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Capítulo 5
Uma empreendedora nata
“Nem Jesus conseguiu escolher doze bons discípulos.”
– Madre Teresa
Ao longo dos dois anos seguintes, vi a Madre sempre que ela visitou os Estados Unidos, três ou quatro vezes no total. No início, continuava meu trabalho no Capitólio, voluntariando com as irmãs em Anacostia ou no lar para aidéticos à noite e nos fins de semana. Porém, quanto mais tempo eu passava com as MCs, mais claro ficava que meu coração estava com elas e não com o Senador Hatfield. Então, em outubro de 1988, pedi demissão de meu emprego em seu gabinete e me tornei voluntário em tempo integral para as Missionárias da Caridade. Retirei todo o dinheiro do meu fundo de pensão do senado para que pudesse continuar pagando a hipoteca da minha mãe e cobrir minhas próprias despesas. Doei a maior parte das minhas roupas, joguei fora anuários e outras lembranças e guardei o que restou de meus bens terrenos na garagem de um amigo. Me senti totalmente à disposição de Deus e dedicado à vida e ao trabalho das MCs. Essa nova vida me deu inúmeras oportunidades para ajudar e me envolver com Madre Teresa.
Já tínhamos iniciado uma correspondência regular e eu, fielmente, mantive suas cartas manuscritas vindas da sede em Calcutá. A mudança em suas saudações revela a trajetória da confiança, e então amizade, que começou a se formar entre nós. Na primeira carta, em setembro de 1985, ela se dirigiu a mim como “Querido sr. J. Towey”. Catorze meses mais tarde, foi “Querido James” e, quatro meses depois disso, “Querido Jim”. Em 1989, ela começava suas cartas com “Meu querido Jim”, e tenho até um bilhete endereçado a mim como “Jimmy”.
Cada carta ou conversa com Madre Teresa durante esse período da minha vida me fez perceber o abismo que existia entre sua total entrega a Deus e meu próprio discipulado condicional. Me perguntava se eu não estaria escondendo alguma coisa de Deus. Voltaram os pensamentos sobre buscar o sacerdócio, pois parecia um caminho seguro para o tipo de aceitação sincera à vontade divina que a Madre e suas irmãs viviam. O voluntariado em tempo integral para as MCs ainda me permitia a liberdade de sair a qualquer momento, diferente das irmãs, que tinham se comprometido por toda a vida. E mulheres estavam ingressando aos montes.
O Prêmio Nobel tornou o nome de Madre Teresa conhecido, e sua ordem, um fenômeno global. De repente, ela estava abrindo mais de vinte novas missões por ano, duas vezes mais do que anteriormente, alcançando praticamente todos os cantos da terra. Em 1984, um ano antes de conhecê-la, a Madre abriu a casa de número 250, e metade das missões era fora da Índia. Nos últimos dez anos de sua vida, as Missionárias da Caridade abriram uma média de 25 novas missões por ano, a grande maioria em solo estrangeiro. O número de mulheres ingressando nas MCs era tão grande que, em 1997, havia 250 moças na sede se preparando para fazer os votos.
Além das Irmãs e dos Irmãos MCs, em 1984 Madre Teresa cofundou os Padres MC, com Padre Joseph Langford. Um jovem americano da Califórnia, Padre Joseph descobriu a Madre quando era seminarista em Roma, em 1972. Estava em uma livraria, quando viu a foto dela na capa do livro de Malcolm Muggeridge, sem saber quem ela era. “Havia bondade em sua face, uma generosidade em seu olhar”, ele contou mais tarde. Ele folheou o livro e imediatamente soube o que queria fazer com sua vida. Ela havia despertado nele “uma nova esperança no que havia de melhor na humanidade, e em mim”. Ele escreveu à Madre e começou a ser voluntário com as irmãs. Ela foi à primeira missa dele em 1978 e, dois anos depois, com sua permissão, ele organizou um grupo mundial de sacerdotes para promover sua missão e visão; mais tarde, esse grupo evoluiu para os Padres MC. Certa vez a Madre me disse que ninguém havia compreendido o “tenho sede” espiritualmente como ele.
Ela viu a necessidade de serviços sacerdotais como parte da missão das Missionárias da Caridade. Além de executar os trabalhos práticos nas missões, os Padres MCs ajudariam nas necessidades sacramentais e espirituais tanto dos pobres quanto das irmãs. A ordem começou no Bronx com apenas dois padres – Padre Joseph e Padre Gary Duckworth – e um seminarista, Brian Kolodiejchuk, e se manteve um grupo pequeno e seleto. Como os Irmãos MCs, que trabalhavam com as irmãs desde 1963, inicialmente os padres padronizaram seu modo de vida e agenda com o das irmãs, mas, com o tempo, encontraram a própria identidade distinta. As três divisões das Missionárias da Caridade sempre trabalharam bem juntas, unidas por um propósito e uma fundadora em comum.
A vida diária da Madre consistia, principalmente, de interações com um pequeno círculo de irmãs e amigos. Ao longo dos anos, esse círculo se expandiu ou contraiu de acordo com suas demandas da missão e condições de saúde. Seu grupo principal de apoio consistia das cinco irmãs que tinham sido eleitas para o conselho administrativo da MC, e irmãs mais antigas e Padres MC, com quem ela viajava. Também trabalhou de perto com algumas pessoas de fora, que tinham habilidades ou contatos que ela não tinha. Nos primeiros anos, por exemplo, dr. Senn foi vital no cuidado que as Missionárias da Caridade tiveram com os leprosos de Calcutá; e Eileen Egan, membro da equipe do Catholic Relief Services[1], facilitou os esforços de distribuição de comida da Madre.
Ninguém foi mais indispensável para a orientação da Madre nos intrincados assuntos internos da Índia do que os Kumars. Naresh Kumar, o melhor tenista indiano de sua geração, era um empresário respeitado. Sua esposa, Sunita, era pintora autodidata e mãe de três crianças, que conheceu a Madre em meados dos anos 1960 enquanto empacotava medicamentos para os leprosos. Instantaneamente se tornaram amigas. Em sua primeira visita a Kalighat, a Madre aconselhou Sunita: “Não pense neles como moribundos. Apenas sorria, e eles sorrirão para você”.
A casa dos Kumars era a única residência particular em Calcutá que Madre Teresa visitava com alguma regularidade. Quando precisava de um serviço telefônico confiável para fazer uma chamada particular para o Vaticano, ela batia à sua porta. Quando a Madre ou suas irmãs ficavam doentes, os Kumars cuidavam das questões com hospitais e médicos locais. Quando a Madre esteve à beira da morte, em 1989, os Kumars deram telefonemas no meio da noite para conseguir vistos de emergência no consulado indiano em Nova York, de modo que um médico americano pudesse ir imediatamente para Calcutá. O procedimento arriscado que fez para remover um fio infectado de seu marcapasso salvou a vida dela. Quando a Madre faleceu, oito anos depois, Sunita deu a notícia ao mundo numa coletiva de imprensa organizada às pressas no convento-sede, com Irmã Nirmala, sucessora da Madre, ao seu lado. Até hoje, ela atua como assessora de imprensa informal para as Missionárias da Caridade, ajudando-as a responder às perguntas da mídia.
À medida que as MCs se expandiam globalmente nos anos 1970, a Madre precisava de mais e novos tipos de auxílio. Sandy McMurtrie conheceu a Madre em 1981, quando tentava reconstruir sua vida após um divórcio doloroso. Ela tinha visto uma matéria jornalística sobre Madre Teresa e “imediatamente pensei que encontrar com ela ajudaria aos meus filhos e a mim naquele momento difícil, e nos ajudaria a nos aproximarmos enquanto família”, ela lembra. Sua família ficou cuidando de seus três filhos para que ela pudesse ir à Índia numa viagem com a Catholic Relief Services, na esperança de conhecer a pequena freira. O destino colocou as duas no mesmo voo de Hong Kong para Calcutá – nada menos do que na mesma fileira. Sandy se apresentou à Madre Teresa na área de retirada de bagagem e foi convidada para ir ao convento da MC na manhã seguinte. Quando chegou, foi colocada para trabalhar. “Apesar de eu ser uma estranha, ela me acolheu”, Sandy recorda. “Ela começou a me incluir em suas atividades diárias, como se fôssemos velhas amigas.”
O mês de Sandy em Calcutá resultou em dezesseis anos como amiga, confidente, benfeitora e companheira frequente de viagens de Madre Teresa. Ela estava ao seu lado durante os anos 1980 e 1990, quando a Madre estabeleceu missões em mais de vinte cidades americanas. Ela a acompanhou em reuniões com os presidentes Ronald Reagan, George H. W. Bush e Bill Clinton e conduziu a cadeira de rodas da Madre em um palco improvisado no Statutary Hall do Capitólio, quando a freira de 87 anos recebeu a mais alta honraria do Congresso americano. Em função de suas obrigações em casa, Sandy raramente viajava com ela para o exterior, mas quando a Madre se encontrou por mais de duas horas com Fidel Castro, em Havana, Sandy estava lá.
Essa proximidade com a Madre só era rivalizada pela de Jan Petrie, que viajou com ela pelo mundo e fez mediações para ela com a mídia e com líderes religiosos e civis. Jan, uma canadense, coproduziu com sua irmã Ann o magistral documentário Madre Teresa. Madre tratava Jan e Sandy como filhas, se não irmãs, inclusive lhes dando acesso a algumas áreas privativas internas de seus conventos.
Os Kumars, Sandy e Jan se alternaram como porteiros, auxiliares de viagens e protetores à medida que cresceu a interação da Madre com o mundo secular nas duas últimas décadas de sua vida. Foi-me garantida a entrada em seu círculo íntimo para fornecer conselhos sobre assuntos legais e governamentais. Não era um clube social – até o fim, a Madre só se importava com o trabalho. Se a tivesse conhecido em 1975, quando tinha apenas a missão do Bronx, nos Estados Unidos, e não uma década mais tarde, quando estava abrindo diversos lares para portadores de aids e tendo dificuldades com questões de imigração, meu contato direto teria sido limitado e nunca teria feito amizade com ela.
Mas uma das coisas que aprendi foi que Madre Teresa era uma empreendedora nata – um aspecto de sua genialidade que normalmente passa despercebido. Ela dirigia um império multinacional de mulheres fazendo o trabalho mais miserável do planeta, sem salário, sem benefícios e sem treinamento elaborado. Na época de sua morte, eram 3.842 irmãs, 363 irmãos e 13 padres operando em mais de 650 cozinhas comunitárias, clínicas de saúde, leprosários e abrigos para pessoas desesperadamente pobres e doentes em 120 países, sem qualquer custo para os atendidos e nenhum recurso governamental. Madre Teresa atribuía seu sucesso à divina providência e, à luz dos obstáculos linguísticos, culturais e religiosos que ela superou, é difícil contestar. Ela, claramente, foi criada para esse propósito. De que outra maneira uma obscura adolescente albanesa poderia crescer para realizar tudo isso – e se tornar universalmente reconhecida como símbolo do amor de Deus na terra?
O rápido crescimento das Missionárias da Caridade significou que a Madre precisava de ajuda com questões mundanas, e eu tive a honra de resolver problemas para ela regularmente. Nos doze anos que se seguiram ao meu breve encontro com Madre Teresa em Calcutá, gradualmente fui assumindo maiores responsabilidades como seu consultor legal pro bono nos Estados Unidos, cuidando de qualquer assunto que ela ou as irmãs me indicassem.
Muitos anos depois, trabalhei para o presidente George W. Bush como diretor do Escritório da Casa Branca de Iniciativas Comunitárias Baseadas na Fé. Sempre que o presidente me apresentava em eventos públicos, invariavelmente brincava: “Towey era advogado de Madre Teresa. Em que tipo de mundo vivemos, quando até Madre Teresa precisava de um advogado?”. Parece absurdo, mas as pessoas frequentemente abusavam de sua bondade para obter lucro, e algumas continuam a fazer isso até hoje.
Um exemplo: em 1987, a Madre viajou para os Estados Unidos para dar uma palestra a convite de um arcebispo. O padre que a recebeu no aeroporto era escorregadio como seda, aparecendo com uma limosine (na qual a Madre se recusou a entrar). No lugar do evento, estavam seguindo em direção ao palco quando, de repente, o padre a desviou para um estúdio de fotografia improvisado montado em uma sala ao lado. Ele disse que a foto era apenas para o jornal católico local e colocou à sua frente um formulário, dizendo que era uma permissão para a arquidiocese publicar a foto. Relutantemente, ela assinou; achava errado questionar um padre, a menos que tivesse motivos para desconfiar dele.
A Madre não gostava de tirar fotos em nenhuma circunstância, e essa inesperada sessão de fotos a tinha incomodado mais do que o normal, por isso a foto ficou parecendo a de uma ficha policial. Ela fez seu discurso e foi embora. Só foi pensar novamente nessa estranha situação três anos mais tarde, quando notícias começaram a aparecer nos maiores jornais pelo mundo. Alguém leu no Washington Post: “Madre Teresa, um dos tesouros vivos deste mundo, pela primeira vez autorizou a reprodução de sua foto em uma edição litográfica especial de colecionador”. O padre e o fotógrafo haviam conspirado para vender milhões desses retratos “autorizados” para suprir as necessidades da arquidiocese – começando com um órgão de 200 mil dólares – e fazer uma pequena fortuna para dois investidores. A Madre queria que eu desse um fim naquele esquema. Mais importante, queria que qualquer questão com o arcebispo fosse resolvida discretamente: “Proíbo qualquer coisa pública. Isso envolve a Igreja, e não quero prejudicar a Igreja. Você tem que ser cuidadoso”. Chegamos a um acordo – os termos permanecem confidenciais –, mas as fotos foram destruídas e o padre se desculpou por tê-la enganado. Ela ficou feliz quando liguei para contar as boas notícias.
Esse caso, e as dúzias de outros semelhantes, são o motivo de Madre Teresa precisar de um advogado. Nem eu era o único advogado a seu serviço. As Missionárias da Caridade tinham centenas de missões pelo mundo quando conheci a Madre e frequentemente precisavam de aconselhamento local. Elas já tinham uma fantástica advogada pro bono nos Estados Unidos, Dianne Landi, cuja firma cuidava de negócios e questões imobiliárias para as MCs. Porém, durante os últimos doze anos de vida da Madre, cuidei da maioria dos problemas legais que surgiram em seu caminho, fossem questões de imigração para as centenas de irmãs vindas para a América, regulamentações governamentais das missões que estava abrindo, arrecadação de fundos não autorizada em seu nome feita por outros ou uso ilícito de sua imagem ou seu nome.
Foi essa última categoria que tornou o trabalho mais interessante. É bastante raro ser um nome reconhecido em todo o mundo, mais raro ainda, que a fama se deva a algo que quase todos admiram. Então, não seria surpresa que um grande número de pessoas e corporações quisesse atrelar seu nome ao dela.
Alguns casos foram engraçados, como o “Mother Teresa Breath Mist[2]”, spray produzido em Pittsfield, Massachusetts, que prometia “expurgar os demônios do mau hálito”. O rótulo dizia: “Seja misericordioso com seus amigos e vizinhos [...] livra-te do flagelo ímpio da halitose”. A Madre riu, e eu pus um fim no spray bucal.
Outros eram perdoáveis, como a empresa do Missouri vendendo uma boneca “Missionária da Caridade” como parte da “Coleção de Bonecas Freiras Abençoadas”. A boneca estava vestida conforme a marca registrada de Madre Teresa, o sari azul e branco, e custava 189 dólares. Os donos da empresa eram católicos devotos e, como a boneca não tinha seu nome, a Madre decidiu deixar que continuassem vendendo.
Algumas companhias pediam permissão antecipadamente para usar seu nome e sua imagem, outras pediam perdão depois. A Samsung pediu permissão a Madre Teresa antes de lançar uma campanha de marketing na Coreia do Sul com a foto dela e a legenda “Samsung pensa na responsabilidade com a sociedade em primeiro lugar”. A Tylenol não pediu permissão antes de publicar um anúncio que incluía a foto de Madre Teresa, juntamente com as de Abraham Lincoln, Benjamin Franklin e John F. Kennedy, com a chamada: “Imagine-se entre esses líderes”. Detivemos os dois.
Nada havia a ser feito com relação a alguns usos fraudulentos de seu nome. Durante a guerra dos Balcãs, em meados nos anos 1990, a “Organização Humanitária de Madre Teresa” operou clínicas de saúde na Croácia que, supostamente, realizavam abortos e usavam caminhões com o nome da Madre para transportar alimentos e contrabandear armas para os combatentes. As Missionárias da Caridade recorreram ao governo americano e a organizações humanitárias, incluindo a Cruz Vermelha Internacional, mas ninguém pôde fazer nada.
Os esforços para usar o nome da Madre não cessaram após sua morte. Em 1998, Steve Jobs escreveu uma elogiosa carta às Missionárias da Caridade pedindo para usar a imagem da Madre em uma campanha da Apple, “Pense Diferente”, que homenageava os “grandes pensadores e inspirações do século XX”. Ele esperava mostrá-la como um dos “gênios” da Apple, em um anúncio com a famosa foto de uma Madre Teresa radiante olhando para um bebê que segurava acima da cabeça. Escreveu: “É minha esperança que a imagem de Madre Teresa faça brilhar ainda mais a luz que brilha no coração das pessoas ”. As MCs não permitiram. Não se sentiram confortáveis em associar Madre Teresa a uma campanha secular, em especial uma conduzida por uma empresa conhecida por suas posições sociais progressistas.
Outras organizações tiveram propósitos menos nobres. Em 1997, uma organização internacional de ajuda humanitária, Food for the Poor[3], enganou os lares da MC no Caribe pedindo que enviassem uma lista do que precisavam, e então, pouco antes do primeiro Natal após a morte da Madre, publicaram essa lista em uma mala-direta de arrecadação de fundos, enviada para trezentas mil pessoas. “Com sua ajuda, as Missionárias da Caridade terão o que precisam [...]. Elas precisam agora de nossas orações e nosso apoio mais do que nunca”, dizia o texto. Quase um milhão de dólares foram derramados nos cofres da Food for the Poor antes que pudéssemos impedir essa solicitação descarada. O dinheiro que arrecadaram para eles acabou transferido para as MCs.
Interações da Madre com governos locais foram igualmente confusas. Ela conhecia o prefeito de Nova York, Ed Koch, muito bem, de suas muitas reuniões durante seus três mandatos como prefeito. Na verdade, quando ele estava se recuperando de um derrame leve, em 1987, ela o visitou em sua casa – e também o procurou para pedir duas vagas de estacionamento reservadas em frente ao seu lar para aidéticos, em Greenwich Village. Pouco antes das primárias democráticas municipais de Nova York, em 1989, Koch vendeu para a Madre dois prédios decadentes no Bronx, que o município tinha confiscado devido a impostos atrasados, por um dólar cada. Ela planejava usar essas propriedades para acomodar a superlotação da cozinha comunitária e do abrigo de moradores de rua que as MCs operavam havia mais de uma década sem custos para o governo.
Koch perdeu a eleição e seu sucessor, David Dinkins, insistiu que as MCs instalassem um elevador para os deficientes em um dos prédios a um custo de 25 mil dólares. A Madre se negou, dizendo: “Não precisamos de um elevador. Podemos carregar qualquer um que não possa subir as escadas. Esse dinheiro pode ser usado para administrar um centro de alimentação na África durante um ano”. Ela me enviou a Nova York para transmitir a mensagem.
O Escritório para Pessoas com Deficiência de Nova York não se mexeu, então a Madre decidiu devolver os prédios para a cidade. Ela não queria constranger o novo prefeito nem pôr em risco seu bom relacionamento com as autoridades municipais, no entanto, em sua carta devolvendo os prédios, agradeceu a Dinkins: “Desde a primeira vez que fui a Nova York, todos na cidade, todas as autoridades, a polícia, tantas pessoas, têm sido pura bondade, e sou muito grata a você e a todos os líderes e autoridades que nos ajudaram”. Apesar de seus esforços por discrição, o New York Times percebeu a controvérsia e publicou uma matéria com o título “Brigar com a prefeitura? Não. Nem mesmo Madre Teresa”. Os prédios foram devolvidos à cidade.
Mesmo nas questões mais mundanas – aquelas relativas a dinheiro –, a Madre era inabalável quando se tratava das Missionárias da Caridade e dos necessitados. Em uma disputa particularmente complicada, uma mulher americana deixou em testamento 1,2 milhão de dólares para as Missionárias da Caridade, “para o cuidado e conforto dos muito pobres e destituídos dos Estados Unidos”. Ela havia indicado um padre como executor e, após sua morte, em 1987, o padre imediatamente contratou um advogado com o propósito de desviar esse dinheiro para obras de caridade de sua própria diocese. Ele também desviou 67 mil dólares para si, como salário e despesas. Após quatro anos, ele não havia liberado um tostão para as MCs.
Ele chegou até mesmo a solicitar ajuda do arcebispo de Calcutá, pedindo que as MCs renunciassem à herança. A Madre enviou uma carta de recusa ao padre, pedindo que “gentilmente entregasse essa herança às irmãs no Bronx, para que o dinheiro pudesse ser usado de acordo com a intenção do doador”. Implacável, o padre mudou de estratégia e pediu uma porção não identificada da herança, o que apenas fez com que a Madre endurecesse seu compromisso. Em sua resposta manuscrita, pela primeira e única vez nos anos em que a representei, ela considerou, a meu pedido, a possibilidade de recorrer à justiça: “Fui avisada que, se não for possível resolver essa questão prontamente, será necessário levarmos o assunto à justiça. Espero e rezo para que possamos evitar essa ação”.
O padre não se deixaria influenciar. Ele ofereceu liberar os fundos em troca de uma doação de 250 mil dólares para a organização local de caridade católica que ele administrava. Telefonei para a Madre na Albânia e fiz o relato. Apesar do pedido dele de resgate, a Madre se recusou a expor a Igreja a um escândalo indo à justiça. Em vez disso, apelou ao bispo diocesano, escrevendo: “Nunca, em 41 anos na Igreja, as Missionárias da Caridade foram forçadas a pagar – a um padre consagrado – para receber um dinheiro que é legalmente nosso”. Até nos encontramos com um cardeal americano na esperança de resolver o problema dentro da hierarquia da igreja. Porém, passados meses, o advogado do cardeal me informou que Sua Eminência não estava em posição de intervir e, pior, que o padre estava disposto a ir à justiça para conseguir uma parte do produto da herança.
Em um último esforço de encerrar o conflito discretamente, Madre me pediu que organizasse uma reunião entre nós dois, o padre e seu advogado, durante o verão de 1992, quando ela estaria em Baltimore, abrindo um lar para aidéticos. Pouco antes de chegarem para a reunião, a Madre decidiu que queria falar com eles sozinha. “Melhor você ficar na capela e rezar enquanto eu cuido disso”, disse ela. Senti como se estivesse deixando-a entrar sozinha na cova dos leões, mas ela não precisava de minha ajuda.
Meia hora mais tarde, os três saíram da sala e se despediram amigavelmente. “Pronto, resolvido”, ela disse. “Eles concordaram que podemos ficar com todo o dinheiro.” Fiquei chocado e perguntei como ela tinha feito. Tudo o que respondeu foi: “Agradeça a Deus”.
1. A Catholic Relief Services é uma agência humanitária internacional, ligada à Caritas Internacional, com atuação em diversos países. Sua atuação principal é na resposta a situações de emergência, como furacões, maremotos e enchentes, além da quebra do ciclo de pobreza. Mais informações em www.crs.org/. Acesso em: 29 maio 2022. (N.T.)[ «« ]
2. Em tradução livre, spray bucal da Madre Teresa. (N.T.)[ «« ]
3. Em tradução livre, Comida para os pobres. (N.T.)[ «« ]
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