oferecer ao Senhor uma coisa que, dentro das pobres limitações humanas, não seja perfeita, sem mancha, realizada com atenção até nos mínimos detalhes: Deus não aceita trabalhos “marretados”»169.

Se uma pessoa oferece, voluntariamente, uma tarefa malfeita a Deus e, mais tarde, se corrige e passa a trabalhar bem para oferecer o melhor, podemos dizer que entre o primeiro e o segundo trabalhos há tanta diferença como entre o sacrifício de Caim e de Abel. Deus aceitou a oferenda deste último, enquanto recusou a do primeiro.

O amor a Deus se manifesta sempre, de um modo ou de outro, na atividade profissional de quem trabalha para agradá-lO. Talvez não seja suficiente simplesmente observar várias pessoas realizando a mesma atividade para captar o motivo pelo qual cada uma faz o que faz. Mas seria difícil que um olhar com mais atenção aos detalhes e ao conjunto da atitude de cada trabalhador – não só os aspectos técnicos, mas também o relacionamento com os colegas, o espírito de serviço, o modo de viver a lealdade, a alegria e as outras virtudes – deixasse de notar o bonus odor Christi (2 Cor 2, 15): o aroma do amor de Cristo que as ações de algum deles exalam.

Como não notar, por exemplo, que a justiça está informada pela caridade, e que não é a simples equidade dura e seca? Como não distinguir a honradez por amor a Deus do decoro por medo de ter uma falta descoberta, da simples busca por ficar bem ante os demais, ou da afirmação de si mesmo? Ou como não perceber o amor a Deus no sacrifício que requer o serviço ao próximo, na ajuda generosa inexplicável a partir de cálculos humanos?

Se o trabalho não manifesta o amor a Deus, talvez o fogo esteja se apagando. Se não é possível notar o calor, se depois de um certo tempo de convivência diária os colegas de profissão não sabem se têm a seu lado um cristão cabal ou só um homem decente e cumpridor, então talvez o sal se tenha tornado insípido (cf. Mt 5, 13). O amor a Deus não necessita de etiquetas para se dar a conhecer. É contagioso, é difusivo por si mesmo. Vale a pena examinar-se: o meu trabalho manifesta o amor a Deus? Quanta oração pode brotar dessa pergunta!

 

O trabalho se ordena ao amor

 

Ponhamos o Senhor como fim de todos os nossos trabalhos, que temos de fazer non quasi hominibus placentes, sed Deo qui probat corda nostra (1 Tess 2, 4), não para agradar aos homens, mas sim a Deus que sonda nossos corações170.

Ainda que São Josemaria mencione esse aspecto (a finalidade do trabalho) em terceiro lugar – depois de dizer que o trabalho nasce do amor e que manifesta o amor –, é ele o motor que move os outros dois aspectos, porque ordenar o trabalho ao amor de Deus não é uma finalidade justaposta ao trabalho, mas sim a causa final conscientemente assumida que nos leva a trabalhar e a trabalhar bem.

Convém perguntar-nos com frequência por que trabalhamos: por amor a Deus ou por amor próprio? Pode parecer que existam outras possibilidades, como trabalhar por costume, ou para ficar bem, ou por necessidade... Isso é um indício, porém, de que não fomos a fundo no exame, porque esses motivos não podem ser a resposta definitiva. Também precisamos nos alimentar por necessidade, para viver, e ainda assim perguntamos: Para que queremos viver? Para a glória de Deus ou para a própria glória? O mesmo vale para o trabalho. Não há mais alternativas. Por isso São Josemaria exorta: «Trabalhai de frente para Deus, sem ambicionar glória humana» e, a seguir, faz notar que «alguns veem no trabalho um meio para adquirir poder ou riqueza que satisfaça sua ambição pessoal, ou para sentir orgulho da própria capacidade de trabalhar»171.

Quem se examina sinceramente, pedindo luzes a Deus, descobrirá onde pôs o seu coração ao realizar as tarefas profissionais. E disso depende, em última análise, o valor do seu agir. No final dos tempos – ensina Jesus – dois estarão no campo: um é elevado, e outro é deixado; duas moendo num moinho: uma é elevada, e outra é deixada (Mt 24, 40-41). Realizavam o mesmo trabalho, mas não tinham o mesmo no coração, e o seu destino foi diferente.

«Põe um motivo sobrenatural em teu ordinário labor profissional, e terás santificado o trabalho»172. Essas palavras compendiam todos os aspectos anteriores. Pôr um motivo sobrenatural é o mesmo que ordenar o trabalho ao amor de Deus e dos outros por Deus, o que equivale a converter o trabalho em oração.

É necessário considerar também que um trabalho ordenado ao amor de Deus é um ato que deixa uma marca profunda em quem o realiza. Trabalhar por amor faz crescer no amor, na caridade que é a essência da santidade. O trabalho realizado por amor nos santifica, porque ao trabalhar assim dilatamos a capacidade de receber o amor que o Espírito Santo derrama em nossos corações. É, definitivamente, um trabalho que nos faz crescer como filhos de Deus.

Quando o trabalho se ordena ao amor, ele nos identifica com Cristo, perfectus Deus, perfectus homo173, perfeito Deus e perfeito homem. Vale notar que este terceiro aspecto encerra o anterior, ao que já nos referimos. Porque trabalhar por amor a Deus e aos outros por Deus demanda o exercício das virtudes cristãs. Antes de mais nada, a fé e a esperança, pressupostas e vivificadas pela caridade. E depois as virtudes humanas, pelas quais a caridade opera e se desenvolve. A tarefa profissional, se realizada por amor, converte-se em ginásio onde se exercitam as outras virtudes humanas e sobrenaturais: a laboriosidade, a ordem, o aproveitamento do tempo, a fortaleza, o cuidado das coisas pequenas... e tantos detalhes de atenção ao próximo, que são manifestações de uma caridade sincera e delicada174. E essa prática das virtudes humanas é imprescindível para sermos contemplativos no meio do mundo.

«Contemplo porque trabalho; e trabalho porque contemplo»175, comentava São Josemaria numa ocasião. O amor e o conhecimento de Deus – a contemplação –
levavam-no a trabalhar, e por isso afirma «trabalho porque contemplo»; e esse trabalho se convertia em meio de santificação e de contemplação: «contemplo porque trabalho».

É como um movimento circular – da contemplação ao trabalho, e do trabalho à contemplação – que se vai estreitando cada vez mais em torno a seu centro, Cristo, que nos atrai em sua direção e conosco todas as coisas, para que por Ele, com Ele, e nEle sejam dados toda honra e toda glória na unidade do Espírito Santo176.

A realidade de que o trabalho de um filho de Deus ordena-se ao amor e por isso santifica é o motivo profundo pelo qual não se pode falar, sob a perspectiva da santidade – que é, afinal, a que conta –, de profissões de maior ou menor valor.

Esta dignidade do trabalho se baseia no Amor177. Todos os trabalhos podem ter a mesma qualidade sobrenatural. Não há tarefas grandes e pequenas: todas são grandes, se se fazem por amor. As que são tidas como tarefas de grande importância ficam diminuídas quando se perde o sentido cristão da vida178.

Se faltasse a caridade, o trabalho perderia seu valor diante de Deus, por mais brilhante que fosse perante os homens. Ainda que conhecesse todos os mistérios e toda a ciência [...], se não tenho caridade, nada sou (1 Cor 13, 2), escreve São Paulo. O que importa é «o empenho por fazer à maneira divina as coisas humanas, grandes ou pequenas, porque, pelo Amor, todas elas adquirem uma nova dimensão»179.

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