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Capítulo 11
Respondendo aos críticos
“Não deixe que o pecado dele faça você pecar.”
– Madre Teresa
Foi muito bom Madre Teresa ter cultivado a capacidade de perdoar e conceder misericórdia, pois, conforme crescia sua fama, também crescia o número – e a veemência – de seus críticos. A Madre desenvolveu casca grossa. Em todos os anos que a representei, nunca se defendeu publicamente contra falsas alegações ou difamações dirigidas a ela. Achava que Deus protegeria seu nome se Ele precisasse.
Os ataques tomaram muitas formas. Alguns eram simplesmente críticas ao ensino católico (em especial sobre aborto e contracepção) em um outro formato. Um exemplo típico foi o da feminista Germaine Greer criticando as opiniões antiaborto da Madre em resposta à situação das vítimas de estupro em Bangladesh que ficaram grávidas, no início dos anos 1970. “Madre Teresa não ofereceu a elas nenhuma opção, a não ser gerar uma descendência de ódio. No universo de Madre Teresa não há espaço para as prioridades morais dos outros”, ela escreveu.
O mais conhecido crítico da Madre foi o jornalista Christopher Hitchens, que tinha o hábito de atacá-la em colunas, artigos e na televisão. Dois anos antes da morte dela, ele publicou um livro chamado The Missionary Position[1], no qual construiu um caso contra Madre Teresa usando quatro linhas principais de ataque. Ele a acusou de se aproximar de políticos corruptos e aceitar doações provindas de ganhos ilícitos. Disse que suas casas forneciam cuidados precários. Alegou que ela acumulava doações e as gastava mal. Por fim, numa crítica que só pode ser vista como de natureza ad feminam[2], ele a chamou de hipócrita, se não, uma fraude.
Com a primeira linha, Hitchens estava, essencialmente, atacando a Madre por encontros que às vezes tinha. Ele gostava de chamar a atenção para uma foto dela com a primeira-dama do Haiti, Michele Duvalier, concluindo que a Madre estava “lambendo os pés dos riscos em vez de lavar os pés dos pobres”. Outros críticos também denunciaram seu encontro com Fidel Castro, o ditador de Cuba. Duvalier e Castro foram dois de uma longa lista de chefes de estado (e seus cônjuges) que quiseram se encontrar com a Madre e desfrutar da inevitável publicidade favorável. Ela concordou com esses breves encontros, pois era o preço que precisava pagar para que suas irmãs alcançassem os pobres sofredores no Haiti e em Cuba. A Madre estava determinada a levar suas freiras a lugares com maiores necessidades. Durante o encontro, Castro disse que não havia pobres em Cuba, e a Madre sabiamente respondeu que deveria haver residentes idosos que suas irmãs pudessem visitar. A artimanha assegurou a permissão que necessitava para abrir missões para ajudar os oprimidos da ilha. Ajudar os cubanos não significa tolerar os crimes do regime de Castro.
Madre abriu casas das Missionárias da Caridade nos países do bloco oriental muito antes da queda do Muro de Berlim, em 1989, assim como no Oriente Médio e em outras regiões do mundo agitadas por conflitos políticos e militares. Quando necessário, ela se envolvia com políticos, mas nunca com política. Sua grande notoriedade pública transformou isso numa corda bamba na qual era cada vez mais difícil de andar. Hitchens argumentava que o fato de a Madre lidar com os Duvaliers e Castros do mundo fazia dela “uma agente política... uma cúmplice dos poderes mundanos e seculares”. Ele simplesmente não entendeu os motivos da Madre – ou não conseguia conceber outros. Ela sabia que, se Jesus pôde se associar a prostitutas, comer com pecadores e interagir pacificamente com os opressores de Roma, ela poderia ser vista com líderes corruptos se isso fosse necessário para servir aos pobres.
A Madre entendia de autoridade e poder. Ela nunca os procurou, mas buscou colocar essas forças a serviço dos impotentes. Com essa finalidade, se encontrou com pessoas de grande riqueza material e influência em todo o mundo. Eles a procuravam, e ela fazia uso deles.
Uma das críticas preferidas de Hitchens tinha a ver com a ligação da Madre com Charles Keating, um magnata e filantropo do Arizona. Ele doou mais de um milhão de dólares para uma nova missão que ela abriu em Phoenix. O dinheiro de Keating foi desembolsado, anos se passaram, e então ele foi indiciado na Califórnia por acusações de fraude, extorsão e conspiração. Informei a Madre sobre esse acontecimento e como ele estava sendo acusado de dizimar as economias de muitos investidores, incluindo de idosos. “Ele fez isso?”, perguntou. Disse a ela que ele defendia sua inocência, mas que as evidências não lhe eram favoráveis. Ela ficou triste com a notícia e preocupada com os que perderam seu dinheiro. Durante as negociações da Madre com Keating, em nenhum momento ela teve o menor indício de que havia alguma preocupação sobre a ética dele nos negócios. Quando soube, não aceitou mais contribuições de Keating e manteve uma distância adequada dele para não causar escândalos.
Mas ela não viraria as costas para ele. Depois de sua condenação, ela escreveu uma carta ao juiz da sentença, pedindo clemência. Hitchens teve um dia agitado por causa disso. Mas não reconheceria o precedente estabelecido por Jesus. Se Ele não condenou uma mulher acusada pela lei mosaica à morte, Madre deve ter achado que poderia pleitear em favor de seu amigo. O copromotor do caso fez uma demanda muito pública para que a Madre devolvesse o dinheiro. Isso foi um pouco arrogante, já que a doação de Keating tinha sido dada sob circunstâncias completamente inocentes anos antes, e o promotor não fez a mesma exigência às muitas outras instituições de caridade, igrejas e políticos que receberam dinheiro de Keating ao longo dos anos. A Madre não respondeu. Ela nunca comentou comigo suas razões por não ter respondido, mas, de modo geral, ignorava seus críticos. E sabia que o dinheiro tinha sido dado aos pobres e, há muito tempo, usado em benefício deles. Não era dela para ser devolvido.
Culpa por associação era uma estratégia constante de Hitchens e outros críticos da Madre. Frequentemente insistiam no caso de Donald J. McGuire, um padre bem conhecido da Madre e suas irmãs. Conheci McGuire no fim dos anos 1980 e estive com a Madre em diversas ocasiões em que McGuire distribuía charme e piedade para ela em igual medida. Ele pregava de modo convincente sobre os ensinamentos católicos e espiritualidade e, com destreza, se infiltrou na rede MC de padres auxiliares que conduziam retiros, forneciam orientação espiritual e ouviam confissões das irmãs. Quase uma década após a morte da Madre, ele foi condenado em Wisconsin por abuso sexual de dois estudantes e, dois anos mais tarde, por um tribunal federal por ter viajado para praticar atos sexuais com um adolescente. Foi sentenciado a 25 anos de prisão numa penitenciária federal. Manteve-se teimosamente impenitente, nunca pedindo perdão às suas vítimas, e morrendo atrás das grades em janeiro de 2017.
Madre desconhecia completamente o lado sombrio de McGuire. Ela nunca teria se relacionado com ele, ou permitido que circulasse entre suas irmãs, se tivesse motivos para acreditar que traíra seu sacerdócio. McGuire evitava ser detectado, ironicamente fazendo o papel de vítima. Com frequência, dizia à Madre que seus superiores jesuítas o investigavam e perseguiam porque seus pontos de vista tradicionalistas não estavam em conformidade com os deles. Alegava que tinham a intenção de prejudicar seu ministério. Foi assim que explicou sua estadia temporária, em 1993, em uma instituição para doentes mentais para onde os jesuítas o tinham enviado para uma avaliação psicológica. Padre John Hardon, outro jesuíta, e um parceiro merecidamente confiável da Madre, tinha sido igualmente enganado por McGuire. Quando ela perguntava sobre a situação de McGuire, Hardon sempre garantia sua inocência e retidão, em particular durante sua visita a Calcutá, em 1994, quando McGuire estava tentando retomar seu ministério.
Pouco depois dessa visita, uma carta com a assinatura da Madre solicitando o pronto retorno de McGuire ao serviço sacerdotal foi enviada aos seus superiores jesuítas. Essa carta veio à tona em 2006, durante o julgamento de McGuire, e foi divulgada em 2012. Ao vê-la, tenho certeza de que não foi escrita ou preparada pela Madre, nem por nenhuma de suas irmãs. Para começar, a carta estava datada ao estilo americano, que coloca o mês em primeiro lugar; a Madre datava suas cartas ao estilo europeu, começando com o dia. Estava datilografada no papel timbrado errado – até o tamanho da folha estava errado –, e a Madre, além disso, quase sempre escrevia suas correspondências mais delicadas à mão. A carta inclui frases que ela nunca usava, se referindo às suas superioras regionais como “assistentes regionais”, por exemplo, e às quatro conselheiras eleitas como “minhas quatro assistentes”. Mais revelador, incluía uma lista dos retiros de McGuire com os nomes das treze irmãs que os organizaram, o que só poderia ter vindo dele, e não da Madre. Quase que certamente, a carta foi rascunhada por McGuire, ou sob sua orientação, e a Madre apenas a assinou sem ler quando lhe foi entregue por alguém em quem confiava, muito provavelmente, Padre Hardon.
Relatos da mídia na época do julgamento de McGuire o descreviam como confidente espiritual de Madre Teresa, uma deturpação promovida pelo próprio padre. Em um folheto promocional que ele circulou no ano em que a Madre faleceu, se descreveu como “Mestre dos Retiros de Madre Teresa”. Ao longo dos anos, centenas de padres ouviram a confissão de Madre Teresa ou supervisionaram retiros para ela ou suas irmãs. McGuire não era seu orientador espiritual nem seu confessor regular, embora tenha planejado incansavelmente para convencer a todos de que era.
Embora Madre Teresa não tenha feito nada de errado e tenha confiado razoavelmente nas declarações do Padre Hardon sobre McGuire, a sombra de sua associação com o ex-padre em desgraça permanecerá. Se ela tivesse vivido para saber sobre a depravação moral de McGuire, sua preocupação não teria sido com a própria reputação. Em vez disso, teria sofrido por suas vítimas, suas famílias e por todos aqueles que ficaram escandalizados com sua conduta má e criminosa. Seu coração estaria angustiado pelo dano que ele fizera, assim como o de qualquer mãe.
A abordagem de Madre Teresa no cuidado com os pobres era o segundo foco de críticas. Essa era a principal queixa de Aroup Chatterjee, um médico formado em Calcutá, mas residente em Londres. Ele reclamava que os programas dela eram primitivos demais. Kalighat, seu lar para os moribundos de Calcutá, era um os principais alvos dele e de Hitchens. “As instalações são grotescamente simples: rudimentares, não científicas, anos-luz de atraso em relação a qualquer concepção moderna do que a ciência médica deve fazer”, Hitchens opinou. Eles exigiam uma melhoria no nível de cuidados que a Madre oferecia, argumentando que ela tinha os recursos para trazer equipamentos médicos modernos e profissionais treinados.
Mas as Missionárias da Caridade não estavam administrando um hospital. As irmãs foram compelidas pela fé a ajudar as ondas de pessoas desesperadas morrendo nas calçadas. Estavam respondendo a “Jesus em seu disfarce angustiante”. Kalighat era um lar onde os moribundos podiam ser conhecidos pelo nome, mantidos limpos, tratados como família e, acima de tudo, amados e acompanhados em seus últimos dias. As irmãs nunca cobraram uma rúpia de ninguém por seus serviços, que incluíam alguns cuidados médicos emergenciais. Vi, em inúmeras ocasiões, as irmãs usando pacientemente pinças para tirar larvas de grandes feridas no crânio (onde o cérebro estava, literalmente, exposto) e nas pernas (onde se podiam ver os ossos) dos pacientes. Elas não podiam enviar seus pacientes para hospitais da região, porque essas instituições não recebiam indigentes. Requerer padrões de primeiro mundo aos desafios que as MCs enfrentavam operando uma instalação residencial como Kalighat é ridículo. Analgésicos, antibióticos e muitos suprimentos necessários rotineiramente estavam indisponíveis. Elas se contentavam com o que tinham, e os moribundos estavam em melhor situação graças aos seus esforços, “rudimentares” ou não.
Hitchens oscilava entre declarar que a Madre não se importava com o sofrimento de seus protegidos e argumentar que ela queria que eles sofressem por causa de suas opiniões religiosas. É difícil levar tais acusações a sério. Não consigo pensar em ninguém no século XX que fez mais para aliviar o sofrimento do que Madre Teresa. As Missionárias da Caridade não eram equipadas para tratar a dor como deve ser um hospital ou uma casa de repouso modernos, mas elas deixavam os residentes de Kalighat confortáveis. As MCs usaram a mesma agulha hipodérmica ou luvas de látex em mais de um residente? Sim, mas porque por muitos anos o processo de abastecimento não era confiável. Não havia escolha além de higienizar e reutilizar o que estava à mão. Ninguém morreu por causa dessa prática. Além disso, uma visita a Kalighat hoje apresenta um quadro diferente porque as MCs e a cidade melhoraram seus sistemas. Analgésicos, intravenosos e outras intervenções médicas agora estão disponíveis regularmente para as MCs graças aos enormes avanços na Índia e em todo o mundo.
Muitos críticos queriam que Madre Teresa fosse além de amenizar a miséria dos pobres e abordasse os problemas que criavam a pobreza. Ela foi rápida em responder que essa não era sua missão. “Todos temos um dever de servir a Deus onde nos sentimos chamados”, escreveu. “Me sinto chamada a ajudar indivíduos, e não a me envolver com estruturas ou instituições.” Madre enfatizava que as irmãs não eram nem assistentes sociais nem uma extensão do governo. Eram freiras vivendo seu amor a Deus mediante o trabalho diário. Os críticos estavam livres para abrir e administrar clínicas ou centros de alimentação de acordo com seus altos ideais. Há um provérbio espanhol que diz: “Falar de touros não é a mesma coisa que entrar na arena”. Esses críticos evitavam, empenhadamente, a arena. Se tivessem, realmente, realizado o trabalho prático com os pobres, teriam visto os imensos desafios que Madre Teresa – e todos os que cuidam dos famintos, doentes e moribundos – enfrentava.
Quanto à forma como Madre Teresa administrava o dinheiro, Hitchens e Chatterjee gostavam de retratá-la como acumuladora, cheia de dinheiro, que forçava seus seguidores a abraçar a pobreza e implorar por esmolas. “Sob o manto da pobreza declarada, elas ainda solicitam doações, trabalho, comida, e assim por diante, de comerciantes locais”, apesar de terem saldos bancários consideráveis, escreveu Hitchens.
É importante deixar claro que as MCs não solicitam doações. A Madre proibiu expressamente a arrecadação de fundos. O dinheiro chega às MCs porque pessoas fazem contribuições de caridade ou doações de bens voluntariamente. As Missionárias da Caridade administravam o que recebiam para necessidades presentes e futuras. É verdade que a Madre era frugal. Ela e suas irmãs não desperdiçavam nada. Sabiam a diferença que alguns dólares fariam para quem não tem um tostão e buscavam honrar tal pobreza pela gestão cuidadosa. O voto de pobreza das MCs cultivava uma ética de não desperdício. Vi isso na prática, quando almocei com a Madre e a vi usar os dedos para pegar cada grão de arroz que estava no prato. Muitas vezes, seu sari estava surrado e ela remendava o tecido em vez de trocar a vestimenta. Como a Madre não trocava seus saris velhos por novos, as irmãs pediam a uma freira igualmente pequena que usasse um substituto durante algumas semanas, e então, sem que ela percebesse, trocavam ele por um da Madre.
Quando Hitchens não estava criticando Madre Teresa por sua frugalidade, a censurava por gastar demasiadamente. “As vastas somas de dinheiro que ela arrecadou foram gastas principalmente na construção de conventos em sua própria homenagem”, declarou. Aqui, também, Hitchens estava completamente errado. As MCs raramente construíam novos conventos. Eram beneficiárias de conventos abandonados e outros prédios doados em lugares onde serviam; apenas uma pequena porcentagem de seus fundos foi destinada à compra ou reforma de propriedades. E, onde quer que ela abrisse missões, havia indivíduos generosos que a procuravam, e ela juntava forças com eles. Dwayne Andreas, CEO há muito tempo da multinacional agrícola Archer Daniels Midland (e pai de Sandy McMurtrie), se juntou a ela para enviar toneladas de alimentos em containers para o Haiti e outros países em desenvolvimento. Tom Flatley, um incorporador em Boston, comprou duas casas em Massachussetts para as MCs abrigarem mulheres e crianças. Em 1989, Tom Owens, um executivo da IBM, ajudou a Madre a construir um lar para crianças em Tijuana. Ela sentou-se com ele e, com uma caneta esferográfica azul, desenhou em um guardanapo de papel branco cômodo por cômodo da casa que imaginava. Tom e eu ficamos sentados ali, impressionados, enquanto ela detalhava sua visão. Ela designou um cômodo para crianças com tuberculose, que chamou de “Quarto TB”. Tom a entendeu mal e prometeu colocar uma enorme TV para as crianças, o que arrancou boas risadas da Madre. Ele pagou pela construção da casa seguindo as especificações desenhadas pela Madre; a casa abriu no ano seguinte e, até hoje, abriga dúzias de crianças. A Madre não via o mundo como composto de ricos e pobres e de todos aqueles no meio desses extremos. Ela não julgava os abastados, mas os fazia sentir que poderiam fazer bom uso do dinheiro deles.
A sabedoria da Madre em não desperdiçar dinheiro e fazer um pequeno pé-de-meia foi justificada. Fundos arrecadados durante sua vida ainda subsidiam a rede mundial de programas assistenciais que ela construiu. O saldo que as missionárias mantêm não é tão grande quanto era no fim dos anos 1990, mas as Missionárias da Caridade não estão preocupadas. Elas confiam na providência divina, e Deus continua a fornecer.
As críticas mais contundentes de Hitchens eram direcionadas a Madre Teresa em termos pessoais. Aos olhos dele, ela era uma hipócrita e farsante que promovia um “mito de santidade”. Para um ateu como Hitchens, parecia que ela estava projetando o estilo de vida dos pobres, enquanto desfrutava os mimos da elite. É verdade que, eventualmente, Madre Teresa viajava na primeira classe em companhias aéreas comerciais. (Germaine Greer certa vez esteve no mesmo voo que a Madre e desaprovou o fato de ela não comer, beber nem se levantar de seu assento durante a viagem.) A Madre voava na primeira classe porque as companhias aéreas imploravam; sua presença na classe econômica causava tal comoção que os comissários de bordo não conseguiam atender aos demais passageiros. Ela não pensava em luxo, apenas fazia o que a companhia aérea achava que era o melhor para todos.
Nos últimos anos de sua vida, aceitou a oferta de pessoas que conhecia para viajar em suas aeronaves particulares. Essa conveniência permitia que passasse mais tempo em suas missões e menos em aeroportos. E também lhe permitia descansar um pouco no trajeto de uma cidade para outra. Ela não pagou um tostão por essas viagens. Nunca buscou o tratamento especial que recebeu. Se dependesse dela, ficaria alegremente em Calcutá e nunca viajaria. Mas sentia que era seu dever visitar regularmente as missões que estabelecera ao redor do mundo e também servir como uma embaixadora para o Papa João Paulo II quando ele pedisse.
Durante os trinta primeiros anos que viveu na Índia, Madre Teresa não deixou o país uma única vez e não há qualquer credibilidade em acusá-la de turista. Viajei com ela em aviões particulares em diversas ocasiões. Sua rotina era sempre a mesma: embarcar, rezar o rosário, falar de negócios se necessário, comer o que lhe servissem, olhar pela janela e, se possível, adormecer. Não era, nem um pouco, seduzida pelas amenidades à sua disposição, embora gostasse de castanhas-de-caju quando lhe eram oferecidas. Conforme sua missão crescia, aprendeu a ser “tudo por Jesus no palácio” – mesmo que isso significasse um palácio voador. Ela considerava essas gentilezas como presentes de Deus, que contrastavam com as milhares de viagens desconfortáveis feitas em trens lotados, bondes, vans e carros caindo aos pedaços, que eram seus meios de transporte usuais.
Quanto à saúde dela, Hitchens gostava de destacar os casos em que a Madre foi internada em hospitais de primeira linha em momentos de doenças graves, contrastando com a situação dos pobres a quem tal privilégio é negado. Novamente, Hitchens deturpou o que realmente aconteceu. A Madre aceitava a generosidade de hospitais e profissionais que ficavam felizes em prestar gratuitamente seus serviços a ela. Sabiam de sua vida altruísta e queriam fazer algo em troca. Porém, quando se tratava de escolher onde e por quem seria tratada, a Madre era uma espectadora dessas decisões. Aceitava de bom grado a caridade. Achava que qualquer dinheiro que não precisasse gastar com serviços médicos poderia ser gasto com os pobres.
A ironia da crítica de Hitchens é que, para começar, Madre Teresa não queria estar em um hospital. Quando a visitei em uma UTI em Calcutá, em 1996, me implorou que a levasse de volta para o convento. Desde o início dos anos 1940, quando resistia ao descanso mesmo estando à beira de um colapso, ela manteve uma aversão a hospitais, até quando estava gravemente enferma. A insinuação de Hitchens e Chatterjee de que Madre Teresa apreciava tratamento médico preferencial tinha a aparência de verdade, mas não podia ser mais falsa.
Talvez a mais ofensiva das críticas levantadas contra Madre Teresa foi a de que ela usava os pobres para avançar sua agenda pessoal – que estava “menos interessada em ajudar os pobres, e mais em usá-los como uma fonte inesgotável de miséria para alimentar a expansão de suas crenças católico-romanas fundamentalistas”, como um crítico resumiu o pensamento de Hitchens. Como Hitchens pôde visitar Kalighat, andar por Calcutá com ela (como o fez uma vez em 1980) e concluir que “ela não era amiga dos pobres, era amiga da pobreza” desafia explicações racionais. Durante décadas, Madre Teresa cuidou pessoalmente das feridas de leprosos, deu banho em moribundos, alimentou refugiados desnutridos e acolheu órfãos e deficientes na mais completa obscuridade. Hitchens focou na Madre do fim de sua vida, quando suas responsabilidades em administrar uma organização mundial demandavam que ela viajasse para fora da Índia, e sua saúde debilitada frequentemente a impossibilitava do contato diário direto com os necessitados que conhecia e que, francamente, preferia. Talvez isso tenha distorcido sua avaliação. Mas vale a pena repetir que os mais rápidos em criticar a Madre raramente se inclinavam a fazer o que ela fazia, mesmo que fosse por um dia.
Não se pode investigar as críticas à Madre Teresa sem se deparar com outra acusação bem desgastada – tipicamente vinda de uma ex-MC ou de algum ex-voluntário de Kalighat – de que ela se aproveitava das pessoas vulneráveis e moribundas para coagi-las a se converter ao cristianismo. Ainda assim, não há um único relato de testemunha ocular que afirme que Madre Teresa alguma vez batizou alguém sem seu consentimento. A evidência anedótica apresentada por Hitchens e Chatterjee como prova desmente o que ela praticou a vida inteira: não impor sua religião àqueles a quem servia. Se alguma irmã batizou residentes secretamente sem consentimento, o fez violando ordens explícitas da Madre.
Isso não quer dizer que ela era indiferente ao destino eterno dos outros. Era uma missionária cristã e desejava que as pessoas se aproximassem do Deus que ela amava. Mas respeitava a fé individual de todas as pessoas a quem ela e as MCs serviam. “Amo todas as religiões, mas sou apaixonada pela minha”, disse certa vez. “Existe apenas um Deus, e Ele é Deus de todos; portanto, é importante que todos sejam vistos como iguais perante Deus. Sempre tenho dito que devemos ajudar um hindu a ser um hindu melhor, um muçulmano a ser um muçulmano melhor, um católico a se tornar um católico melhor.” Frequentemente afirmava que ela não convertia ninguém, e que apenas Deus podia fazer isso. Em Kalighat, onde dezenas de milhares morreram e muitos outros se recuperaram, Madre Teresa rezava com os residentes e os entregava aos cuidados misericordiosos de Deus. Ela os ajudou a encontrar paz ao seu próprio modo quando deixaram este mundo. Não fez qualquer reivindicação ao que Deus fez por suas almas após a morte; os mecanismos da salvação não eram sua preocupação. Ela não acreditava que apenas os cristãos iam para o céu.
Após a morte de Madre Teresa, as declarações de seus acusadores tornaram-se ainda mais mesquinhas. Hitchens a chamou de “pecadora mundana e dissimulada” na Vanity Fair e declarou “meu dia de vingança chegará, embora não seja muito confortável estar acompanhado no inferno por uma freira carrancuda”. E, um quarto de século depois, não esmoreceram. Em 2021, Michelle Goldberg, uma colunista do New York Times, escreveu um artigo intitulado “Madre Teresa era uma líder de seita?”. A argumentação de Goldberg não trouxe nada de novo e ecoou principalmente as acusações de Hitchens, de que a Madre promovia um “culto da morte e do sofrimento”. Ou de um “sofrimento fetichizado ao invés de tentar aliviá-lo”, como colocou Goldberg. Seu gancho foi um podcast em dez episódios chamado The Turning: The Sisters Who Left[3], coproduzido por Mary Johnson, uma ex-irmã que há muito tempo divulga sua insatisfação com as Missionárias da Caridade. A série começa com ela discutindo seu desejo de sair da ordem e como sentia que estava sendo impedida de fazê-lo. Suas próprias lembranças de seu tempo nas MCs detalham seus desejos sexuais e como eles a afastaram de seus votos. Certamente, ela mentiu para Madre Teresa quando confrontada sobre um relato de que tinha sido descoberta na cama com uma mulher sob sua supervisão. O livro de Johnson inclui todas as formas como ela traiu a confiança de Madre Teresa. Em meio a tudo isso, a Madre tratou Johnson tão gentilmente quanto Jesus tratou Judas.
No entanto, Goldberg levou a história de Johnson ao pé da letra e justificou seu próprio ataque como parte de “um impulso mais amplo na cultura americana para expor relações iníquas de poder e reavaliar figuras históricas reverenciadas”. E, como era de se esperar, essa “reavaliação” acusa Madre Teresa e as milhares de mulheres que continuam seu trabalho; muitas arriscando a vida em lugares como Iêmen, Síria, Iraque e outros países devastados pela violência. Para Goldberg, os testemunhos de algumas ex-MCs comprovam que as irmãs que permaneceram eram cativas de lavagem cerebral numa “colmeia de abuso e coerção psicológica”.
Duas questões básicas não foram respondidas por Goldberg: primeiro, se Johnson e essas mulheres estavam tão infelizes, por que permaneceram tanto tempo? Elas sabiam, desde o primeiro dia, que podiam deixar o convento a qualquer momento. E, segundo, se a vida no convento é tão terrível, por que milhares de freiras MCs, servindo nos lugares mais empobrecidos e perigosos da terra, continuam? Goldberg ignorou essas duas falhas óbvias em sua argumentação. Em vez disso, concluiu: “Vista através de lentes contemporâneas e seculares, uma comunidade construída ao redor de uma fundadora carismática e dedicada à idolatria do sofrimento e à aniquilação da individualidade feminina não parece abençoada e etérea. Parece sinistra”.
Eis, de novo, o problema de Hitchens. “Lentes contemporâneas e seculares” jamais podem ver a vida da Madre e de suas irmãs como são – generosas, gratificantes, corajosas e alegres. Goldberg fica perplexa como um amor por Deus pode inspirar alguém a deixar família, renunciar a ter filhos e aos confortos do mundo para servir aos mais pobres do povo de Deus. As MCs nunca se declararam perfeitas, nem a Madre. Ela era a primeira a destacar as próprias fraquezas e fracassos. Talvez fosse por isso que precisasse tanto de Deus.
Uma vez Madre Teresa me disse que perdoava Christopher Hitchens por seu livro, embora não entendesse o motivo de ele ter escrito o que escreveu. E tenho certeza de que teria perdoado Mary Johnson se suas queixas tivessem sido publicadas enquanto ela era viva. Relutantemente, devo concluir que, se ela pôde perdoar seus críticos, então aqueles que a amam deveriam fazer o mesmo. Porém, pessoas como Hitchens, Chatterjee e Goldberg não facilitam.
1. Em tradução livre, A posição missionária. (N.T.)[ «« ]
2. Expressão latina que significa “contra a mulher” ou “ataque pessoal contra a mulher”. (N.T.)[ «« ]
3. Em tradução livre, A virada: as irmãs que saíram. (N.T.)[ «« ]
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