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Capítulo 12
Na escuridão como na luz
“Estou aprendendo a querer o que Ele dá, e não o que eu prefiro.”
– Madre Teresa
Jesus disse: Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me . Madre Teresa pegou sua cruz a cada oportunidade: buscando, em suas próprias palavras, “sempre o mais difícil”. Na sede de Calcutá, ela pegou para si o pior quarto (o mais quente, acima dos fogões de carvão da cozinha), as piores tarefas (limpar latrinas, esfregar o chão) e a pior comida (sempre as sobras, depois que todos tinham sido servidos). O crucifixo preso em seu sari, o crucifixo do rosário que estava constantemente em suas mãos e o grande crucifixo que prendia a dobra de seu sari na cintura a cada manhã serviam como lembretes constantes do que Deus pedira dela.
No entanto, o peso de sua cruz incluía sofrimento que ela não tinha escolhido – provações que lhe foram impostas por Deus. Além dos muitos fardos físicos, mentais e emocionais que carregava como líder de uma ordem missionária, a Madre suportou quase cinco décadas de dor punitiva espiritual. Isso quase sufocou sua alma. Era uma luta pessoal, compartilhada apenas com seus confessores e com o Arcebispo Perier, de Calcutá. Isso veio à tona devido à correspondência recolhida pelo Padre Brian Kolodiejchuk como parte do processo de coleta de documentação do Vaticano para determinar sua santidade. Ele encontrou cartas preservadas no arquivo da diocese de Calcutá, datadas dos anos 1940 e 1950, assim como os próprios diários da Madre desde que deixou Loreto. A Madre nunca teve a intenção de que esses escritos sobrevivessem. Padre Neumer, um teólogo nascido na Áustria, que a aconselhou em seus momentos mais dolorosos, testemunhou no processo de canonização: “Ela me deu os papéis com o pedido expresso de que os queimasse assim que os lesse”. Depois de muita oração e aconselhamento, Padre Brian reproduziu mais de 150 cartas e bilhetes da Madre no livro Venha, Seja minha luz (2007). Ele acreditava que as próprias palavras dela contribuiriam para um entendimento mais rico sobre sua vida. A coletânea revela suas experiências de trevas e seus anos de estranhamento de Deus, um estado espiritual que os católicos chamam de “noite escura da alma”.
Ela revelou pela primeira vez essa escuridão, que persistiu por quase toda a sua vida, em uma carta, em março de 1953, que escreveu ao Arcebispo Perier. “Por favor, reze especialmente por mim, que eu possa não estragar Seu trabalho e que Nosso Senhor possa se mostrar [...] pois há uma terrível escuridão dentro de mim, como se tudo estivesse morto. Tem sido assim, mais ou menos, desde que comecei ‘o trabalho’. Peça ao Nosso Senhor que me dê coragem.” Com exceção de um período de cinco semanas, em 1958, quando recebeu uma breve trégua “daquele estranho sofrimento de dez anos” após orar ao recém-falecido Papa Pio XII e pedir-lhe um sinal de que Deus estava satisfeito com seus esforços, o sofrimento intenso e o estranhamento de Deus que ela vivenciou nunca diminuíram.
“Senhor, meu Deus, quem sou eu para que me abandones?”, ela escreveu em 1959, em uma carta para Padre Lawrence Picachy, seu confessor na época. “Onde está minha fé? [...] Mesmo no fundo, bem no fundo, não há nada além de vazio e escuridão. Meu Deus [...] como essa dor desconhecida é dolorosa. Dói sem cessar [...]. Não tenho fé. [...] Não ouso proferir as palavras e os pensamentos que se amontoam em meu coração [...] e me fazem sofrer uma agonia indescritível.” Ela colocou esses sentimentos no papel por uma incapacidade de dizê-los em voz alta mesmo para seu confessor e para aliviar sua agonia interna. “Pensamentos colocados no papel dão um pequeno alívio”, escreveu. “Por que Ele quer que eu lhe diga tudo isso, eu não sei.”
Em 1959, Padre Picachy pediu a ela que endereçasse uma carta diretamente a Jesus. “Em minha alma”, Madre escreveu, “sinto apenas essa terrível dor de perda, de Deus não me querendo, de Deus não sendo Deus, de Deus não existindo verdadeiramente (Jesus, por favor, perdoe minhas blasfêmias – me disseram para escrever tudo).”
As cartas descrevem a agonia de uma mulher completamente devotada a Deus que não sentia amor de volta. “No chamado, Você disse que eu teria que sofrer muito”, escreveu, lembrando a mensagem de Jesus para ela no trem para Darjeeling. Ela trabalhou até os ossos tentando saciar a sede de Jesus por almas e, ainda assim, escreveu outra carta: “Almas não têm nenhuma atração – O céu não significa nada – para mim, parece um lugar vazio”.
Quando Padre Brian me enviou as provas de Venha, Seja minha luz para revisão, antes que fosse publicado, fiquei chocado com o que li. A Madre sentia que Deus não a queria? Escuridão a cercava por todos os lados? Para mim, no início, foi impossível conciliar o que eu lia em suas cartas com a mulher alegre que conheci, uma mulher que parecia ser mimada por Deus. Quem era próximo dela sabia que ela vivia uma vida incrivelmente difícil nos ambientes mais penosos, dando tudo de si, recusando nada a Deus. Simplesmente supomos que, em troca, Deus estava sussurrando coisas doces em seu ouvido e a confortando no silêncio da oração. Continua difícil conciliar as expressões de dor e solidão interior do livro com minhas memórias, mas reconheço que as palavras são, indiscutivelmente, dela.
Lendo o livro, senti como se a Madre, de repente, fosse uma estranha para mim. Me debrucei sobre as cartas em busca de pistas que pudessem revelar como foi possível para ela estar em tamanha dor e, ainda assim, ser tão alegre o tempo todo. “As pessoas dizem que se aproximam de Deus vendo minha forte fé. Isso não é enganação? Toda vez que quero dizer a verdade – ‘que não tenho fé’ –, as palavras simplesmente não saem, minha boca permanece fechada. E, ainda assim, continuo sorrindo para Deus e para tudo”, ela escreveu em 1962, doze anos em sua jornada na escuridão. Eu fui uma dessas pessoas que viu força em sua fé; me aproximei de Deus pelo sorriso beatificante dela e por aquilo que pareciam ser suas firmes convicções sobre Deus. Se ela tivesse me dito que não tinha fé, eu não acreditaria. Ainda assim, suas cartas descrevem uma mulher que passou os últimos cinquenta anos da vida em escuridão espiritual, desprovida de qualquer sensação da presença de Deus e de Seu amor por ela. Se Madre Teresa tinha dúvidas sobre a existência de Deus, o que se pode esperar de nós, de menor fé?
Imediatamente entrei em contato com amigos da MC: Irmã Nirmala, Padre Joseph e outras irmãs e padres que conheciam a Madre muito melhor do que eu. Estavam cientes do que ela tinha sofrido todos aqueles anos? Todos deram a mesma resposta: ela nunca mencionou nada. Isso foi tão surpreendente para mim quanto sua própria dolorosa escuridão oculta. Se tivesse sido comigo, teria encontrado maneiras de fazer com que as pessoas mais íntimas soubessem a extensão da minha angústia. Mas a Madre escolheu suportar essas provações em particular, levar sua cruz sozinha.
Quanto mais pensava sobre o que as cartas revelavam, mais eu via a escuridão de Madre Teresa como parte das agonias e paixão de seu Salvador. Como escreveu São Paulo sobre as próprias aflições espirituais: “Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja”. O relato da crucificação no Evangelho de Marcos começa: Desde a hora sexta até a hora nona, houve trevas por toda a terra. E à hora nona Jesus bradou em alta voz: “Elói, Elói, lammá sabactáni?”, que quer dizer: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”.
Misteriosamente, Madre Teresa compartilhou Sua escuridão e sensação de abandono. “Em meu coração não há fé, nem amor, nem confiança; há muita dor, a dor de saudade, a dor de não ser desejada”, escreveu em 1959. “Não rezo mais, repito as palavras das orações comunitárias, e tento ao máximo extrair de cada palavra a doçura que tem a dar.” Ela pode ter se sentido desamparada e esquecida por Deus e sofrido com dúvidas sobre a existência de Deus durante seus momentos mais difíceis, mas a escuridão que envolveu sua vida até sua morte não teve a última palavra. Até o fim, ela se agarrou a uma confiança cega em um Deus amoroso.
Por fim, ela alcançou um nível de iluminação sobre o papel que a escuridão teve em sua vida e vocação. Em uma carta de 1961 para o Padre Joseph Neuner, escreveu: “Pela primeira vez nesses onze anos, consegui amar a escuridão. Porque agora acredito que ela é uma parte, uma parte bem pequena da escuridão e dor de Jesus na terra... Mais do que nunca, me entrego a Ele”. Ela tinha aprendido a acolher a escuridão que sentia em sua alma, se tornar amiga dela e oferecê-la de volta para Jesus. Perto do fim de sua vida, ela confidenciou a William Curlin, bispo de Charlotte, Carolina do Norte, que conhecera na Gift of Peace quando era pároco. “Que presente maravilhoso de Deus”, escreveu a Curlin, “ser capaz de oferecer a Ele o vazio que sinto. Estou tão feliz em dar a Ele esse presente.”
As cartas da Madre também sugeriam que a experiência de rejeição permitiu a ela se identificar mais intimamente com os leprosos e excluídos de Calcutá, que conheciam bem a dor de não serem amados e serem indesejados. Em 1962, ela escreveu: “A situação física dos meus pobres deixados nas ruas indesejados, não amados, sem dono é o verdadeiro retrato de minha própria vida espiritual”. Tenho ponderado com frequência sobre a coincidência do início de suas provações espirituais com o florescimento do trabalho das Missionárias da Caridade. Parece que, quanto mais Madre Teresa se sentia rejeitada por Deus, mais prosperava sua missão de levar o amor de Deus e alívio aos pobres. Seria a escuridão o preço que ela devia pagar? Se sim, sei que ela estava feliz em pagar.
“Em vez de sufocar seu impulso missionário, a escuridão parecia revigorá-lo”, observou Padre Brian em Venha, Seja minha luz. “Madre Teresa entendia a angústia da alma humana que sentia a ausência de Deus e ansiava por acender a luz do amor de Cristo no ‘buraco escuro’ de cada coração enterrado na miséria, solidão ou rejeição. Ela reconhecia que, independentemente de seu estado interior, o cuidado carinhoso de Deus sempre estava lá, manifestado através de pequenos favores que outros faziam por ela, ou conveniências inesperadas que acompanhavam seus empreendimentos.” De fato, os pobres eram sua janela para Deus quando sentia que a porta estava fechada para ela. Como escreveu Padre Brian: “Na oração, ela se voltava para Jesus e expressava seu doloroso anseio por Ele. Mas era somente quando estava com os pobres que sentia Sua presença vividamente”.
Os encontros extraordinários e sobrenaturais que a Madre teve com Jesus, e a prolongada noite escura da alma que se seguiu, eram seu segredo – uma questão particular entre ela e Deus. Ela descrevia seu chamado místico como “um delicado presente de Deus para mim”, e explicou para uma irmã que nunca pôs em debate tal inspiração para as Missionárias da Caridade porque “quando você torna isso público, perde sua santidade”. De fato, ela queria manter seu sofrimento para si, mas contou ao seu confessor que o próprio Deus insistiu que revelasse sua escuridão interior. Ela escreveu essas cartas para seus confessores, mas, como as experiências que relatou a eles não eram de natureza pecaminosa, elas estavam fora do sigilo “sacerdote-penitente”, que teria mantido tais comunicações particulares e permanentemente confidenciais.
Instintivamente, a Madre sabia que palavras eram incapazes de comunicar “as profundezas de Deus” e que o simples fato de escrever tais coisas as diminuía. O grande teólogo medieval Tomás de Aquino descobriu essa verdade três meses antes de sua morte, quando recebeu uma revelação direta enquanto celebrava a missa. “Vi coisas que fazem tudo o que escrevi ser palha”, declarou, e nunca mais escreveu.
A Madre também temia que os escritos se tornassem uma distração se viessem a público. “Por favor, não entregue nada de 1946”, implorou ao Arcebispo Perier em 1957. “Quero que o trabalho continue sendo apenas dEle. Quando o começo for conhecido, as pessoas pensarão mais em mim – menos em Jesus.” Ela implorou ao Padre Picachy: “destrua tudo o que escrevi para você”. Os apelos da Madre foram ignorados. O arcebispo e seus confessores mantiveram estrita confidencialidade durante sua vida, mas acreditavam que seus escritos deveriam estar no tesouro da Igreja Católica para todos conhecerem.
Embora as cartas tenham despertado muito interesse e até controvérsia durante seu processo de canonização, ao final, elas simplesmente permitiram uma maior compreensão de sua santidade. Sua vida, em última instância, foi julgada heroicamente virtuosa por diversos critérios: seu trabalho com os pobres, o testemunho dos que conviveram com ela, a profundidade de sua vida de oração e muitos outros. O fato de ela ter feito tudo isso enquanto, secretamente, estava faminta pelo amor de Deus, torna sua vida de fé ainda mais inspiradora. Para mim, estou feliz por as cartas terem sido preservadas. Elas me convidam a conhecer a verdadeira Madre Teresa.
A Madre conseguiu esconder seu segredo de suas irmãs e amigos sob o manto de seu sorriso. Alguns críticos sugeriram que, à luz do que agora se sabe sobre sua dolorosa vida interior, sua alegria pretendia enganar, assim como ela temia. Ela reconheceu isso ao seu confessor: “Sorrindo o tempo todo. Irmãs e pessoas observam isso. Acham que minha fé, confiança e amor estão abastecendo meu próprio ser e que a intimidade com Deus e a fusão à Sua vontade devem estar absorvendo meu coração. Como poderiam saber que minha alegria é o manto com o qual eu cubro o vazio e o sofrimento”.
Seu manto enganou a mim e a outros próximos a ela. Ele também nos fez admirá-la ainda mais. “Ela sabia o quanto dependia totalmente de Deus para tudo”, disse Irmã Nirmala dez anos após a morte da Madre. “Tinha total consciência de suas limitações, fraquezas, impotência e pecaminosidade. Ao mesmo tempo, sabia o quão preciosa era para Deus. E nada nem ninguém poderia separá-la dEle.” Irmã Nirmala tinha certeza: “A Madre não duvidou de Deus, ela continuou a amá-Lo. Se você duvida de alguém, mais cedo ou mais tarde vai parar de segui-lo. Mas ela continuou a amá-Lo até a morte e a colocar em prática sua devoção”.
Em seu livro Mother Teresa’s Secret Fire[1], de 2008, Padre Joseph escreveu: “Ainda mais do que trazer Seu conforto para os pobres, Deus enviou Madre Teresa para ser Sua luz. Ele a convidou para armar sua barraca nos lugares mais sombrios, não para construir hospitais ou arranha-céus, mas para que ela pudesse brilhar com Seu esplendor”. A alegria de Madre Teresa tinha raízes em sua vontade, e não em seus sentimentos. Certa vez, ela explicou: “Alegria é um sinal de uma pessoa generosa e mortificada que, esquecendo de tudo, até de si mesma, tenta agradar seu Deus em tudo o que faz pelas almas. Alegria normalmente é um manto que esconde uma vida de sacrifício [...]. Pois Deus ama quem se doa com alegria”.
Em abril de 1942, a Madre fez um voto particular a Deus de “não recusar nada a Ele”. Sua prática era “aceitar e oferecer” tudo o que viesse em seu caminho. Se Deus lhe desse enfermidade ou saúde, dor ou conforto, tristeza ou alegria, ela aceitaria e ofereceria de volta a Deus como seu presente. Cerca de nove meses antes de sua morte, em sua carta de Natal de 1996, ela reconheceu os problemas de saúde que a incomodaram ao longo do ano e sua aceitação: “Este ano foi um presente de Deus para mim. E estou feliz por ter algo a dar também a Jesus. Precisamos aceitar o que Ele dá, e dar o que Ele recebe com um grande sorriso [...]. Ele nos ama e sabe o que é melhor para nós. Não sei o motivo de tudo isso ter acontecido este ano, mas tenho certeza de uma coisa: Jesus não comete erros”.
Essa filosofia simples guiou sua própria abordagem para administrar qualquer coisa, desde uma dor nas costas a um coração partido. Certa vez, uma mulher trouxe seu bebê de dez semanas muito doente para Madre Teresa e estava desesperada, soluçando: “Quero que meu bebê viva. Quero essa criança”. Calmamente, a Madre lhe disse: “Deus lhe deu esse grande presente de vida. Se Ele quiser que você devolva o presente para Ele, o faça de boa vontade, com amor”. A menininha morreu cinco meses mais tarde, e a mãe sentiu que as palavras de Madre Teresa lhe deram forças para suportar a perda exigida dela. Ela tinha aprendido a aceitar e a oferecer.
Madre entregou tudo, e tudo o que possuía no fim era a escuridão da fé nua. “Muitas vezes acontece que aqueles que passam seu tempo dando luz aos outros permaneçam na escuridão”, certa vez explicou às suas irmãs. Por quase cinquenta anos, ela aceitou isso como sua porção, sabendo que um dia a escuridão daria lugar à luz eterna, e ela seria sua portadora. “Se algum dia eu me tornar uma Santa”, escreveu, “certamente serei uma de ‘escuridão’. Estarei continuamente ausente do céu – para acender a luz dos que estão na escuridão na terra.”
1. Em tradução livre, O fogo secreto de Madre Teresa. (N.T.)[ «« ]
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