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“Se adoece o filho, Santo Antônio; se manda uma encomenda, Santo Antônio; se espera pelo retorno, Santo Antônio; se precisa de um despacho, Santo Antônio; se aguarda a sentença, Santo Antônio; se perdeu a menor miudeza em casa, Santo Antônio; e, talvez, se quiser os bens alheios, Santo Antônio.”
Atribui-se a frase acima a seu homônimo e conterrâneo de Lisboa: o padre jesuíta Antônio Vieira (1608-1697), considerado grande orador da Igreja. O comentário ilustra bem o caráter assumido por Santo Antônio junto aos devotos. Tamanha seria sua eficiência que ele se tornou um santo coringa, daqueles que são chamados para resolver qualquer problema.
Mas se é para falar de milagres – com a facultada ressalva de que neles acredita quem quiser, com o necessário comentário de que muitos fenômenos à época desconhecidos pela ciência acabavam entendidos como obra divina, com a pertinente sabedoria de compreendermos tais relatos em um longínquo contexto –, cumpre relatar aqueles que foram os primeiros oficialmente reconhecidos pela Igreja. Os milagres que, de acordo com o seu mais antigo biógrafo, foram incluídos no processo de canonização do agora Santo Antônio – e que, portanto, ele achou por bem “anotar sucintamente” para “promover a devoção dos fiéis”. As aspas nos 53 pequenos relatos são de trechos da Legenda assídua.
Os milagres foram organizados por temas. Primeiro, os relacionados a paralisias e outras dificuldades de locomoção – mazelas que constituem a maior parte dos relatos. Conta-se que logo após o corpo de Santo Antônio ter sido sepultado, com as referidas honras, em Santa Maria, foi até ali uma mulher de nome Cuniza, que usava muletas há mais de um ano por sofrer de anomalia na coluna – a qual a deixava com aparência “tão horrenda e tão deploravelmente deformada que nunca mais poderia caminhar senão com o apoio de muletas”.
Admiradora da história de Antônio e conhecedora dos seus milagrosos relatos, Cuniza ajoelhou-se, com dificuldades, sobre o túmulo e ali rezou com muita fé. De imediato, seu dorso voltou ao normal e, “postas de lado as muletas, a mulher ergueu-se e regressou a casa”.
Também precisava apoiar-se em muletas outra mulher, Gilda. Há oito anos ela sofria de um problema na perna esquerda. Seus tendões contraídos a impossibilitavam de fixar o pé no chão. “O marido, de nome Marcoaldo, depois de a ter colocado sobre o cavalo, levou-a às pressas à igreja de Santa Maria Mater Domini e, para que recuperasse a saúde, deixou-a devotamente diante do túmulo de Santo Antônio.”
Gilda rezava de olhos fechados. Sentiu uma grande dor e um calor intenso na perna doente. Percebeu as mãos de alguém a tocando, mas, mesmo se abrisse os olhos, nada via. “Compreendendo a mulher que deveria ser o auxílio divino que havia sentido, levantou-se dali e, postas de lado as muletas, exultante, voltou a seu lar na companhia do marido.”
Ricarda vivia meio que rastejando há cerca de vinte anos, porque suas pernas acabaram se desenvolvendo com alguma anomalia – eram raquíticas e não conseguiam sustentá-la. Ela sobrevivia à base de esmolas e foi como pedinte ao entorno do túmulo do santo, sabendo que ali havia se tornado um ponto de peregrinação.
E assim estava ali na praça, deitada ao chão, com seu pote de moedas, quando ouviu: “Graças a Deus, ela foi libertada!”.
Era uma menina que saía da igreja, curada. Antes, tinha uma corcunda que mal a deixava andar. Agora, estava completamente saudável.
Ricarda decidiu entrar. Enquanto se arrastava, ainda na praça, um menino de 7 anos surgiu e a chamou. Ele desapareceu na porta da igreja. A mulher ingressou completamente absorta pela oração. Então, antes de chegar até o sepulcro, dois cistos se romperam nas pernas. “Em seguida, suas pernas ressequidas como madeira, ao longo de vinte anos, estenderam-se imediatamente e, relaxada a pele, começaram as carnes a crescer, até ao tamanho original.”
Houve também um menino, Alberto, de 11 anos, que tinha o pé deformado, torcido, desde o nascimento. Na tentativa de ajustá-lo, o pai lhe colocava talas de madeira. “Certo dia, a mãe do menino prostrou-se junto ao túmulo de Santo Antônio com o filho e fosse como fosse introduziu-lhe o pé junto do local da sepultura, e, começando a suar abundantemente, posto que ali mesmo permanecesse pouco tempo, novamente entregue pelos guardas do sepulcro à mãe, retornou para casa já com as plantas dos pés voltadas para a terra.”
Inês era uma menina que sofria de enjoos há quase três anos, vomitando quase tudo o que punha na boca. Isso a deixava extremamente magra e desnutrida. Todos os médicos desistiam de tratá-la por não saberem como proceder. À frente do túmulo do santo, sentiu uma dor aguda. Parecia que ia morrer. Mas saiu de lá querendo comer um pão inteiro. E, aos poucos, foi se recuperando.
Cesária era uma mulher da cidade de Veneza. Ela tinha um braço mais curto que o outro e o pé esquerdo contorcido. Queria ter ido a Pádua na época em que as pessoas acudiam a Santo Antônio, vivo, em busca de milagres – mas não conseguiu.
Quando pôde visitar o túmulo, experimentou a cura. Sentiu uma dor forte na barriga e um calor dominando o pé esquerdo e a mão mais curta. Sarou por completo.
Uma viúva chamada Prosdoxima, da cidade de Noventa,8 teve a mão esquerda e ambos os pés completamente paralisados. Nesse estado, foi carregada até a igreja e colocada sobre a urna. “Logo, pelos merecimentos de Santo Antônio, os pés se distenderam e recuperaram a função primitiva. E a sua mão, um pouco trêmula, abriu-se e, por fim, de tal modo se distendeu que, à vista de todos, abria e fechava.”
Nem todos os relatos coletados no processo de canonização foram de ocorrências póstumas. Na lista estava, por exemplo, a história de Paduana, uma menina de 4 anos, filha de Pedro. Era uma família de Pádua. A menina tinha uma anomalia nos pés e, por isso, caminhava com as mãos, arrastando-se. Além disso, sofria de epilepsia. Pedro procurou o Frade Antônio. Trazia a menina no colo e pediu que o sacerdote “assinalasse a filha com o sinal da cruz”. Na volta para casa, Paduana já começou a melhorar e, gradualmente, em pouco tempo, a menina levava uma vida normal.
Maria havia sofrido uma tentativa de estupro quando estava às margens do rio Brenta. Ficou com sérias contusões no joelho, no peito e na bacia. Cinco anos depois do ocorrido, ainda convivendo com sequelas e fortes dores, procurou o túmulo do santo – e foi curada.
Nassinguerra, um homem da cidade de Sacile, andava, fazia dois anos, com o pé suspenso – já que sua perna direita havia sofrido um grande trauma. Usava muletas e foi assim que chegou até o sepulcro do santo. Ali, suou abundantemente e sentiu uma dor descomunal. Então, à vista de todos, sua perna voltou ao normal e ele conseguiu voltar para casa caminhando normalmente.
Da cidade de Saonara, Maria era outra que também não conseguia andar. Era paralítica e não conseguia movimentar as pernas e os pés do lado direito. Levada à igreja, ficou por horas rezando. Os guardas acharam por bem fazê-la se retirar. Então ela se levantou e foi embora, andando, como se nenhum problema tivesse havido.
Escoto era do povoado de Porciglia, hoje parte de Vicenza. Em razão de uma grave inflamação, tinha os pés podres e inchados. Foi levado até o convento carregado às costas por um homem. Confessou-se com um frade e, em seguida, decidiu prestar sua homenagem a Santo Antônio. Rezou perante o sepulcro e foi curado.
Sofria de paralisia nos joelhos uma moça chamada Samaritana, vinda de Codigoro. Ela foi até Pádua com a mãe para se confessar com os frades. Depois, ambas decidiram rezar no túmulo de Santo Antônio. Milagrosamente, a menina sarou por completo.
Também era paralisia o que acometia Guina. Ela vivia na fortaleza de Montagnana. Não conseguia mexer o ombro e a mão direita. “Certo dia, havendo entrado, primeira e segunda vez, no túmulo de Santo Antônio, não tendo experimentado absolutamente nenhum alívio do ombro e do braço, foi ter com o frade que se aprestava a ouvi-la de confissão.”
Após ser atendida pelo religioso, decidiu tentar uma terceira vez em frente à sepultura. “Quando ela orava, começou o ombro imediatamente a ser pressionado por uma grande dor e o osso da escápula a estalar, como um quebrar de nozes, e saltou para o seu primitivo lugar. Logo que a mulher se ergueu, sacudiu imediatamente o braço e, à vista de todos, voltou desembaraçada para casa.”
Margarida tinha sofrido um acidente. Moradora de Pádua, possivelmente foi um tombo que a deixou desfigurada por completo, com “o pescoço retorcido e a mão esquerda e o pé tão recurvados que, enquanto os tendões se mantinham tensos e o calcanhar suspenso, dificilmente tocava o chão”. Na frente do túmulo do santo também obteve a graça da cura.
Jacobino, por sua vez, era “aleijado de uma mão e de um pé”, mas quando “orava sobre a urna, depois de permanecer ali um breve espaço de tempo”, retirou-se com os membros reconstituídos.
Em Pádua, um rapaz tinha um problema de coluna que deixava seu queixo colado ao peito o tempo todo. Quando chegou ao túmulo de Santo Antônio, ele conseguiu erguer a cabeça para prestar uma homenagem ao ilustre frade ali enterrado e, desde então, passou a ter uma vida normal.
Frederico vinha de um condado distante em busca da cura: ele havia caído atrás da igreja de sua cidade e machucado a coluna com tal gravidade que não mais podia andar. Chegou ao sepulcro e recuperou os movimentos imediatamente.
Gertrudes, por sua vez, ficou por quatro anos com o pé direito paralisado. Ela não precisou ir até a igreja onde o santo estava enterrado. Conta-se que, em uma noite, apareceu a ela um homem “de cabelos brancos, de pequena estatura e belo de aspecto, vestido de verde e revestido de um manto escarlate”. Ele mandou a mulher mostrar o pé machucado, tomou-o pela mão, esticou os tendões para a frente e tanto o problema quanto o homem desapareceram completamente: era uma visão de Santo Antônio.
Maria era uma mulher de Ferrara e sofria paralisia total do corpo, com frequentes tremores da cabeça aos pés. Levada para rezar perante a lápide do santo, foi curada.
História muito semelhante à de Emerina, uma paralítica de Vicenza – que há cinco anos não conseguia pisar no chão, até que foi salva depois de rezar perto do túmulo do franciscano.
Outro paralítico, Mainardo, conseguiu carona em uma carroça que levava feno. Assim foi levado de Ronchi, onde morava, até Pádua – mais de 150 quilômetros. Mas o carro o deixou em Prato della Valle, espaço público existente desde a Roma antiga.
Mainardo tinha um caso muito grave, não conseguia nem abrir a boca sozinho para comer. Precisou da ajuda de um homem que o levou, carregando-o às costas, até a igreja, onde queria rezar no sepulcro. “Terminada a oração, ergueu-se e, louvando em alta voz a Deus e a Santo Antônio, regressou a casa pelos seus próprios pés.”
Bília era uma senhora que padecia de tremores por todo o corpo. Diante do túmulo, sentiu um “calor desmesurado” e saiu de lá saudável.
Solange, bastante debilitada por uma paralisia, havia prometido rezar na frente do túmulo do santo. Mas morava em Montagnana, 45 quilômetros dali, e sua condição dificultava, e muito, o trajeto. Santo Antônio apareceu para ela em sonho e a curou assim mesmo.
Em seguida, a Legenda assídua apresenta relatos de curas de cegueira. Como a menina Auriema, que não enxergava fazia um ano e meio. Chegando ao túmulo de Santo Antônio, ela limpou os olhos com a toalha que cobria a urna – imediatamente recobrou a visão.
O frade franciscano Teodorico, cego do olho esquerdo, percorreu quase oitocentos quilômetros da Apúlia até Pádua para rezar por Santo Antônio. Conta-se que o esforço foi recompensado: o irmão voltou a enxergar.
Zambrono morava em Treviso e também não via nada com o olho esquerdo havia mais de seis anos. Ficou com a visão perfeita em Pádua. História semelhante viveu Flor de Gemma, que viajou trezentos quilômetros de Loreto para Pádua.
Leonardo, de Conegliano, não enxergava mais e só reconhecia as pessoas pela voz. Rezou com fé para Santo Antônio e voltou a enxergar. Exatamente o que ocorreu com Aleixa, que também estava cega de ambos os olhos. E com Carolina, uma alemã.
Entre os milagres que serviram para a canonização, há três casos de gente que teria se recuperado da surdez por intercessão de Santo Antônio. Leonardo, de Veneza; Menico, cuja origem não é mencionada; e Rolando, um búlgaro.
Também são três os casos de cura de mudez. Bartolomeu, do povoado Piove di Sacco, a dezessete quilômetros de Pádua; uma mulher de nome Miguelota; e um “certo homem de Friuli”. À frente do túmulo, todos soltaram a língua. E foram embora louvando a Deus em alto e bom som.
Naquela época, a epilepsia era, mais do que uma doença, considerada uma peste, praticamente uma maldição – ou uma possessão demoníaca. Santo Antônio teria curado Miguelota, de Pádua, que estava “à beira da morte” quando foi levada pela mãe para rezar diante do túmulo do franciscano. Simeão, outro curado do mesmo problema, era um menino ainda – desde os 3 anos de idade sofria com os constantes ataques da doença.
Problemas de postura que causam deformidades, aquelas que são chamadas popularmente de corcundas, também foram objeto de três curas milagrosas atribuídas ao santo e constantes do processo de canonização. Tridentino tinha “um osso que lhe apareceu sobressalente na espinha dorsal”. Veneziana, uma mulher de Treviso, convivia com “um inchaço no peito, do tamanho e feitio de um pão” – ela permaneceu durante dois dias em oração na frente da sepultura do franciscano. Veridoto, por sua vez, teria desenvolvido a deformidade após um acidente em que havia quebrado a coluna.
Com inflamações e febres intensas, dois casos de enfermidades também foram reportados. No primeiro, um homem chamado Bonizo tinha inflamações na garganta e era “atacado de febres inquietantes, ao mesmo tempo que a angústia o cruciava sem piedade”. Dois frades franciscanos souberam da doença e foram visitá-lo em casa. Recomendaram que ele se confessasse e, em seguida, ofereceram a ele um pedaço do manto de Santo Antônio, para que ele passasse no rosto febril e, assim, recuperasse a saúde. Deu certo.
Zono era um menino que enfrentava acessos febris a cada quatro dias e muitos problemas de gota. Foi curado perante o túmulo de Santo Antônio.
Histórias de ressurreição, no entanto, são, sem dúvida, os dois mais impressionantes relatos inclusos no rol utilizado para justificar a canonização de Antônio.
É o caso de Eurília, uma menina que vivia nas proximidades de Pádua. Ela foi encontrada morta, boiando e com o rosto voltado para cima, em um poço. Desesperada, a mãe retirou-a da água e colocou-a na beira. O corpo já estava sem movimentos.
“Tendo um homem dentre os que ali se encontravam ao redor verificado que estava enregelada de um frio mortal, voltada a cabeça para baixo, ergueu-lhe os pés ao alto sobre um disco. Mas nem assim recuperava a respiração nem a sensibilidade; porque, comprimidas as queixadas, como se faz aos defuntos, e juntos os lábios, se desvanecera toda a esperança de salvação. Por fim, a mãe, solícita, depois de fazer uma promessa ao Senhor e ao seu servo Santo Antônio, prometeu que havia de trazer ao túmulo uma imagem de cera da filha, se se dignasse restituir-lhe a filha viva.”
Nem bem havia acabado a mãe de pronunciar a promessa, a menina moveu os lábios, vomitou a água ingerida e tornou a viver.
Algo parecido ocorreu em Comacchio. “Havia ali um homem, de nome Domingos, a quem, um dia saindo de casa para fazer um trabalho, se lhe associou de imediato um filho pequeno, por companheiro. E quando já se tinha afastado um pouco de sua casa, olhando para atrás, viu que não estava ali ninguém.” O homem procurou e deu com o menino afogado em um poço. Fez uma promessa para Santo Antônio, e o menino rapidamente recobrou os sentidos.
Por fim, a lista dos milagres incluía, ainda, sete histórias de temática aleatória.
Um exemplo refere-se a uma taça de vidro que foi conservada intacta, quando um cavaleiro chamado Aleardi, no dia seguinte ao enterro de Antônio, decidiu colocá-la à prova.
Conta-se que ele era admirador das seitas chamadas de heréticas e, portanto, fazia pouco-caso dos relatos milagrosos do franciscano. Como estava em Pádua, soube da recente morte do famoso frade e, na taberna onde almoçava, começou a ouvir testemunhos de gente que havia presenciado curas e outros fenômenos pelas mãos do religioso.
“Pois, se este homem realmente for santo, então que esta taça não se quebre”, disse Aleardi, arremessando-a, com força, contra uma parede de pedra. Para a admiração de todos – e conversão do cavaleiro –, ela não se quebrou.
Há o caso de uma freira chamada Oliva, que conseguiu tocar as mãos de Antônio antes de seu corpo ser sepultado. Em vez de pedir por cura ou alguma graça específica, ela rezou clamando que sentisse todo o sofrimento necessário para pagar por seus pecados.
Assim que entrou no seu convento, foi possuída pela dor mais lancinante. No dia seguinte, acordou ainda pior. Irmã Oliva foi salva pelo próprio Santo Antônio: alguém trouxe para ela um pedaço da túnica do frade e, tocando-a, recobrou a saúde e voltou a se sentir bem.
Uma devota mulher havia conseguido convencer o marido – que levava uma vida mais mundana – a fazerem, juntos, uma peregrinação a Santiago de Compostela. A caminho, entretanto, o homem se viu incomodado pela exagerada alegria da cônjuge e cancelou a viagem.
Profundamente decepcionada, a mulher rebateu: “Se você não cumprir a promessa da peregrinação, em nome de Jesus Cristo e de Santo Antônio, vai acabar me vendo afogada nessas águas”.
E então se atirou a um rio que corria nas proximidades. Quando foi resgatada, depois de muito se debater quase afogada, suas roupas e seu corpo estavam completamente secos.
Também houve o caso de uma embarcação a caminho de Veneza, com 26 homens e mulheres a bordo. Ocorreu uma forte tempestade e o barco perdeu o rumo. Desoladas e desesperadas, as pessoas fiaram-se em Santo Antônio para recuperar a rota. Uma luz teria aparecido, então, guiando a nau até a região planejada.
Guidoto era padre em Anguillara, perto de Roma. Certa vez, em Pádua, ele debochou daqueles que contavam os feitos milagrosos de Santo Antônio. À noite, “começou a ser atormentado por dor tão forte que se persuadira de que sobre ele impedia indubitavelmente o juízo da morte”. O próprio não teve coragem de se dirigir ao santo – pediu à mãe para fazer uma promessa pela sua recuperação. Curado, passou a testemunhar em favor da santidade do franciscano.
Vita morava na região de Pádua e, tão logo Antônio morreu, queria ela muito visitar seu túmulo. Mas era época da colheita de cereais e, se ela faltasse à lida, os pássaros não deixariam sobrar nada. Então prometeu ao santo que, se ele os afastasse, ela visitaria seu sepulcro nove vezes. Quando acabou a oração, imediatamente sumiram todas as aves que circundavam a plantação.
O último relato do processo de canonização foi a história de Henrique, cuja família era da própria cidade de Pádua. O menino tinha grave inflamação no pescoço e, sem saber a quem recorrer, a mãe prometeu a Santo Antônio que levaria ao túmulo um pescoço com cabeça de cera.
Henrique recuperou-se, mas a mulher ignorou o pagamento da promessa.
Quinze dias depois, entretanto, a inflamação voltou a atormentar o garoto. Sua mãe então resolveu cumprir o combinado com o santo e, tão logo levou a oferta ao sepulcro, Henrique curou-se definitivamente.
Mas se Santo Antônio tornou-se santo “para toda obra”, aquele invocado nas mais diversas ocasiões pelos fiéis, sua fama popular mais conhecida é a de “santo casamenteiro”. Não há um consenso sobre essa explicação – aparentemente, é algo que tem mais relação com a tradição do que com a biografia do frade franciscano.
De concreto, ao que parece, foi que ele chegou a desaconselhar famílias de praticarem casamento arranjado, tão comum naqueles tempos justamente para favorecer as posses. Antônio defendia o amor e, portanto, era contra a mercantilização do sacramento do matrimônio.
Em contrapartida, há outra história, cujo relato varia conforme quem o conta. Em uma época em que a noiva – ou o pai da noiva – precisava providenciar um bom dote para que ela se casasse, o frade teria auxiliado uma moça sem recursos a conseguir firmar o casamento com o homem por quem era apaixonada.
Uma das versões afirma que isso teria ocorrido ainda em vida, com o franciscano desviando parte dos donativos recebidos – os quais deveriam ser revertidos em obras de sua ordem – para ajudar a pobre enamorada. Mas há quem acredite que isso ocorreu anos depois da morte de Santo Antônio, com a moça rezando por sua ajuda – e o dinheiro necessário aparecendo, misteriosamente, no quarto dela.
No imaginário popular, de qualquer forma, o papel de casamenteiro pegou. Não à toa, o santo é personagem de simpatias de todas as formas. Tudo em nome do amor. Há até quem diga que o Dia dos Namorados no Brasil é em 12 de junho para que os encalhados, no dia seguinte, tenham motivos para rogar a Santo Antônio. Balela! Na verdade, a data foi criada por um publicitário em 1949 para turbinar as vendas do mês, então considerado fraco comercialmente.
“Encontrar noivo é também um milagre da paciência incrível”, pontua o antropólogo e folclorista Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), no longo verbete que dedicou ao santo em seu Dicionário do folclore brasileiro. “As moças submetem as imagens de Santo Antônio a todos os suplícios possíveis, na esperança de um rápido deferimento.”
Nas simpatias populares brasileiras, vale todo tipo de chantagem com o santo: dependurar a imagem de cabeça para baixo, fazer novenas, propagar correntes e ameaçar arremessar a estatuazinha do santo pela janela. Especialistas acreditam que a vocação para cupido do santo franciscano tenha sido consequência de sua associação, pela data, com as festas juninas. Faz sentido: nas antigas comunidades brasileiras, as quermesses eram o momento em que os jovens festejavam e, portanto, ocasião para começarem a namorar.
Outro papel milagreiro atribuído ao famoso santo é o de ajudar a encontrar coisas perdidas. Câmara Cascudo encontrou uma explicação prosaica para isso. Seria, conforme o folclorista, tudo resultado de um erro de semântica. Em francês, o de Pádua teria se transformado em épave, que significa “destroços” ou “coisa perdida” – daí os objetos perdidos, abandonados, desses que surgem na orla trazidos pelo mar, sem dono. Verdade ou não, é uma versão.
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