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    • Madre Teresa – amar e ser amado: Um Retrato Pessoal de uma das Maiores Líderes Humanitárias do Mundo
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4. Pobreza espiritual

Capítulo 4

 

Pobreza espiritual

 

“Precisamos nos esvaziar de nós mesmos para sermos preenchidos por Deus. Nem Deus pode encher o que já está cheio.”

– Madre Teresa

 

Demorei um pouco para entender o que a Madre queria dizer com “Jesus em Seu disfarce angustiante”, e devo agradecer às Missionárias da Caridade pelo ensinamento paciente. Não gostei do meu primeiro turno como voluntário na cozinha comunitária mais do que do meu breve serviço em Kalighat. Mas amava o quão alegres as irmãs eram em meio aos pobres que serviam. Não conseguia me lembrar da última vez que senti a alegria pura que brilhava em seus rostos enquanto serviam aqueles moradores de rua como convidados de honra. Me tornei voluntário regular aos sábados e um mensageiro à noite: buscando remédios e comprando mantimentos. Em vez de vagar pelos bares em busca da minha mulher dos sonhos nos fins de semana, estava buscando freiras no aeroporto.

Podia sentir as irmãs traçando uma nova trajetória para minha vida e gostava do caminho para onde estava seguindo. Estavam me tornando um homem melhor. Eram a melhor parte da minha vida. Elas não tinham nada e, ainda assim, eram alegres. Eu queria ser assim também. Na época, eu morava em um apartamento de porão a nove quadras do Capitólio. Decidi remover o carpete, trocar minha grande cama por uma menor e, no geral, simplificar minha vida. No entanto, foi difícil me desfazer da televisão e resolvi orar sobre o assunto.

Não demorou muito para ter minha resposta. Uma noite, em 1986, ao chegar em casa do trabalho, encontrei a porta da frente arrombada e um homem de pé na minha sala, segurando minha TV. Recuei para a calçada com as pernas bambas e fiquei vendo-o sair de meu apartamento com a TV, entrar numa van e desaparecer na noite. Ele também levou meu anel de monograma de basquete da Universidade Estadual da Flórida, alguns relógios comemorativos e outras memorabilias que eu tinha da minha época como gerente de equipamentos do time. Foi como se Deus tivesse me dado um curso intensivo sobre como me livrar de bens materiais que eram importantes para mim.

No entanto, esse período em minha vida foi quase eufórico. Amava estar por perto das MCs. Compartilhávamos amor por Madre Teresa, e, quanto mais eu ficava com elas, mais podia ver a pureza, a bondade e a rica espiritualidade nelas. Estavam felizes em ter minha ajuda, e eu precisava de suas mãos firmes para forjar minha nova vida. Meu zelo para integrar totalmente as Missionárias da Caridade em meu mundo chegou a tal ponto que considerei pintar as três listras azuis – marca registrada de seus saris – no alto das paredes brancas do meu apartamento como um lembrete constante da Madre. Decidi não fazer isso porque, mesmo em meu estado apaixonado, percebi que era uma bobagem.

Meus amigos me gozavam, pois sentiam falta do companheiro de bebida. Eu tinha trocado as “happy hours” nos bares por “horas santas” em capelas, e eles não sabiam o que fazer com o “novo Jim”. Alguns amigos e familiares se perguntavam se eu tinha enlouquecido, e naquele momento entendi o porquê: de repente, estava passando todo o meu tempo disponível com as freiras.

Com o passar das semanas, sentia mais satisfação em ajudar as Missionárias da Caridade do que com meu trabalho no Senado, embora isso, também, me permitisse ajudar as MCs. Usando o nome de Mark Hatfield, consegui que as irmãs do convento em Washington, D.C., tivessem isenção de impostos em tempo recorde e convenci o senador a pressionar o lobista chefe das cadeias de supermercados a doar dezenas de perus às MCs para a ceia de Ação de Graças dos sem-teto.

A cada sábado, eu ficava mais confortável entre a clientela da cozinha comunitária e, demonstrando fidelidade, conquistei o direito de fazer perguntas sobre a vida daquelas pessoas e conhecê-las um pouco. Eu não estava preparado para o que compartilharam. Suas expressões duras eram o resultado de pais ausentes, mães com namorados ruins, escolas terríveis, parentes na prisão, lares instáveis e injustiça social e racial suficientes para assinalar um estilo de vida. Consumiam drogas e álcool como uma forma de tornar tudo isso suportável. Estava aprendendo que aquele homem da cama 46 não era o único a morrer lentamente.

Essa foi minha primeira real introdução ao que Madre Teresa descreveu como o fenômeno da “pobreza espiritual”. Certa vez ela foi citada, dizendo que, na América, e no Ocidente em geral, “não há fome de pão. Lá, as pessoas estão sofrendo de terrível solidão, terrível desespero, terrível ódio, sentindo-se indesejadas, sentindo-se impotentes, sentindo-se sem esperança. Esqueceram como sorrir, esqueceram a beleza do toque humano. Estão se esquecendo o que é amor humano. Precisam de alguém que as compreenda e respeite”.

Madre Teresa abriu mais lares nos Estados Unidos do que em qualquer outro país fora da Índia, e acho que a pobreza espiritual é o motivo. Ela sabia que, na América, as pessoas estavam famintas do pão da amizade, sedentas por aceitação e tolerância e desejando ser vestidas na dignidade divina que lhes foi prometida. Madre Teresa devotou muita de sua energia combatendo pobreza material, desnutrição e doenças ao redor do mundo, mas também estava determinada a aliviar a dor daqueles que se sentiam não amados, indesejados e não bem-vindos. Ela sabia que, além da comida, abrigo e vestuário, cada pessoa tem uma necessidade fundamental de amar e ser amada. Para ela, era a mesma coisa se alguém estivesse em busca de uma tigela de arroz ou de uma mão para segurar – era o mesmo Jesus sedento.

 

 

As Missionárias da Caridade começaram seu trabalho quando a crise dos refugiados de Bengala Ocidental piorou, e a pequena clínica que Madre Teresa e suas irmãs haviam montado quase transbordou com as demandas dos sem-teto e leprosos de Calcutá. Certo dia, ela encontrou uma mulher nas ruas que tinha sido “meio comida por ratos e formigas”. Foi uma experiência seminal. “A levei para o hospital”, escreveu em seu diário, “mas não podiam fazer nada por ela [...]. Dali, fui até a prefeitura e pedi que me dessem um lugar para onde eu pudesse levar essas pessoas porque, no mesmo dia, tinha encontrado outras pessoas morrendo nas ruas.” Em 1952, depois de muito importunar, o governo local finalmente cedeu. Um funcionário de saúde muçulmano ofereceu à Madre um prédio em condições precárias no templo de Kali, que um dia servira como hospedaria para peregrinos hindus. Kali é a deusa hindu da morte e da purificação, e o templo era conhecido por seus ritos funerários. Foi nesse lugar improvável que Madre Teresa fundou a missão cristã mais importante do século XX. Ela o chamou de Nirmal Hriday, que significa “lugar da pureza de coração” em hindu, em homenagem a Maria, mãe de Jesus. Mas então – como agora – todos chamaram a missão de “Kalighat”.

As portas de Kalighat foram abertas em agosto de 1952 para fornecer “serviços sinceros e gratuitos aos mais pobres dos pobres”. Desde o início, a Madre enfrentou oposição feroz da comunidade hindu, que não queria ter nada a ver com sua fé ou com as obras de caridade. Foi um sacerdote de Kali que virou a onda da opinião local. Ele estava sofrendo de tuberculose em estágio terminal e amaldiçoava quem chegasse perto. Madre Teresa cuidou dele durante duas semanas até que ele faleceu em Kalighat, e os outros sacerdotes que o visitaram observaram tanto o respeito dela por sua fé hindu quanto a forma como a raiva dele dera lugar à calma, graças ao socorro dela. A oposição à Madre em Kalighat morreu pacificamente com ele.

As cem camas do lugar foram rapidamente preenchidas com pessoas resgatadas sofrendo de todo tipo de doenças e aflições, trazidas das ruas para receber cuidados maternos. De uma posição elevada próxima à entrada principal, Madre Teresa dirigia a movimentação e supervisionava o tratamento tanto na ala feminina quanto na masculina. Era um verdadeiro teste de suas habilidades de gerenciamento. No fim de 1952, Kalighat tinha recebido 449 pessoas; 226 das quais haviam morrido e 165 tinham recebido alta. Ela mantinha meticulosos registros manuais de cada pessoa admitida na casa, que ela chamava de “casa do tesouro de Calcutá”.

“Nós os ajudamos a morrer com Deus. Os ajudamos a pedir perdão a Deus. A fazer as pazes com Deus de acordo com sua fé”, dizia sobre os pacientes. Madre era cuidadosa em observar os protocolos funerários apropriados das diversas crenças dos falecidos. Em Kalighat, alguns morreram momentos após terem chegado à recepção, mas a maioria vivia na casa durante meses enquanto recobrava forças, autorrespeito e, por fim, independência. Todos eram tratados com dignidade e amor; como um paciente moribundo disse à Madre Teresa, agradecido: “Vivi como um animal nas ruas, mas morro como um anjo, amado e cuidado”.

Conforme o trabalho das Missionárias da Caridade se expandiu ao longo dos anos 1950, aumentou também o número de irmãs. Madre Teresa era uma superiora exigente, mas não pedia às irmãs sacrifícios que ela mesma não estivesse disposta a fazer. Ser a primeira a chegar na capela e a última a ir para a cama foi sua prática ao longo da vida. Exigia que todos que se juntassem a ela aprendessem e falassem inglês, de modo que a língua não se tornasse uma fonte de divisão na sede (centenas de idiomas diferentes eram nativos da Índia). A despeito dessa busca por uniformidade, ela adaptou algumas práticas do convento à realidade de ter mulheres vindas de tantas regiões diferentes dividindo um lar. Por exemplo, as irmãs de Kerala – o estado mais ao sul da Índia, onde o cristianismo desembarcou no subcontinente nos tempos apostólicos e de onde a maioria das novas MCs indianas viera – tinham dificuldades com a comida bengalesa de Calcutá. A Madre as acomodou, permitindo pimenta nas refeições.

Apesar dessas pequenas modificações, as Missionárias da Caridade não se desviavam de seu compromisso com a pobreza voluntária. As irmãs não recebiam salário ou benefícios e tinham permissão de visitar suas famílias apenas uma vez a cada dez anos, para evitar as despesas de viagem. As irmãs, incluindo a Madre, tinham muito pouco. Um ano antes de sua morte, quando fez seu testamento, seus pertences pessoais eram quase nada: três saris, dois suéteres, um par de sandálias gastas, seu crucifixo e rosário, seu livro de orações e Bíblia, uma caixa de livros espirituais e anotações de retiro, e seu prato, caneca e talheres de metal marcados com um “Madre” em vermelho para diferenciá-los dos usados pelas outras irmãs.

As MCs não desperdiçavam nada. Só comiam no convento. Enquanto os avanços de modernização e tecnologia transformavam o mundo, elas se mantinham notavelmente isoladas disso. Alguém sugeriu certa vez que as irmãs poderiam estar mais livres para ajudar mais pobres, usando máquinas, em vez de lavar suas roupas à mão; Madre respondeu que elas tinham feito um voto de pobreza, e não de eficiência.

Embora isso certamente fosse verdade, Madre Teresa foi incrivelmente eficiente em expandir sua missão. A permissão do Arcebispo Perier para fundar as Missionárias da Caridade veio com a determinação de que seu trabalho deveria se manter dentro dos limites da arquidiocese nos primeiros dez anos, então as irmãs concentraram seus esforços em Calcutá e em seu entorno. Madre abriu uma clínica de saúde para muçulmanos, um orfanato e uma escola improvisada para crianças. Ela dirigia clínicas móveis para leprosos pela região e uma escola especial para os filhos deles. Em 1961, começou a planejar uma aldeia para leprosos, que seria chamada de Shanti Nagar, ou “Cidade da Paz”. Escreveu: “As condições nas quais vivem as famílias dos leprosos são terríveis. Gostaria de dar a eles casas melhores [...]. mostrar-lhes que também são filhos amados de Deus e, portanto, dar a eles algo pelo qual viver [...]. Quero construir lentamente algo como uma pequena cidade para eles, onde leprosos possam levar uma vida normal”.

No fim da primeira década das Missionárias da Caridade, 119 mulheres haviam se juntado à Madre Teresa, todas indianas, exceto três. As irmãs começaram a expandir para outras cidades, primeiro no estado vizinho de Bihar, uma região extremamente pobre, e depois para Delhi, a capital da Índia. Em 1965, as MCs já eram mais de 300, e a primeira missão no exterior foi estabelecida na Venezuela. Em 1975, mais de mil irmãs estavam alocadas em 85 missões em 15 países, incluindo um abrigo para moradores de rua e uma cozinha comunitária no Bronx, Nova York: a primeira missão da Madre nos Estados Unidos.

Com as Missionárias da Caridade se aventurando tão longe, a Madre reconheceu que mesmo as irmãs mais dedicadas precisariam de ajuda com os cuidados permanentes de moribundos e leprosos. Em 1963, ela criou Irmãos MC, como uma nova ordem de homens consagrados, que faziam votos e recebiam orientação espiritual da Madre e, em casos raros, frequentavam o seminário. Eles trabalhavam com as irmãs ajudando, em especial, com as tarefas mais físicas, como carregar pacientes das ruas para Kalighat; eles também permitiam que as MCs alcançassem pessoas em vizinhanças mais perigosas. Padre Ian Travers-Ball, um sacerdote jesuíta, foi o primeiro líder dos irmãos. Ele assumiu o nome de Irmão Andrew e administrou a expansão global das Missionárias da Caridade. Onde iam as irmãs, normalmente os irmãos as seguiam.

Conforme as Missionárias da Caridade cresciam, honrarias e prêmios começaram a perseguir Madre Teresa: primeiro na Índia e depois pelo mundo. Em 1973, ela foi agraciada com o primeiro Templeton Prize for Progress in Religion[1], e, em 1979, o Comitê do Prêmio Nobel concedeu a ela sua maior horaria, o Prêmio Nobel da Paz. O reconhecimento mais significativo, porém, veio em Kalighat, em 4 de fevereiro de 1986, que a Madre descreveu como “o melhor dia de minha vida”. O Papa João Paulo II foi a Nirmal Hriday e passou a manhã visitando os pacientes, segurando firmemente a mão de Madre Teresa enquanto andava pelos corredores estreitos que separavam as filas de moribundos. Ele serviu comida a cinco dos pacientes e deu uma bênção individual e um rosário para cada um dos homens e mulheres das duas alas. Ele ficou tocado pelas preciosas vidas que as MCs haviam retirado das sarjetas: “Nirmal Hriday proclama a profunda dignidade de cada pessoa humana. O cuidado amoroso que é demonstrado aqui carrega o testemunho da verdade de que o valor de um ser humano não é medido por utilidade ou talentos, pela saúde ou doença, pela idade, credo ou raça. Nossa dignidade humana vem de Deus, nosso Criador. Nenhuma quantidade de privação ou sofrimento pode remover essa dignidade, pois somos preciosos aos olhos de Deus”, ele disse após a visita, enquanto os dois futuros santos posavam lado a lado para a imprensa.

O projeto de “proclamar a profunda dignidade de cada pessoa humana” nunca se afastou da mente da Madre. Em seu discurso na entrega do Prêmio Nobel, aproveitou a oportunidade para lembrar a todos os dignatários que “nossos pobres são ótimas pessoas, são pessoas cativantes, não precisam de nossa piedade e simpatia, precisam de nosso amor compreensivo. Precisam de nosso respeito; precisam que os tratemos com dignidade”.

Talvez tenha sido seu aguçado senso da primazia da necessidade de amar e ser amado que alimentou seu esforço de vida para confrontar a praga da solidão que afligia os pobres e, igualmente, os ricos. Ela não hesitou quando perguntada sobre qual foi a pior doença que tinha visto. Em sua opinião, não era a lepra: era a solidão. “Hoje em dia, as pessoas estão famintas por amor, por amor compreensivo, que é muito maior e a única resposta à solidão e grande pobreza”, declarou certa vez. Ela aprofundou essa questão no discurso do Nobel: “Quando pego uma pessoa na rua, faminta, e lhe dou um prato de arroz, um pedaço de pão, eu a satisfiz. Tirei essa fome. Mas uma pessoa que é excluída, indesejada, não amada, aterrorizada, que foi expulsa da sociedade – aquela pobreza é tão dolorosa e tanta, que acho muito difícil. Nossas irmãs estão trabalhando entre esse tipo de pessoas no Ocidente”.

 

 

Em outubro de 1985, apenas dez semanas após tê-la encontrado em Calcutá, Madre Teresa falaria na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Eu não podia deixar passar a oportunidade de vê-la novamente. Usando o nome do Senador Hatfield, consegui uma passagem e peguei um voo para Nova York. Na época, estava me equilibrando para conciliar minha nova vida de meio período com as MCs em Anacostia com meu trabalho diário nos salões ornados do Capitólio, e as palavras dela naquela noite sublinharam o que ela me diria anos mais tarde: “Se Jesus colocar você no palácio, seja inteiramente para Jesus no palácio. E se Ele pega sua vida e a divide em vinte pedaços, todos esses pedaços são Dele”.

Entrei de penetra na recepção que houve depois e esperei na fila para falar com ela novamente. Parecia não se lembrar de mim, mas não me importei. Tudo o que importava era poder estar com ela, olhar em seus olhos, sentir suas mãos calorosas e ouvir sua voz novamente.

Esse segundo encontro com a Madre cimentou minha decisão de ajudar as MCs da forma que eu pudesse. O momento não poderia ter sido melhor: a Madre precisava de um advogado para ajudar a lidar com obstáculos burocráticos, enquanto abria novas missões nos Estados Unidos. Os centros seriam administrados por irmãs vindas da Índia, e todas precisavam de visto. Lidar com burocratas do governo era minha especialidade. As Missionárias da Caridade na sede do Bronx já tinham começado a me pedir ajuda depois que souberam que eu ajudara as irmãs em Anacostia com seus vistos e problemas legais semelhantes. Estava desenvolvendo um relacionamento com a hierarquia das Missionárias da Caridade em Nova York, e a notícia chegou até Madre Teresa.

Ela precisava de ajuda para inaugurar um lar para portadores de aids em Washington, e eu podia ajudar. O governo da capital não estava sendo tão cooperativo quanto fora o de Nova York. Mas a obstinação do prefeito foi minha sorte, pois, quanto mais as negociações se arrastavam, mais profundamente enredado eu me tornava na unida comunidade das Missionárias da Caridade. Por fim, vencemos, e a casa Gift of Peace abriu em novembro de 1986, a apenas 8 km de distância da Casa Branca. A Madre apreciou o fato de eu não estar apenas fazendo o trabalho de colarinho branco, mas também ajudando regularmente as irmãs na cozinha comunitária e frequentando as santas horas em sua capela e a missa aos sábados. Cerca de seis meses após seu discurso em Nova York, ela me convocou para uma reunião em Anacostia para discutir sua próxima viagem. Quando nos sentamos numa pequena mesa numa sala ao lado da capela, ela escreveu em um pedaço de papel os nomes dos cinco países que queria visitar. Então me entregou seu passaporte diplomático indiano e me pediu que conseguisse os vistos. Admito que olhava para aquilo de tempos em tempos, incrédulo.

Eu teria feito qualquer coisa que a Madre pedisse, e logo estava sendo submetido a um teste muito maior. A Gift of Peace precisava de voluntários para o turno da noite, que trabalhassem das 18 horas às 6 da manhã, para que as irmãs não ficassem esgotadas tentando fornecer cuidados 24 horas a homens e mulheres moribundos. Madre recomendou à Irmã Dolores, a primeira superior da casa, que eu fosse voluntário uma noite por semana na ala masculina. Esse trabalho tinha uma ordem de magnitude muito além de qualquer coisa que eu fora solicitado a fazer, mesmo em Kalighat. Sarna é uma coisa, mas Madre Teresa estava propondo que eu ajudasse a cuidar de pessoas que tinham uma doença infecciosa com 100% de mortalidade em uma época em que ninguém sabia ao certo como ela se espalhava. Eu precisava decidir: estava dentro ou não?

Não levei muito tempo para entender que, se a Madre me queria cuidando de pessoas com aids em seu centro, era porque podia contar comigo. Então racionalizei: se as MCs não tinham medo de serem infectadas com aids, eu também não teria. Para mim, isso foi um divisor de águas. Exigiu um salto de fé e alguma coragem dar banho em homens, trocar suas fraldas e vê-los definhar. Tinha sentido repulsa só de ver coisas assim, um ano antes em Calcutá, mas, desde então, muito havia mudado.

Eu estava em boa companhia com o primeiro grupo de voluntários noturnos da Gift of Peace. Cuidamos de homens que vieram passar seus últimos dias conosco, começando com nossos dois primeiros pacientes: Cliff e Andy. Poucos homens permaneciam por mais de alguns meses. A morte visitava o lar regularmente, às vezes durante os meus turnos. Foi um trabalho intenso, porém lindo e sagrado.


 

1. Em tradução livre, Prêmio Templeton pelo Progresso da Religião. (N.T.)[ «« ]

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