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Santo Antônio

Quando o navegador português Pedro Álvares Cabral (1467-1520) chegou ao litoral brasileiro, em 21 de abril de 1500, no episódio que entraria para a história como o descobrimento destas terras, trouxe junto a devoção a Santo Antônio. Não necessariamente porque ele fosse um particular admirador do religioso lisboeta. Mas porque, em sua esquadra, vieram oito frades franciscanos.

Frei Henrique Soares de Coimbra (1465-1532) foi o celebrante da primeira missa em solo brasileiro, ocorrida dia 26 de abril daquele ano, Domingo de Páscoa. De acordo com registros históricos, a comunidade franciscana trazida a bordo ainda contava com Frei Maffeo – “sacerdote, organista e músico, que também com estas prendas podia ser parte na conversão das almas, havendo experiência certa de que o demônio também se afugenta com as suavidades das harmonias”, nas palavras do memorialista franciscano do século XVIII, Frei Fernando da Soledad –, o corista de ordens sacras Frei Pedro Neto e quatro “pregadores e excelentes letrados” – também na definição de Soledad –, os frades Gaspar, Francisco da Cruz, Simão de Guimarães e Luiz do Salvador. O oitavo franciscano era um leigo, Frei João da Vittoria.

Sendo eles da Ordem dos Frades Menores e tendo viajado em frota portuguesa, é altamente provável que tenham carregado uma estatueta de Santo Antônio e, em suas primeiras rezas no Brasil, buscado a intercessão do religioso. Historiadores da Igreja são unânimes em acreditar que a devoção e o carinho que Antônio experimenta em terras brasileiras encontra explicação nesse marco histórico, tido como o nascimento do país – ao menos sob a ótica europeia.

Não demoraria muito para franciscanos estabelecerem conventos no Brasil. O mais antigo deles foi erguido em Olinda, em 1585. Seis anos mais tarde, foi fundada uma casa em Vitória. Em 1608, foi criado o convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro. Santos teria seu convento franciscano em 1640 e, São Paulo, dois anos depois.

Nas terras tupiniquins, a devoção antoniana ganharia um sotaque brasileiro. De acordo com folcloristas, sua imagem foi um pouco recriada pelo imaginário popular, com ênfase no seu papel casamenteiro, forte protagonismo em simpatias e novenas populares e um apelo comemorativo nas tradicionais festas juninas.

Sobre sua fama de cupido, há várias lendas propagadas. A mais comum delas narra a história de uma brasileira que, vendo suas amigas todas se casando, acabou solteira, não conseguindo de jeito algum arranjar um noivo. Então, desesperada, iniciou uma novena a Santo Antônio.

Pegou, então, uma imagem do santo, enfeitou-a com flores e, todos os dias, acendia uma vela e rezava para ele. Fez a seguinte promessa: “Se ao fim desses nove dias não surgir um noivo para mim, você vai para o olho da rua!”.

Repetiu religiosamente o ritual e nada de lhe aparecer pretendente. No nono dia, revoltada, arremessou a imagem pela janela. A estatueta teria acertado em cheio a cabeça de um jovem rapaz que por ali passava.

Profundamente zangado, ele bateu à porta para tomar satisfações. Foi amor à primeira vista. Poucos meses depois, casaram-se.

Também há a história de uma moça muito devota que, da mesma forma que a anterior, não conseguia encontrar namorado. Ela pegou uma imagem, amarrou-a com uma corda e jogou-a dentro de um poço. Todos os dias ia ao local e cantarolava: “Meu Santo Antônio querido, dizei-me por quem sois, dai-me o primeiro marido, que o segundo arranjo depois. Meu santo Antônio querido, meu santo de carne e osso, se tu não me arrumas marido, não tiro você do poço”.

Depois dessas sessões de tortura sacra, a jovem teria conseguido um marido.

Como dito anteriormente, na devoção popular, Santo Antônio também é eficiente ajudante para encontrar coisas perdidas. O folclorista Câmara Cascudo enfatiza que seu “prestígio se mantém nos assuntos de encontrar casamento e deparar as coisas perdidas”.

Uma das maneiras mais difundidas entre os fiéis para recorrer a Santo Antônio é a chamada trezena – ou seja, treze dias de rezas dedicadas a ele, pedindo, em geral, por uma graça ou agradecendo por algum favor antes recebido. Isso pode ser feito durante treze dias consecutivos ou, ainda, por treze terças-feiras seguidas – terça-feira é um dia especial para os devotos de Santo Antônio, porque foi em uma terça que ele acabou sepultado definitivamente em Pádua.

Outra eficiente oração das tradições religiosas populares é o responso, ou responsório de Santo Antônio, cuja reza é considerada infalível para a obtenção de graças. O texto – atribuído ao Frade Julião de Spira, que viveu no século XIII – foi incluído no ofício-divino comemorativo da festa de Antônio. A versão original é latina:

Si quaeris miracula,

Mors, error, calamitas,

Daemon, lepra fugiunt,

Aegri surgunt sani.

Cedunt mare, vincula;

Membra resque perdita

Petunt, et accipiunt

Juvenes et cani.

Pereunt pericula,

Cessat et necessitas:

Narrent hi, qui sentiunt,

Dicant Paduani.

Há diversas traduções para o português coloquial, com devotos sabendo-as de cor. Eis a versão registrada por Câmara Cascudo:

Quem milhares quer achar

Contra os males e o demônio,

Busque logo a Santo Antônio

Que só o há de encontrar.

Aplaca a fúria do mar,

Tira os presos da prisão,

O doente torna são,

O perdido faz achar.

E sem respeitar os anos

Socorre a qualquer idade;

Abonem esta verdade

Os cidadãos paduanos.

O folclorista reconhece a hegemonia de Antônio. “É o mais popular dos santos portugueses”, comenta. “Seu nome batiza igrejas, ruas e continua sendo um dos mais escolhidos para menino, em Portugal e Brasil. Rara será a cidade, vila ou povoado sem uma rua de Santo Antônio ou uma igreja de Santo Antônio, em todas as terras do idioma português.”

Na contagem realizada por ele, o Brasil possuía “setenta localidades” com o nome do santo – mas ele não específica quais critérios utilizou para chegar a tal número. A folclorista Laura Della Mônica realizou um levantamento na toponímia brasileira em 1973 e encontrou 65 municípios, cidades ou vilas com o nome de Santo Antônio, “simplesmente ou em composição”, sete rios, sete cachoeiras, cinco serras, duas ilhas e duas lagoas.

Considerando as denominações oficiais atuais,9 são 38 os municípios brasileiros que emprestam o nome do santo. Desde a cidade de Santo Antônio, no Rio Grande do Norte, até variações como Santo Antônio do Içá, no Amazonas, Santo Antônio do Rio Abaixo, em Minas Gerais, Santo Antônio dos Milagres, no Piauí, e a paulista Santo Antônio do Pinhal. Ou, ainda, nomes compostos como Barra de Santo Antônio, nas Alagoas, Riacho de Santo Antônio, na Paraíba, e as duas Novo Santo Antônio – uma no Mato Grosso, outra no Piauí.

Um antigo levantamento realizado pelo pesquisador Eugenio Egas atestava que o estado de São Paulo tem dez córregos e ribeirões que homenageiam o santo, além de duas serras e uma lagoa.

Estimar a quantidade de locais de devoção ao santo no Brasil, por outro lado, é uma meta praticamente inatingível. “Não é possível contar o total das capelas e oratórios privados onde o santo de Lisboa é venerado”, já anotava Câmara Cascudo.

Em 1981, quando eram comemorados os setecentos e cinquenta anos de sua morte, um levantamento realizado pela Igreja Católica mostrou que apenas na região que vai de Santa Catarina ao Espírito Santo, estado de São Paulo incluído, havia 158 igrejas dedicadas à sua devoção. Em 2019, somente na área sob circunscrição da arquidiocese de São Paulo constavam 16 paróquias de Santo Antônio.

Na pesquisa de Câmara Cascudo, contudo, mesmo enfatizando que o número não representava a totalidade, ele contabilizou 228 templos em honra a Santo Antônio no Brasil. São José era o segundo no ranking, com 71 igrejas erguidas sob seu nome.

Em 1995, a instituição católica Associação do Senhor Jesus decidiu realizar uma enquete entre católicos praticantes para saber quais são os santos de maior predileção da fé nacional. Foram ouvidas 4 mil pessoas e 20% responderam se fiar mais a Santo Antônio na hora das orações. Na sequência da lista apareceram São José, com 14,5% da preferência popular, São Judas Tadeu (9%), Santa Rita de Cássia (8%) e São Francisco de Assis (7,7%).

Levantamento realizado em 2010 pela Editora Abril, com dados do Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais (CERIS) e de um grande fabricante de imagens sacras do país, também indica o tamanho do apreço por Antônio no Brasil. Exceto Nossa Senhora – e suas tantas variações –, o santo franciscano também apareceu na liderança absoluta. De acordo com o estudo, são cerca de 550 igrejas a ele dedicadas em todo o Brasil, e uma venda anual de duas mil imagens, considerando a produção apenas do fabricante selecionado. Na sequência aparecem São Sebastião (450 igrejas e 680 imagens), São José (quinhentas igrejas e trezentas imagens) e São João (370 igrejas e 150 imagens). A mesma pesquisa também apontou que Santo Antônio é padroeiro – ou seja, considerado o santo protetor – de 84 municípios brasileiros.

Em um deles, mais que isso, Santo Antônio tornou-se vereador. Trata-se de Igarassu, cidade litorânea de Pernambuco. Ali, em 1754, tentaram fazê-lo um dos representantes na Câmara – mas, diante da negativa de autorização real, acabaram transformando-o em santo protetor da casa dos vereadores. Em 1951, contudo, a ideia voltou à tona. E, por meio da resolução de número 17, Santo Antônio tornou-se vereador perpétuo de Igarassu – com remuneração anual destinada à compra de pão para os pobres em seu dia, 13 de junho.

Em 1994, os vereadores do município pernambucano decidiram padronizar seus vencimentos para o valor equivalente a um salário-mínimo mensal. O pagamento passou a ser recebido pelo convento de Santo Antônio localizado na cidade – e revertido para obras assistenciais voltadas a crianças pobres. Catorze anos depois, no entanto, por recomendação do Ministério Público de Pernambuco, o ordenado ao santo foi suspenso. Mas não o título. De forma voluntária, portanto, Santo Antônio continua na vereança igarassuense.

A presença antoniana entre as santidades brasileiras é tão forte que até aquele que foi o primeiro nascido no Brasil canonizado pela Igreja Católica também se chamava Antônio e também era da Ordem dos Frades Menores. Trata-se do Frei Antônio de Sant’Anna Galvão (1739-1822), nascido em Guaratinguetá e muito conhecido por sua atuação no Mosteiro da Luz, na cidade de São Paulo. Frei Galvão tornou-se oficialmente santo em 2007, ato proclamado em missa celebrada pelo então Papa Bento XVI na capital paulista.

Antes dele, outro homônimo se tornou famoso pregador pelas terras brasileiras. Trata-se do filósofo e religioso jesuíta Antônio Vieira, padre conhecido pela capacidade oratória e pelas andanças missionárias no século XVII. Conforme pontua o filósofo e jornalista português Alexandre Borges, não raras vezes Vieira usou passagens de seu onomástico para ilustrar seus sermões, “então no distante Brasil”. Assim evocava o sacerdote, diz Borges, “a necessidade de se considerarem os direitos de todo ser humano, independente de ser branco, índio ou negro, grande ou pequeno, senhor ou escravo”.

Mas se a fama do santo é gigantesca por aqui, não se pode dizer que é pequena em outros países, católicos ou não. Câmara Cascudo certa vez afirmou que era interessante notar que, mesmo nunca tendo Antônio pisado em Paris, não havia nenhuma igreja na capital francesa sem que houvesse ao menos um pequeno oratório dedicado às honras do frade franciscano.

“Antônio é, possivelmente, o português mais célebre do mundo. Há oito séculos que é celebrado por gente de todos os continentes e religiões, como os muçulmanos do Bangladesh ou os budistas do Sri Lanka – e não dá sinais de abrandar. Foi retratado pelos maiores pintores, de Donatello a Ticiano, de Rubens a Murillo. Tem o nome e a imagem espalhados por praças, ruas e igrejas nos quatro cantos da Terra, de Lisboa a Pádua; de Boston a Istambul; do Rio de Janeiro a Daca”, enumerou Borges. “Numa sondagem realizada pela televisão pública italiana, nos anos 1980, para apurar o santo por quem os italianos teriam maior devoção, foi batido apenas por… Nossa Senhora. É o padroeiro dos pobres e de Portugal, símbolo de Lisboa, onde nasceu e viveu a maior parte da vida, e de Pádua, onde passou os anos mais fulgurantes e foi sepultado. Pelo caráter humanista e universal da mensagem que espalhou, o Papa Leão XIII chamou-lhe ‘o santo de todo o mundo’; em Itália, podem referir-se a ele, simplesmente, como ‘o santo’.”

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