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Santo Antônio

Em Pádua existem 44 igrejas católicas em funcionamento, com diversos santos sepultados em algumas delas – algo não insólito em terras italianas. São Leopoldo Mandic (1866-1942) repousa no santuário que leva seu nome. Na Catedral de Santa Maria Assunta, o Duomo, estão os restos mortais de São Danilo (que viveu provavelmente no século IV), São Leonino (do século III) e São Gregório Barbarigo (1625-1697).

Mas para os 211 mil paduanos nenhum venerável pode ser comparado àquele que é chamado simplesmente de O Santo – ou, em italiano, Il Santo. Santo Antônio. O santo preferido dos brasileiros é tido como o maior de todos para os italianos de Pádua.

Não à toa, tudo converge para Il Santo. Caminhos, placas, peregrinações e imagens levam necessariamente para a praça, a basílica, o túmulo, as relíquias, a fé e a história.

A importância de Antônio é tamanha que há quem se refira a ele como “santo senza nome”. Sem nome porque nem é preciso denominá-lo. Basta dizer simplesmente “O Santo”.

Foi graças aos milagres e aos devotos de Santo Antônio que Pádua ficou tão conhecida. Afinal, foi em Pádua que o Frade Antônio, cerca de oitocentos anos atrás, tornou-se símbolo de santidade e fé ainda em vida.

O centro histórico de Pádua pode ser vencido a pé. O relevo é plano e caminhar por suas ruas de pedra, entremeadas por construções seculares, é passeio dos mais agradáveis. Terceira maior cidade da região do Vêneto, o local é considerado uma das mais antigas aglomerações urbanas da Península Italiana – registros dão conta de sua existência desde 1185 a.C.

Pádua era, portanto, uma das cidades mais importantes da Europa no século XIII, quando Santo Antônio a escolheu para viver e morrer. Era um momento de efervescência intelectual. A Universidade de Pádua, uma das mais antigas instituições de ensino superior do mundo, começava a funcionar – foi inaugurada em 1222 e, por ali, passariam nos séculos seguintes ícones da história universal, por exemplo, Nicolau Copérnico (1473-1543), Cristóvão Colombo (1451-1506) e Galileu Galilei (1564-1642), cuja residência onde morava permanece preservada. Intelectual respeitado, Antônio lecionou na universidade em seu último ano de vida.

Na cidade ainda estão algumas das mais famosas e importantes obras da arte ocidental, o ciclo de afrescos de Giotto (1267-1337) executados entre 1304 e 1306 na Capela dos Scrovegni, também conhecida como capela Arena. Como a igreja é dedicada a Santa Maria della Carità, o artista pintou Nossa Senhora de modo a enfatizar seu papel na salvação humana.

Com noventa mil metros quadrados, o Prato della Valle também é dos atrativos mais importantes. A área verde, com sua peculiar forma elíptica, tornou-se espaço público em 1767 para se tornar a maior praça de toda a Itália – e uma das maiores da Europa.

Tudo isso é história e contribui para criar uma atmosfera única para a cidade. Mas o que leva três milhões de peregrinos anualmente a Pádua é Il Santo. Nos arredores da basílica, lojinhas de souvenirs religiosos e estandes de camelôs exploram a fama do padroeiro, vendendo medalhinhas, imagens, fitinhas, santinhos, terços, imãs de geladeira, velas, cartões postais e uma pitoresca gama de quitutes, de bolachinhas a licores, tudo com alusão ao famoso religioso que lá viveu.

Tisana del santo alle 17 erbe, por exemplo, é um chá composto por 17 ervas diferentes, cujo rótulo estampa a figura de Antônio. Dolce del santo, uma espécie de rosquinha doce, é o alimento mais comum no comércio religioso das cercanias. O mais curioso, sem dúvida, é o Lacrime di Sant’Antonio. A descrição da etiqueta: “gocce e goccioline di rosolio, sciroppo di zucchero” – ou seja, sob o nome de “lágrimas de Santo Antônio”, o que se vende é um licor de rosas típico italiano, com xarope de glicose.

A movimentação não é tão grande quanto de lugares como a cidade de Aparecida, no Vale do Paraíba, estado de São Paulo, ou mesmo o entorno do Vaticano, em Roma. Contudo, assim como em outros locais que giram em torno do turismo religioso, cafés, sorveterias e outros estabelecimentos comerciais também se referem ao padroeiro, como é o caso da Gelateria Sant’Antonio ou do Caffé Al Santo.

Na Praça do Santo, a imponente igreja tem uma fachada de 28 metros de altura por 37 metros de largura. No total, a basílica mede 115 metros de comprimento e, na parte mais larga, chega a 55. A altura do seu ponto mais alto é de 38,5 metros – mas a torre bate nos 68.

A veneração de Santo Antônio é tamanha, e foi tão instantânea, que a igreja dedicada a ele começou a ser construída em 1232, apenas um ano após sua morte. Ficou pronta em 1310. Arquitetonicamente, é uma mescla de diversos estilos: românico, gótico e bizantino, depois incorporando características do Renascimento e do Barroco.

Os franciscanos – da Ordem dos Frades Menores Conventuais – que administram a basílica sugerem um percurso a quem a visita. Ali dentro, silêncio quase absoluto. Fotos não são autorizadas.

O convite é para que o peregrino inicie com a acqua santa, benzendo-se com um pouco da água benta disponibilizada logo na entrada da igreja. De acordo com a fé católica, o gesto é uma renovação espiritual do batismo e serve para a purificação dos pecados. No caso da basílica de Santo Antônio, a água está em uma bacia de mármore, com uma estátua de Cristo batizado – obra iniciada por Giovanni Minello (1440-1528) e concluída por Tiziano Aspetti (1557-1606).

Em seguida, alguns minutos são necessários para apreciar a beleza suave do afresco Madonna col Bambino, uma representação da Virgem Maria com o Menino Jesus ao colo, ladeados por São João Batista e São João Evangelista. É uma pintura do século XIV, feita por Stefano da Ferrara (1349-1376).

Prosseguindo em sentido horário, a próxima parada é a capela mais solene do interior da igreja. Trata-se do local onde está a tumba de Santo Antônio, sob a inscrição latina “corpus s. Antonii”. A um canto, fotografias de pagadores de promessas e cartinhas manuscritas se somam. É possível notar a ampla variedade de idiomas e origens. Em uma das vezes em que lá estive, destacava-se uma imagem de um militar norte-americano. Muitas das pessoas retratadas são crianças, algumas com visíveis problemas físicos.

A recomendação dos franciscanos é para que o fiel aproxime-se em silêncio do local, tido como o “coração espiritual do Santuário”. “O santo recebe-o com alegria, cuida de você prontamente e o convida a permanecer sob sua proteção”, informa o texto que sugere o roteiro interno.

Há uma oração indicada para essa reverência ao túmulo santo. Em tradução livre para o português, seria algo como:

Senhor, pela intercessão de Santo Antônio,

ilumina o meu coração

dá-me fé e coragem nas provações

abençoe o meu caminho cristão.

Conceda-me a graça pela qual eu te imploro…

A capela é um esplêndido trabalho da Renascença italiana. Sua construção iniciou-se em 1500 e levou quase cem anos, projeto arquitetado provavelmente pelo escultor Tullio Lombardo (1460-1532). Os maiores escultores venezianos da época foram contratados para a execução.

Na parede, nove relevos em mármore trazem cenas da vida e de milagres atribuídos ao santo. Antonio Minello (1465-1529) é autor de Vestizione di s. Antonio, obra de 1512. Giovanni Rubino, chamado de Dentone, e Silvio Cosini (1495-1549) concluíram Il Marito Geloso che Pugnala la Moglie em 1529. S. Antonio Risuscita un Giovane, terminada em 1577, é obra de Danese Cattaneo (1512-1572) e Girolamo Campagna (1549-1625). Jacopo Sansovino (1486-1570) entregou Risurrezione di una Giovane Annegata em 1563 e, junto a Antonio Minello, fez também S. Antonio Risuscita un Bambino Annegato – concluída em 1534. Tullio Lombardo assinou duas das obras, ambas de 1525: Miracolo del Cuore dell’Usuraio e Miracolo del Piede Reciso e Riattaccato. Il Bicchiere Scagliato in Terra e Rimasto Intatto, de 1529, é atribuído a Giovanni Maria Mosca (1495-1573) e Paolo Stella. Antonio Lombardo (1458-1516) fez Un Neonato Attesta L’onestà della Madre, de 1505.

Obra de Tiziano Aspetti, o altar-túmulo de Santo Antônio ficou pronto em 1594. Os dois candelabros de prata que ladeiam a sepultura são do século XVII. No interior da capela, lê-se ainda: “Gaude, felix Padua, quae thesaurum possides”, ou seja, “Alegra-te, Pádua feliz, que possuis um tesouro”.

A capela de Santa Madonna Mora é um diálogo com Santo Antônio vivo. Isso porque foi feita com restos da antiga igreja de Santa Maria Mater Domini, onde o sacerdote celebrava missas, pregava e ouvia confissões em seus últimos dois anos de vida. O belo altar, em estilo gótico, é obra do artista Rinaldino di Guascogna, executada em 1396. Nas paredes, há afrescos dos séculos XIII e XIV.

Da parede norte dessa capela, é possível acessar outra, dedicada ao beato Luca Belludi (1206-1286), ou Luca de Pádua, discípulo e amigo de Santo Antônio. Belludi foi um dos grandes entusiastas da construção do santuário, e seus restos mortais estão sepultados ali.

O altar é ornado com afrescos de Giusto de’ Menabuoi (1320-1391), trabalho executado em 1382. São diversas obras: a Virgem Maria entre os santos franciscanos, ao centro; dois episódios de intercessão do beato, ao canto do altar; e algumas cenas dos apóstolos Felipe e Tiago.

Em seguida, coroando esse encontro de fé com Il Santo, o peregrino depara-se com a capela das relíquias – também chamada de “capela do tesouro”. Fica exatamente ao fundo da igreja, no extremo oposto à entrada principal. A principal delas é, dentro de um relicário, a língua preservada do santo. Toda erguida em estilo Barroco, é obra do arquiteto e escultor Filippo Parodi (1630-1702).

Ali podem ser vistas algumas preciosidades para quem acredita na santidade de Antônio. Conta-se que em 1263, quando os restos mortais do santo foram transferidos para a tumba definitiva, ou seja, para dentro da igreja então em construção, o superior dos franciscanos, São Boaventura (1217-1274), ordenou a abertura do sarcófago para que o conteúdo fosse inspecionado. Para a surpresa de todos, trinta e dois anos após a morte de Antônio, sua língua estava preservada. Seria um milagre, um sinal da importância daquilo que o religioso pregou em vida – sua língua, que tinha proclamado com tanta eloquência e sabedoria os ensinamentos de Deus, estava incorrupta.

O órgão foi então acondicionado separadamente dos restos mortais e encontra-se à mostra até hoje. O relicário foi substituído – o atual é o terceiro a acondicioná-lo e trata-se de uma obra da ourivesaria de Giuliano de Florença, datada de 1436.

Na mesma capela podem ser vistas a mandíbula inferior com cinco dentes atribuída ao santo, uma batina que teria sido utilizada pelo religioso e a arca onde ele foi sepultado originalmente. Fragmentos de pele, fios de cabelo e um osso do pé que teria sido de Antônio também estão expostos. Outra relíquia exibida são as suas cordas vocais, igualmente preservadas.

Parodi é o autor das estátuas da balaustrada – S. Francesco d’Assisi, La Fede, L’Umiltà, La Penitenza, La Carità e S. Bonaventura – e de S. Antonio in Gloria, acima do nicho central.

Mais alguns passos e chega-se à capela das bênçãos. Ali, o tempo todo há um sacerdote abençoando os peregrinos com água benta e distribuindo santinhos com orações. A capela seguinte do percurso é a da penitência, onde o fiel pode se confessar, se quiser, e rezar. Há ainda a capela do Santíssimo, ponto central da fé católica em todos os templos da religião. É onde a hóstia eucarística fica exposta vinte e quatro horas por dia, significando, para quem crê, a presença de Jesus Cristo.

O percurso encerra-se no Altar Maggiore, o altar principal onde o peregrino é convidado a participar de alguma das missas diárias – elas ocorrem praticamente de hora em hora.

Ali estão as maiores obras de arte da basílica: as quatro belas estátuas de mármore executadas em 1594 por Tiziano Aspetti (1559-1606), e um conjunto de sete imagens de bronze feitas por Donatello (1386-1466). São elas: San Ludovico (que mede 1,64m), Santa Giustina (1,53m), San Francesco (1,47m), Madonna col Bambino (1,59m), SantAntonio da Padova (1,45m), San Daniele (1,53), San Prosdocimo (1,63m). No total, o altar principal tem trinta esculturas e o arranjo contemporâneo, realizado em 1895, é obra do arquiteto, restaurador, historiador e crítico de arte Camillo Boito (1836-1914).

Em escaninhos ao longo do trajeto, é comum que o peregrino se depare com folhetos e santinhos dedicados a propagar a devoção ao religioso. Um deles é particularmente dedicado às crianças, com uma prece específica. Em tradução livre, seria algo assim:

Oração das crianças a Santo Antônio

Caro Santo Antônio,

Você é amigo de Jesus e de todas as crianças.

Ajuda-me a viver sempre em amizade com Deus

e a crescer em bondade.

Afasta-me de mim as doenças

e os perigos da alma e do corpo.

Rezo pelas pessoas que sofrem

e pelos pobres do mundo.

Abençoe a mamãe e o papai

e seja sempre o nosso protetor.

Amém.

Também há um formulário – não apenas em italiano, mas em diversos outros idiomas, inclusive em português, inglês e espanhol – no qual o peregrino pode preencher dados pessoais e remeter, pelo correio ou por e-mail, seus pedidos de oração para os frades da basílica. No verso, lê-se uma oração:

Ó Deus, Pai cheio de bondade e misericórdia,

que escolhestes Santo Antônio como testemunha do

Evangelho e mensageiro da paz no meio do vosso povo,

escutei a oração que nós Vos dirigimos pela sua intercessão.

Santificai todas as famílias,

ajudai-as a crescer na fé,

conservai nelas a unidade, a paz e a serenidade.

Abençoai os nossos filhos,

protegei os jovens.

Socorrei os que estão marcados pela doença,

pelo sofrimento e solidão.

Sustentai-nos nos cansaços de cada dia,

doando-nos o vosso amor.

Por Cristo nosso Senhor.

Amém.

Os religiosos recebem cerca de 6 mil cartas por mês, de todas as partes do mundo.

Mas sem dúvida a mais curiosa dessas lembrancinhas religiosas é o bem-acabado santinho que traz, conforme o próprio texto diz, “um pedacinho de tela que tocou na Sagrada Língua de Santo Antônio”. Também com versão em português, o pequeno folheto tem, no centro inferior, uma transparência onde se pode ver, preservado, um pequeno quadradinho de tecido, de cerca de 0,5 centímetro de lado, que teria tocado na sagrada relíquia. A oração é a seguinte:

Ó Deus Pai bom e misericordioso,

que escolheste Santo Antônio

como testemunha do Evangelho

e mensageiro de Paz,

no meio do Teu povo,

ouve a nossa prece por sua intercessão.

Santifica todas as famílias,

ajuda-as a crescer na fé;

conserva-as na unidade, na paz e na serenidade;

abençoa os nossos filhos, protege os jovens.

Socorre todos os que estão aflitos pela doença,

pelo sofrimento e pela solidão.

Sê a nossa proteção nos trabalhos de cada dia e

concede-nos o Teu amor.

Por Jesus Cristo nosso Senhor.

Amém.

A enorme basílica não é o único ponto de peregrinação antoniana da Pádua contemporânea. Il Caminno di Sant’Antonio, uma rota conhecida da devoção ao religioso, compreende os três pontos da morte do santo. Parte de Camposampiero, cidade de dez mil habitantes vizinha a Pádua.

Exatamente a 21 quilômetros da basílica de Santo Antônio fica um jardim com robustas nogueiras e belas tílias. Ao fundo, uma pequena capela batizada de Santuario del Noce recorda o local onde o religioso estava quando começou a agonizar, em 1231. O nome se explica: na época de Antônio, ali havia uma pequena cela construída sobre uma nogueira – local utilizado por ele para retiros e oração.

A igrejinha foi erguida em 1432. Décadas mais tarde, o local ganhou um conjunto de afrescos retratando os principais milagres de Santo Antônio, obras de Girolamo Tessari (1480-1561).

O jardim tem ainda uma coleção de seis esculturas em bronze, batizada de Il Sentiero di Antonio Vangelo e Caritá e inaugurada no ano 2000. Assinadas pelo artista Romeo Sandrin, as obras evocam passagens da vida de Antônio e convidam a um percurso contemplativo de duzentos metros.

Na outra ponta está Il Santuario della Visione, igreja dedicada a São João Batista. A construção atual é de 1909 – contudo, uma ancestral versão que havia no mesmo lugar foi local de pregações e missas celebradas por Santo Antônio.

Não longe dali, já no município de Pádua, está o Santuario dell’Arcella – Arcella é o nome do bairro na região norte da cidade –, também conhecido como Sant’Antonino. Foi nesse local, um retirado convento de freiras, que Antônio morreu, em 13 de junho de 1231. A construção atual da igreja é recente, data de 1931. Ali está preservado, entretanto, o quarto onde o santo deu seu último suspiro após, fragilizado e à beira da morte, ter sido acolhido pelas religiosas.

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