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    • Madre Teresa – amar e ser amado: Um Retrato Pessoal de uma das Maiores Líderes Humanitárias do Mundo
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3. Escolher sempre o mais difícil

Capítulo 3

 

Escolher sempre o mais difícil

 

“Se você é humilde, nada o tocará, nem orgulho nem desgraça, porque você sabe o que é.”

– Madre Teresa

 

Estava em algum lugar sobre o Pacífico, voltando para Washington, quando percebi que devia estar sentindo falta de Calcutá e que, definitivamente, sentia falta de Madre Teresa, embora a tivesse encontrado rapidamente. Meus pensamentos continuavam voltando para Kalighat e o curto tempo que passei lá. Não conseguia tirar da mente aqueles rostos magros e corpos frágeis.

A Madre acreditava que, quando olhava para os destituídos e moribundos, estava vendo a real presença de Deus na terra. Levei alguns anos para entender mais profundamente como Deus, o faminto, sedento e doente, esperava por mim na cama 46, e que foi quando toquei aquele homem moribundo que Deus me tocou de volta.

Essa percepção provavelmente nunca teria acontecido se eu não tivesse mantido a promessa que fiz à Madre de visitar suas irmãs em Washington e transmitir seus cumprimentos. Minha rotina confortável e a adrenalina do Capitólio me sugavam com força, mas me senti na obrigação de cumprir minha promessa. Um cara teria que ser um verdadeiro fracassado para não manter a palavra que dera a Madre Teresa!

Dez dias depois de minha volta, encontrei o convento das Missionárias da Caridade em Anacostia, a área mais pobre e violenta de Washington. Irmã Manorama, uma pequena freira indiana, apenas um pouquinho mais alta que a Madre, me recebeu na porta e era a imagem de bondade e bom ânimo. Ela e as três irmãs ficaram animadas em ouvir as histórias sobre minha viagem, minha visita à Madre e meu tempo em Kalighat.

Assim como na Índia, foi um simples convite de uma freirinha que me encurralou. Irmã Manorama perguntou:

– Por que você não vem no sábado pela manhã e nos ajuda em nossa cozinha comunitária? – Ela deve ter pensado que, se eu tinha sido voluntário em Kalighat, um turno numa refeição em Washington não seria exatamente uma tarefa difícil. Seu pedido foi inocente. Meu aceite, não. Concordei porque, assim como com a Irmã Luke, não consegui uma forma de dizer não. Que desculpa eu teria? Estava planejando dormir até as dez da manhã, comer panquecas de mirtilo no Eastern Market, assistir a um jogo de futebol universitário pela TV e depois me encontrar com amigos no bar. Não tive coragem de dizer a verdade. Então, concordei em ir naquele fim de semana, silenciosamente garantindo a mim mesmo que servir algumas canecas de sopa para alguns desabrigados não seria, nem de perto, tão ruim quanto esfregar sarna em um moribundo. Resolvi que a visita à cozinha comunitária seria um exercício tipo “só esse e pronto”, como em Calcutá.

 

 

Algumas semanas após os massacres de agosto de 1946, Madre Teresa saiu de Calcutá. Estava exausta e necessitada de descanso e oração. No trem para Darjeeling, aos pés do Himalaia, ela teve uma experiência mística. Enquanto orava, ouviu Cristo chorando na cruz: Tenho sede. Essa mensagem de Deus definiu o curso do restante de sua vida.

Ela entendeu que essa sede era Jesus desejando amar e ser amado. “‘Tenho sede’ é algo muito mais profundo do que Jesus dizendo ‘Amo você’”, explicou mais tarde. “Até entender profundamente que Jesus tem sede de você, você não pode começar a saber quem Ele quer ser para você. Ou quem Ele quer que você seja para Ele.”

Para ela, o clamor foi um apelo específico de saciar a sede de Jesus por meio de obras de misericórdia entre os “mais pobres dos pobres”. O que ela chamava de “a Voz” explicitamente lhe disse para entrar nos “buracos escuros” das favelas e levar amor e dignidade aos pobres por meio do trabalho de suas próprias mãos.

A Voz não deixou espaço para mal-entendido, lhe dizendo: “Sua vocação é amar, sofrer e salvar almas [...]. Você se vestirá com roupas simples indianas, ou como Minha Mãe se vestia: simples e pobre”.

“A mensagem foi bem clara”, ela explicou à sua amiga Eileen Egan anos mais tarde. “Eu devia deixar o convento e trabalhar com os pobres, vivendo entre eles. Foi uma ordem. Sabia o lugar a que pertencia, mas não sabia como chegar lá.”

A experiência de Madre Teresa no trem para Darjeeling tinha alguma semelhança com a de Maria de Nazaré, na Anunciação, quando o anjo Gabriel lhe disse que conceberia e daria à luz o filho de Deus. Às duas mulheres foram dadas tarefas para além da compreensão humana. Assim como Maria escolheu confiar no mensageiro de Deus e se entregar (Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra.), também Madre Teresa acreditou sem compreender. “Entrega total e confiança amorosa são gêmeas”, observou mais tarde para suas irmãs. E nada menos do que confiança heroica em Deus seria suficiente, porque seus novos deveres pareciam ser totalmente inatingíveis: como aquela pequena mulher europeia deixaria a segurança do convento e se aventuraria sozinha nos guetos de Calcutá, sem dinheiro ou ajuda?

Ela confidenciou ao padre Celeste Van Exem, um dos padres jesuítas que dava assistência no convento de Loreto, em Entally. Além de ser seu orientador espiritual, Van Exem era bem relacionado em Calcutá e conhecia os passos que ela teria que dar para deixar Loreto e começar sua nova missão. Precisaria de permissão do arcebispo de Calcutá, Ferdinand Perier; de sua superiora na Irlanda, Madre Gertrude; e do Papa. Levaria quase dois anos – seis meses dos quais foram passados em um exílio virtual em outra escola de Loreto, em Asansol, uma cidade a 225 quilômetros de Calcutá – para que todos concordassem. O Arcebispo Perier se arrastou por quase um ano, até que ela, por fim, compartilhou com ele os detalhes das três visões que recebera em Asansol. Descreveu como vira uma “grande multidão [...] coberta em escuridão” lhe implorando que cuidasse dos pobres; Maria teria feito um apelo semelhante e, por fim, o próprio Jesus na cruz. No mês seguinte, em janeiro de 1948, o arcebispo finalmente deu seu consentimento e prometeu ajudar a garantir a aprovação do Vaticano. “Estou profundamente convencido de que, negando meu consentimento, impediria a realização, por meio dela, da vontade de Deus”, ele escreveu em sua carta à Madre Gertrude.

Esses anos impacientes para a Madre também foram os que viram a Índia conquistar sua independência. Bengala continuava a sofrer surtos periódicos de violentos combates entre hindus e muçulmanos que apenas se intensificaram depois que partes de Bengala foram extirpadas da Índia para criar o Paquistão Oriental. O aumento da violência em Calcutá e a chegada de legiões de hindus saídos da nova nação muçulmana apenas intensificaram o desejo de Madre Teresa de aliviar o sofrimento incessante dos mais pobres. Como escreveu à Madre Gertrude: “Se a senhora estivesse na Índia, se visse o que tenho visto há tantos anos, seu coração também desejaria dar a conhecer Nosso Senhor aos pobres que sofrem os mais terríveis sofrimentos e também a eternidade na escuridão, pois não há freiras para ajudá-los em seus próprios buracos escuros. Deixe-me ir, querida Madre Geral”, implorou.

E, por fim, a ordem Loreto e o Vaticano a deixaram ir. Ela se despediu dos amigos, chorou quando as alunas cantaram canções bengali em sua despedida e, com os poucos pertences, deixou as confortáveis instalações do convento em Entally que, por quase duas décadas, fora seu lar. Ela sempre afirmou que esse foi o passo mais difícil que deu em sua vida. Foi, disse, “muito mais difícil deixar Loreto do que deixar minha família”.

Antes que pudesse iniciar sua missão para valer, precisaria de algumas novas habilidades. Então, a Madre foi para Patna, distante quase quinhentos quilômetros, no estado vizinho de Bihar, para ser treinada pelas Irmãs da Missão Médica, um grupo especializado em tratar dos pobres. Ela recebeu três meses de treinamento intenso e se tornou proficiente no tratamento de feridas infectadas, lesões de lepra, disenteria e outras condições graves, comuns entre moradores de rua.

As missionárias experientes ensinaram a ela mais do que enfermagem. Deram-lhe conselhos práticos que a sustentariam como cuidadora dos necessitados, insistindo que deveria cuidar também de si. Uma missionária precisava de refeições simples cheias de proteína, um cochilo diário e um dia de descanso semanal. Também a aconselharam a manter a cabeça coberta ao mínimo enquanto trabalhava no calor da Índia e a usar roupas que suportassem lavagem diária, essencial para evitar a disseminação de doenças infecciosas. Esse conselho se mostrou inestimável na criação das Missionárias da Caridade.

Madre Teresa voltou para Calcutá e começou seu trabalho nas favelas Moti Jihl, em Entally, em 21 de dezembro de 1948, usando pela primeira vez o que se tornaria sua marca registrada: um sari de algodão branco com listras azuis. Não foi apenas uma ruptura dramática com o longo hábito preto e cobertura de cabeça engomada que usara por quase duas décadas, mas também uma declaração de solidariedade com aqueles a quem serviria. O tecido estava associado à casta mais baixa entre os indianos. Para muitos, Madre parecia uma mendiga. “Foi um choque ver a Madre nesse sari”, relembra Irmã Monica, a décima oitava garota a seguir Madre Teresa. “Todos ficaram sem fala.” A Madre não tinha contado a ninguém que sua decisão de usar um sari simples derivou de uma visão na qual o próprio Jesus havia determinado o que ela deveria vestir. Em vez disso, explicou que, se ela e suas irmãs vestissem os tradicionais saris de seda, os pobres ficariam ocupados demais em mendigar a elas do que serem servidos por elas.

Madre Teresa enfrentou zombaria no começo. Muitos dos que ouviram seus planos de trabalhar entre os indigentes ficaram incrédulos. Um padre de Calcutá disse: “Ela é maluca”. Outro atribuiu seus trabalhos a “ciladas do diabo”. E sua tarefa realmente parecia impossível e difícil. Nas favelas, ela encontrou apenas sujeira e miséria, pobreza e sofrimento. Descreveu em seu diário um “velho deitado na rua – abandonado – sozinho, apenas doente e moribundo” e “uma mulher muito pobre morrendo, eu acho, de fome mais do que de tuberculose”. Mas os pobres estavam felizes em tê-la; uma família permitiu que ela usasse seu chão de terra como lousa para lecionar para cinco crianças de casebres vizinhos. Quando a notícia de uma freira europeia ensinando crianças pobres se espalhou, as cinco do primeiro dia rapidamente se transformaram em quarenta.

Naqueles dias difíceis, houve momentos em que ansiou pela segurança do convento e pela companhia de suas amigas de lá. Como escreveu em seu diário:

 

Hoje aprendi uma boa lição: a pobreza dos pobres deve ser muito difícil para eles. Quando saí procurando um lar, andei e andei, até minhas pernas e braços doerem. Pensei em como eles também devem sentir dor no corpo e na alma buscando um lar, comida, ajuda. Então a tentação cresceu. Os prédios palaciais de Loreto vieram à minha mente, todas as belas coisas e confortos, as pessoas com quem se misturam, em uma palavra, tudo. “Você só precisa dizer e tudo será seu novamente”, o tentador ficava repetindo. De [minha] livre vontade, meu Deus, e por amor a Ti, desejo permanecer, e faça sempre por mim o que for de Sua Santa Vontade. Não deixei uma única lágrima cair. Mesmo que eu sofra mais do que agora, ainda quero fazer Sua Santa Vontade. Esta é a noite escura do nascimento das Missionárias da Caridade. Meu Deus, me dê coragem agora, neste momento, para perseverar em seguir Seu chamado.

 

Ela sofreu “torturas de solidão” naquelas primeiras semanas sozinha após décadas dentro da comunidade de um convento, mas não ficaria só por muito tempo. A primeira jovem a ingressar em sua irmandade chegou no mês seguinte. Seu nome era Subashini Das, uma aluna do Saint Mary que conhecia Madre Teresa havia anos. A jovem escolheu “Irmã Agnes” como seu nome religioso em homenagem ao nome de batismo da Madre. No mês seguinte, Magdalena Gomes, também ex-aluna, veio e recebeu o nome de “Irmã Gertrude”, em homenagem à Madre Geral de Loreto, em Dublin, que concedeu à Madre Teresa permissão para sair. Gertrude era tão alta quanto baixas eram a Madre e Agnes, e era muito popular entre os alunos da Saint Mary. Além disso, entrou em contato com uma antiga colega, que também se juntou imediatamente ao grupo, se tornando Irmã Dorothy. Irmã Clare, nascida e criada na região que então era parte do Paquistão (agora Bangladesh), logo seguiu. Convertida do hinduísmo, ela tinha uma simpatia pelos pobres que pode ser atribuída à ocasião em que Madre Teresa pediu a ela e suas colegas de classe em Loreto que compartilhassem sua comida com as crianças de Moti Jihl.

Em um ano, Madre Teresa tinha doze moças vivendo com ela (embora duas não tenham ficado por muito tempo). Quatro delas eram tão jovens que passavam o dia terminando os estudos de ensino médio enquanto Madre Teresa e as outras trabalhavam em Moti Jihl ou na Santa Teresa, uma clínica da região. À noite, a Madre ministrava instrução teológica e formação espiritual a essas aspirantes a missionárias. Os sacrifícios incalculáveis desse primeiro grupo de jovens foram recompensados em 7 de outubro de 1950, quando o Vaticano reconheceu formalmente as Missionárias da Caridade como uma congregação oficial da arquidiocese de Calcutá.

Madre e suas jovens seguidoras estabeleceram um estrito padrão de pobreza atento aos pobres a quem serviam e, mais profundamente, da sede de Jesus na cruz. Ela infundiu em seu grupo original as práticas de “escolher não ter”, “dar-se até doer” e “rezar o trabalho”. Tal estilo de vida significava que elas voluntariamente renunciariam a muitos dos confortos encontrados em outros conventos e, no lugar, compartilhariam, até certo ponto, a privação das famílias que as cercavam. As mulheres dormiam em esteiras finas sobre o chão em um quarto com menos de cinquenta metros quadrados. O mesmo espaço servia como sala de aula e refeitório durante o dia e dormitório à noite.

Conforme crescia o número de Missionárias da Caridade, crescia também a necessidade de estrutura. A Madre queria uma adesão rigorosa à simplicidade e às dificuldades voluntárias para garantir que garotas da cidade não se juntassem à procura de uma vida mais fácil do que poderiam ter em casa. O cronograma que ela concebeu era seguido com precisão militar – e se mantém inalterado até hoje, mais de setenta anos depois –, permitindo apenas os mais raros desvios por necessidades ou ocasiões muito especiais.

Todos os dias, as irmãs se levantam as 4h40 da manhã, estão na capela para as orações matinais às cinco horas e então executam as tarefas domésticas antes de voltar à capela para a missa. Segue-se o café da manhã, e depois as irmãs cumprem suas designações missionárias, retornando ao meio-dia para orações, almoço, um cochilo de trinta minutos, mais orações na capela e depois um chá juntas. As irmãs seguem com uma hora de oração e leitura espiritual, seu trabalho vespertino com os necessitados e uma hora de orações de louvor na capela antes que toque o sino para o jantar, às 19h30. Após o jantar, tarefas domésticas, banho e preparações para o dia seguinte. Meia hora de recreação, seguida de orações noturnas que encerram o dia. Às 22 horas, as Irmãs Missionárias da Caridade estão dormindo.

A admissão às Missionárias da Caridade não é mais fácil do que a vida que segue após a aceitação e pode levar até uma década. Tudo começa com uma visita “venha e veja” de duas semanas em um dos conventos da ordem – uma breve imersão na vida religiosa. Se a jovem escolher prosseguir e, igualmente importante, for aceita pelas MCs como candidata, começa seu período de aspirante. Ao longo de um a dois anos, participa do trabalho com as irmãs enquanto recebe instrução espiritual sobre uma vida mais profunda de oração. Se tanto a candidata quanto as MCs determinarem que é uma boa escolha para a vida missionária, ela troca a blusa branca e saia azul de aspirante por um sari branco e começa um noviciado de dois anos. Durante esse tempo, recebe, nas palavras da Madre, “intensivo treinamento espiritual em teologia, história da igreja e das Escrituras e, em especial, sobre as regras e constituição de nossa comunidade”. Após o noviciado, se ambas as partes concordarem novamente, a candidata entra no segundo estágio de formação. Ela faz votos temporários e recebe o sari com listras azuis usado por todas as irmãs da MC. Então começa um período de seis anos de serviço, que culmina em seu ano “terciato”. Cada terçã tem uma carga de trabalho reduzida para permitir orações adicionais, de modo que ela possa ter certeza de ter sido chamada por Deus para a vida de Missionária da Caridade. Ao terminar o ano de reflexão, se ela e as MCs ainda estiverem de acordo, ela faz os votos permanentes e, na Missa da Profissão, recita as seguintes palavras:

 

Para a honra e glória de Deus e movida pelo desejo ardente de saciar a sede infinita de Jesus na cruz por amor às almas, consagro-me mais plenamente a Deus, para que eu possa seguir Jesus mais de perto durante toda a minha vida, segundo o carisma, vida e obra de nossa fundadora, Santa Teresa de Calcutá, em um espírito de confiança amorosa, total entrega e alegria, aqui e agora, na presença de minhas irmãs e em suas mãos, [superiora-geral ou sua designada], voto pela vida de castidade, pobreza, obediência e serviço sincero e gratuito aos mais pobres dos pobres, de acordo com a Constituição das Missionárias da Caridade.

 

Madre Teresa projetou esse programa intensivo para incutir a virtude da humildade. Para ela, humildade era o caminho certo para a santidade. Ela ensinou às suas irmãs a prática do autoesvaziamento e entrega. Em 1975, em uma carta a suas irmãs, a Madre compartilhou suas ideias sobre como cultivar humildade:

Estas são algumas formas de praticar humildade:

Falar o mínimo possível de si mesmo.

Cuidar das próprias coisas.

Não querer administrar os assuntos de outras pessoas.

Evitar curiosidade.

Aceitar alegremente a contradição e a correção.

Passar por cima dos erros dos outros.

Aceitar insultos e injúrias.

Aceitar ser menosprezado, esquecido e odiado.

Não buscar ser especialmente amado e admirado.

Ser bom e gentil mesmo sob provocação.

Jamais se apoiar na própria dignidade.

Ceder nas discussões, mesmo se estiver certo.

Escolher sempre o mais difícil.

Essas linhas captam os preceitos centrais para a formação espiritual da Madre, e muitos assumem que as palavras são suas. Mas ela as tirou de um livro que amava e para o qual retornou diversas vezes em sua vida, Amor Sublime (1946), de Dom Eugene Boylan. A única frase original dela foi a última – “Escolher sempre o mais difícil” – e foi o conselho que ouvi Madre Teresa repetir com frequência.

Raramente havia um momento de descanso para a Madre e seu pequeno grupo de seguidoras, entre suas devoções e cuidados com os pobres. Elas trabalhavam também para satisfazer às próprias necessidades básicas. Todos os dias, as mulheres subiam e desciam os 56 degraus até seus aposentos de um quarto, carregando água para tomar banho e cozinhar, e lavavam suas roupas à mão no andar térreo, ao lado do tanque. Irmã Monica, que se juntou ao grupo em 1952, relembra que a Madre um dia brincou: “Ninguém tem permissão para ficar doente”.

O trabalho que as irmãs realizavam era baseado puramente nas necessidades da comunidade: “Na escolha das obras, não havia nem planejamento nem ideias preconcebidas”, Madre Teresa certa vez explicou. “Começávamos nosso trabalho quando o sofrimento das pessoas nos chamava. Deus nos mostrava o que fazer.”

Irmã Monica contou: “Madre era movida por aquela passagem do Evangelho, Jesus andou fazendo o bem”. E, durante os primeiros anos, foi exatamente assim que as Missionárias da Caridade passavam seus dias.

 

 

Sábado chegou, e as pessoas que estavam em fila esperando a comida naquela manhã de setembro eram ingratas. Algumas chegaram bêbadas ou drogadas; outras estavam enfurecidas. Muitas estavam das duas formas. A maioria cheirava mal. As irmãs que serviam davam a cada pessoa um pouco de sopa, frango assado e salada que tinham preparado naquela manhã. E, pacientemente, me mostravam o que fazer. Eu estava nervoso e tinha certeza de que, se olhasse do jeito errado para alguém, tomaria um banho de sopa. Alguns poucos diziam “obrigado”, mas a maioria seguia em frente em silêncio, apontando por mais disso, menos daquilo. Alguns furaram a fila e outros mentiram quando perguntados se já haviam sido servidos. Parecia que ninguém queria estar ali. Estavam na fila de mau humor, como crianças com cáries na sala de espera do dentista.

Irmã Manorama andava pela área de refeições usando um avental que protegia o sari branco e azul, enchendo copos vazios com mais chá gelado, sorrindo e conversando com todos, tentando ao máximo trazer um pouco de alegria a um ambiente mergulhado no desânimo. Às vezes, um sorriso se abria em algum dos rostos cansados, porém, em sua maioria, os homens e mulheres sentados nas longas mesas falavam pouco e beliscavam a comida com insatisfação, ou a devoravam e saíam sem dizer uma palavra.

Depois que todos se foram, ajudei as irmãs a fazerem a limpeza e a se prepararem para o serviço do dia seguinte. Cuidadosamente, elas economizaram tudo o que puderam – até o papel-alumínio usado para assar o frango. Irmã Manorama me corrigiu quando tentei jogar uma folha engordurada no lixo. Quando começou a me mostrar como limpá-la, eu, finalmente, recuei. Me ofereci para comprar quantos rolos de papel-alumínio elas precisassem se não tivessem condições. Essa não era a questão, a irmã me explicou gentilmente; estavam compartilhando a pobreza daqueles a quem serviam.

Foi humilhante ver as freiras trabalhando sem reclamar para alimentar pessoas que não tinham demonstrado o mínimo de gratidão. As irmãs tinham vindo de cantos distantes do globo – Índia, Guatemala e América –, mas trabalhavam como uma só e nunca paravam. A ética de trabalho incansável e bom ânimo que a Madre havia incutido nas irmãs durante os primeiros anos difíceis em Moti Jihl estava muito viva em Anacostia. E faziam aquilo tudo com sorrisos, seguras de que estavam verdadeiramente servindo a Deus. Suas boas ações tiveram tanto efeito em voluntários, como eu, quanto nos pobres. Madre Teresa certa vez me disse que “alegria é a rede com a qual capturamos almas”. Quando terminou meu primeiro turno no sopão, eu, alegremente, já estava capturado. Minhas manhãs de sábado agora eram delas.

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