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Santo Antônio

NOTAS PRELIMINARES

Não são poucos os desafios inerentes à tarefa de biografar uma figura como Santo Antônio de Pádua. O fato de ele ter vivido há quase oitocentos anos, sem dúvida, é o primeiro deles.

A distância temporal dos fatos, bem como a ausência de documentação de época para muitos dos relatos, contribui para que história e lenda se misturem – ainda mais no caso de alguém com fama universal e cuja existência tornou-se objeto da fé das pessoas.

Neste livro, quando esbarrei em registros imprecisos, procurei extrair a versão mais provável do cruzamento de todas as informações existentes – muitas vezes, checando fatos a partir de outros contextos e personagens da época. Assim, no mínimo, concluo ter diminuído a chance de cair em consagrados erros históricos.

A própria geopolítica de então se apresenta como um fator limitador da compreensão contemporânea da grandeza de Antônio de Pádua. Andarilho por excelência, missionário de longas caminhadas, ele percorreu enormes distâncias, sobretudo – mas não somente – na Península Itálica, a “bota italiana”. Cumpre lembrar, contudo, que a Itália com as fronteiras delimitadas e com o senso de nação que conhecemos hoje só surgiu de fato na segunda metade do século XIX. Ou seja, quando relatamos os percursos de Antônio pela Itália, na realidade estamos tratando de peregrinações por diversos feudos, burgos e cidades-estado.

Portanto, se o frade esteve de maneira comprovada em cidades do atual nordeste italiano, como Gorizia, Udine, Trieste e a própria Pádua, não poderia ele ter avançado um pouco mais e se aventurado a pregar em terras da atual Eslovênia? Evidentemente que sim. Talvez seja por isso que os antigos mineradores da cidade eslovena de Idrija, não longe de Gorizia, escolheram Antônio de Pádua como seu protetor – e, em 1678, ergueram ali uma igrejinha dedicada a ele.

Da mesma forma, é de se imaginar que no período em que atuou como ministro provincial de Emilia-Romanha, cuja sede era em Milão, o santo tenha percorrido locais hoje pertencentes à Suíça. Afinal, se há relatos de suas andanças pela cidade de Como, por que não supor que o pregador tenha caminhado pelo menos oito quilômetros mais ao norte e chegado, por exemplo, na atual Chiasso? Vale ressaltar que há pelo menos dezessete igrejas dedicadas a Antônio de Pádua nesse país.

Outro obstáculo que surgiu durante a tarefa de biografar Antônio é o próprio fato de que a gigantesca devoção a ele amplificou, ao longo do tempo, as lendas e os milagres. A escolha de relatar neste livro alguns dos principais desses causos tem apenas um propósito: atestar que, como figura religiosa e histórica, não importam se tais processos tenham ocorrido verdadeiramente dessa maneira ou não – as narrativas são importantes por si só, por terem sobrevivido ao crivo do tempo e por terem contribuído para solidificar a fama do personagem.

Dessa forma, podemos encarar os milagres como manifestações puras de Deus. Ou, então, entendê-los como fenômenos incompreendidos e inexplicáveis para a ciência da época e que, com o passar de tantos séculos, foram ganhando versões ainda mais fantasiosas – embora isso se esbarre em uma questão de fé pessoal. Esta obra, ainda que tenha o propósito de constituir uma realista biografia de Antônio de Pádua, não poderia se furtar a também relatá-las.

Como bem pontuou o Padre Fernando Félix Lopes, quando narrou o célebre sermão de Santo Antônio aos peixes, muitas vezes a lenda é mais importante do que o ocorrido em si. “Está claro que não vamos defender a autenticidade do sermão que Santo Antônio pregou aos peixes”, escreve ele. “Não interessa que seja autêntico ou que deixe de ser. Encanta a poética alegoria, e interessa a verdade que essa maravilha nos desenha.”

Este livro foi escrito a partir de longas pesquisas e de muitas viagens. O trabalho, ainda bibliográfico e documental, começou no segundo semestre de 2017, na cidade de São Paulo. Ao longo de 2018, quando vivi na Itália, percorri muitos dos pontos onde Antônio pregou oito séculos atrás. No ano seguinte, quando já estava morando na Eslovênia, continuei trilhando os caminhos do santo – principalmente, mas não somente, em quatro viagens pela Itália. Então, todo o material foi sedimentado, filtrado, checado e transformado no relato a seguir.

O autor.
Bled (Eslovênia), fevereiro de 2020.

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