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Capítulo 10
No palácio
“Jamais busque a estima do mundano.”
– Madre Teresa
Em seu discurso nas Nações Unidas, em 1985, Madre Teresa disse a um salão cheio de dignatários: “Se Jesus colocar você em um palácio, seja tudo por Jesus no palácio”. É uma observação que guiou minha vida, e a Madre praticava o que pregava. Ela preferia as favelas de Calcutá, mas, com frequência, serviu como emissária de Deus no palácio – às vezes, tendo que ir, literalmente, a um palácio.
A Madre sofria consideravelmente com essa parte de seu chamado, e mais ainda quando se tornou uma celebridade global. Ela era pequena e, ao longo dos anos em que a conheci, cada vez mais frágil. Não gostava de ser abraçada por estranhos e, com frequência, me pedia que dissesse às pessoas ao seu redor para não puxá-la ou beijá-la. As multidões que se juntavam ao seu redor aonde quer que fosse pareciam sufocantes. Ela descreveu uma visita à Filadélfia, em 1976, com enxames de pessoas a pressionando, como dias “cheios de sacrifício... comecei a entender as estações da Via-Sacra com um significado mais profundo. A polícia, as multidões, tudo parecia como se o Calvário [estivesse] sendo reencenado hoje novamente”. No entanto, reconhecia o bem que isso fazia para as MCs e para os pobres. “Essa celebridade me foi imposta”, disse certa vez. “Eu a uso por amor de Jesus. A imprensa conscientiza as pessoas sobre os pobres, e isso vale qualquer sacrifício de minha parte.”
Durante os doze anos em que convivi com a Madre, suas viagens missionárias rivalizaram com as de Paulo de Tarso nos tempos apostólicos. Seu lar era Calcutá, mas, a menos que estivesse hospitalizada ou se recuperando, raramente permanecia em um lugar por muito tempo. A cada dezembro e maio, rotineiramente, participava de cerimônias onde suas irmãs faziam os votos, e isso significava viajar para Roma, Washington, São Francisco e outros lugares. Entre 1985 e sua morte, em 1997, o número de Missionárias da Caridade aumentou em dois terços – cerca de 4 mil –, o que permitiu que abrisse 300 missões adicionais. A maioria dessas novas missões era fora da Índia e, em 1997, sua rede missionária se estendia por 120 países. A Madre comparecia à abertura desses novos lares sempre que podia, e, conforme sua saúde piorava, as irmãs montavam a agenda de modo a mantê-la longe do convento-sede durante os meses mais quentes em Calcutá.
O Vaticano também exigia muito dela. Ela e o Papa João Paulo II desfrutavam de uma relação especialmente próxima, o que era uma alegria para ambos futuros santos. Ela era dez anos mais velha, mas sempre foi sua fiel seguidora, e ele nunca hesitou em fazê-la usar seu carisma e charme a serviço da Igreja. Fosse no Sínodo dos Bispos, no Congresso Eucarístico, no Dia Mundial da Juventude, ou em celebrações dedicadas a Maria ou à nova evangelização, Madre Teresa ia aonde quer que ele pedisse. Abriu lares em Cuba, Rússia, Beirute, Romênia e em outros lugares onde João Paulo ainda não podia ir – normalmente preparando as bases para uma eventual visita papal. Ela era seu soldado leal, alguém com quem ele podia contar infalivelmente, uma voz fiel ecoando a ortodoxia católica que ele defendia. “Ela incorporou muitos dos temas que ele considerava centrais em seu pontificado – a defesa da vida, a defesa da família, preocupação com os pobres, a dignidade das mulheres, os direitos humanos dos homens e das mulheres mais humildes”, escreveu George Weigel, o proeminente biógrafo do papa polonês.
Ela nunca disse não para ele, e seu sim para João Paulo foi além da mera obediência, era algo profundamente pessoal, até maternal. Quando ele foi baleado por um suposto assassino, em maio de 1981, Madre Teresa imediatamente viajou de Calcutá a Roma para visitá-lo no hospital. Um ano depois, quando ele retornou de Portugal após outro atentado contra sua vida, ela estava lá na manhã seguinte para vê-lo.
Havia um afeto verdadeiro entre os dois. Em uma audiência privada, quando ela trouxe sua cardiologista para uma visita de cortesia ao Papa, ele a cumprimentou dizendo “Madre, minha madre!” e se curvou e beijou sua mão. Depois de acompanhá-la numa audiência privada, a amiga da Madre, Sunita Kumar, comentou: “Ele a tratou como se ela fosse o papa!”.
A influência dela sobre ele era evidente. “O Papa visitou a Índia para exaltar o trabalho de uma grande amiga, cuja encarnação viva do Evangelho de amor ele considerava o melhor método de avançar a proposta cristã em uma cultura profundamente resistente a ela”, escreveu Weigel. Logo após o retorno de João Paulo dessa viagem, que incluiu uma visita a Kalighat, ele lhe concedeu o antigo pedido por uma casa dentro dos muros do Vaticano para cuidar dos famintos e dos sem-teto. Weigel descreveu o relacionamento deles como “profundo e intuitivo”, lembrando a amizade de outros santos contemporâneos, como Francisco de Assis e Clara, Francisco de Sales e Joana de Chantal, e João da Cruz e Teresa de Ávila. A Madre e João Paulo trabalhavam em conjunto, usando a mídia para ajudar os pobres e espalhar o Evangelho, embora ele se sentisse muito mais confortável sob os holofotes do que ela.
Embora as viagens e aparições públicas em nome do Vaticano e das Missionárias da Caridade fossem difíceis para ela, a Madre raramente reclamava. Aceitava os rigores das viagens internacionais e o brilho da mídia que sua celebridade demandava.
Tennyson escreveu: “Precisamos amar o mais sublime quando o vemos”. A Madre personificava isso; todos eram simplesmente atraídos a ela. Em nosso mundo conturbado, as pessoas estavam desesperadas para tocar em algo melhor. Pessoas proeminentes afluíam para a Madre. O ex-boxeador peso pesado, o grande Muhammad Ali, foi às lágrimas depois de conhecê-la. A estrela de cinema Julia Roberts veio visitá-la quando a Madre estava se recuperando de uma enfermidade na Califórnia. A atriz Penélope Cruz passou uma semana em Calcutá, ajudando numa clínica de leprosos das MCs e relatou que, após seu encontro, ficou “impressionada com ela”.
Políticos de todo o mundo buscavam sua bênção, assim como ela buscou o auxílio deles para ajudá-la em futuras missões entre os cidadãos mais pobres. Indira Gandhi, a líder do país adotado pela Madre, foi sua amiga por dezesseis anos. Logo após Madre Teresa receber o Prêmio Nobel da Paz, em 1979, Gandhi a agraciou com o Bharat Ratna, a mais alta honraria civil da Índia, e lhe concedeu um passe vitalício para viagens gratuitas na Air Índia para ajudá-la a espalhar seu amor e boas obras, dizendo: “Conhecê-la é sentir-se profundamente humilde, sentir o poder da ternura e a força do amor”. Essa alta consideração parecia ser mútua. A Madre elogiou a primeira-ministra em uma ocasião por fazer “algo maravilhosamente à semelhança de Cristo” ao receber milhões de refugiados de Bangladesh. Em 1984, Indira Gandhi foi assassinada por membros de sua própria equipe de segurança. No funeral, Madre Teresa orou para que a alma de sua amiga hindu “vivesse em paz para sempre”.
Políticos americanos de todas as linhas – de George H. W. Bush a Bill Clinton, Ted Kennedy a Pete Dominici – a tinham em alta conta e pediam para se encontrar com ela sempre que visitava Washington. Bob Dole veio ver a Madre quando concorria à presidência em 1996. Conversaram sobre o desejo dela de levar as Missionárias da Caridade para a China, e ela lhe deu medalhas e sua bênção. Certa vez presenciei um momento particular entre a Madre e a procuradora-geral Janet Reno, durante o qual ela pegou a mão de Janet e, dedo a dedo, contou as palavras que guiaram sua vida: “a mim mesmo que o fizestes”.
Ninguém conheceu a Madre e saiu ileso. Ronald Reagan, Hillary Clinton e Diana, Princesa de Gales, não poderiam ser mais diferentes enquanto figuras públicas. Porém, em seus encontros com a Madre, observei conexão e amor genuínos. Cada um encontrou nessa pequena mulher de Calcutá algo raro de ser captado pelas luzes dos holofotes: uma amiga em quem podiam confiar. O amor da Madre iluminou suas vidas e foi um bálsamo para suas almas.
Reagan não perdeu tempo em convidar a Madre para a Casa Branca logo após sua posse, em 1981. As Missionárias da Caridade desfrutavam uma parceria de longa data com o governo dos Estados Unidos, que havia enviado ajuda para a Madre mediante as Nações Unidas e outras organizações não governamentais durante décadas. Madre Teresa contou à sua amiga Eileen Egan, enquanto andavam por Kalighat, em 1957, que “alimentos vindos do povo americano tinham ajudado a trazer aquelas pessoas de volta à vida. A América será abençoada por fazer isso”. Em 1979, ela escreveu a Jimmy Carter elogiando a generosidade dos Estados Unidos em fornecer remessas de alimentos para os Catholic Relief Services[1]: “Desde o início do trabalho – seu povo, através do Catholic Relief Services, tem compartilhado a alegria de alimentar o Cristo faminto, vestir o Cristo nu e dar abrigo ao Cristo sem-teto. Em todos esses anos, quase trinta, seu povo sempre presente. Graças a Deus”.
Em Reagan, contudo, a Madre encontrou um amigo e muito mais. O presidente, como quase todo mundo, ficou impressionado com a diminuta freira, seis meses mais velha que ele. Seu primeiro encontro aconteceu pouco mais de dois meses depois de ele ter sobrevivido a uma tentativa de assassinato por John Hinckley. A Madre lhe disse que tudo o que tinha sofrido o trouxera para mais perto de Jesus e dos pobres. Muita coisa para uma conversinha rápida! Mais tarde, perguntado pelos repórteres sobre sua conversa com ela, Reagan simplesmente disse: “Eu escutei”.
Sua nota de acompanhamento incluiu um alerta ao presidente sobre o perigo de uma guerra nuclear. “A presença de [armas] nucleares no mundo criou medo e desconfiança entre as nações, pois é mais uma arma para destruir a vida humana – a bela presença de Deus no mundo. Assim como o aborto é usado para matar a criança não nascida, essa nova arma se tornará um meio para eliminar os Pobres do Mundo.” Reagan certamente respeitava sua pura sinceridade. Ela era seu tipo de atirador certeiro, e a amizade deles se aprofundou ao longo dos anos de sua presidência.
Quando a Madre foi hospitalizada em Roma, em 1983, após seu primeiro infarto, Reagan enviou rosas. Ele e a primeira-dama, Nancy Reagan, se encontraram com a Madre em diversas ocasiões, incluindo duas vezes em 1985. Em junho daquele ano, o presidente concedeu a ela a mais alta honraria civil dos Estados Unidos, a Medalha Presidencial da Liberdade. Depois de entregar-lhe a medalha, ele brincou: “Esta é a primeira vez que entrego a Medalha da Liberdade com a intenção de que o agraciado possa levá-la para casa, derretê-la, vender o ouro e gastar o dinheiro com os pobres”. O presidente escreveu de próprio punho em uma foto do evento: “Para Madre Teresa, com grande apreço e o mais caloroso afeto. Cordialmente, Nancy e Ronald Reagan”. Na foto, com as duas mãos, ele está segurando a mão dela, enquanto a Madre e a primeira-dama trocam sorrisos amorosos.
Aos olhos de Reagan, Madre Teresa não podia errar. A equipe da Casa Branca entrava em ação sempre que irmãs, emigrando da Índia, enfrentavam problemas com vistos, ou ela ligava para falar com o presidente. Irmão Geoff, ex-líder dos Irmãos MC, se lembra da Madre certa vez usar um telefone público na Índia para ligar para a Casa Branca. Ela foi atendida de imediato e os dois conversaram sobre o combate à fome na Etiópia.
Eu só compreendi o amigo querido que ele era para a Madre depois que ele deixou o cargo. No início de 1989, ela me ligou e pediu que eu marcasse um encontro dela com os Reagans. Quando a lembrei de que ele não estava mais no cargo, ela respondeu: “Eu sei. É por isso que quero vê-lo agora. Me pergunto se alguém ainda vai visitá-lo”.
Seu cuidado com um amigo que não estava mais no poder era tocante. Agendei o encontro para 10 de fevereiro de 1989, em Los Angeles. A Covenant House, uma organização sem fins lucrativos que ajudava jovens desabrigados e fugitivos, enviou uma van para nos buscar no aeroporto e nos levar até o escritório de Reagan, no Fox Plaza, onde o pessoal do Serviço Secreto nos escoltou em um elevador privativo até o trigésimo quarto andar. Enquanto a Madre aguardava por seu compromisso, me pediu que refrescasse sua memória: “Que prêmio eles me deram? Acho que foi pela paz”.
Ela se encontrou com o casal Reagan em particular por cerca de meia hora, e então seus companheiros de viagem foram todos levados para um aperto de mão e uma foto. Quando voltamos para o saguão, a notícia de que Madre Teresa estava no prédio havia circulado. Todos, de corretores da bolsa de valores a funcionários das lanchonetes, se amontoaram para vê-la de perto.
“Foi muito bom eu ter vindo visitá-lo”, Madre falou quando, finalmente, chegamos de volta à van. Ela ficou quase tagarela falando sobre Reagan. “Ele ficou feliz por eu ter vindo. No início, estavam muito formais. Mas então ele relaxou. Conversamos sobre a União Soviética. A sra. Reagan disse que vai ajudar quando nossas irmãs MCs vierem para Los Angeles. Eles ficaram muito felizes em me ver. Dessa vez, vim sem nada para pedir. Acho que isso é bom. Antes, o via como um presidente; hoje, o vejo como uma pessoa.” Tive a sensação de que ela havia encontrado no líder mundial envelhecido algo raro naquele estágio de sua vida: um semelhante.
Hillary Clinton era primeira-dama quando ela e a Madre se encontraram pela primeira vez. Estavam em lados opostos quando se tratava da controversa questão social do aborto. A sra. Clinton era uma defensora ferrenha do direito legal ao aborto; Madre Teresa o denunciava. Sua oposição ao aborto era um componente central de cada discurso público mais importante da Madre. No capítulo oito, descrevi as observações antiaborto que a Madre fez no Café da Manhã Nacional de Oração, em Washington, D.C., em fevereiro de 1994. Foi depois desse discurso que ela se encontrou com o casal Clinton. Ela e a primeira-dama concordaram em trabalhar juntas para abrir um lar para adoção na região de Washington, D.C. Ela também deu a entender que a primeira-dama tinha lágrimas nos olhos no fim de sua conversa. “Sra. Clinton prometeu me dar uma casa para as crianças que ninguém quer. Vou escrever uma carta para ela, e então vamos ver.”
Ela escreveu duas cartas. A primeira endereçada ao casal: “Conforme nossa conversa sobre salvar crianças do aborto através da adoção, fiquei muito impressionada com sua preocupação e prontidão em ajudar... Rezo para que, juntos, façamos algo belo para Deus”. Dois dias depois, em Nova York, ela escreveu uma segunda carta para a primeira-dama, reiterando seu interesse em abrir um lar para adoção com ela. E encerrou: “Rezo frequentemente por vocês dois. Mantenham a alegria de amar em seus corações e compartilhem essa alegria com todos os que conhecem, em especial, sua família. Por favor, orem por nossa Sociedade [MC], nossos Pobres e por mim”.
Hillary Clinton estava saindo de um ano difícil – tinha levado uma surra da mídia por causa de uma importante iniciativa na saúde – e parecia estar animada com essa nova amizade. Em março de 1995, ela e sua filha, Chelsea, visitaram o lar para crianças de Madre Teresa, em Nova Delhi, como parte de sua viagem à capital da Índia. Em um artigo de opinião no Washington Post, a sra. Clinton lembrou o encontro inicial delas: “Foi em fevereiro de 1994, e ela tinha acabado de fazer um discurso contra o aborto no Café da Manhã Nacional de Oração... Ela me contou sobre seus lares para crianças órfãs em Nova Delhi e Calcutá e pediu minha ajuda para montar um lar semelhante... Embora tenhamos divergências sobre algumas questões, encontramos um terreno em comum na adoção”.
Dezesseis meses depois, em junho de 1995, após muito trabalho, a nova casa de adoção foi inaugurada na fronteira oeste do distrito de Columbia. Era uma grande casa estilo Tudor, em um bairro residencial de classe alta – não exatamente nos moldes das outras casas das MCs ao redor do mundo, porém de acordo com as diretrizes da Madre de que a casa deveria ser confortável e acolhedora para mulheres grávidas e seus bebês. Quando a sra. Clinton chegou antes da cerimônia de inauguração, vi a Madre se encaminhar em sua direção e cumprimentá-la calorosamente. Essas parceiras improváveis rapidamente tinham se tornado amigas. Após o evento, elas trabalharam juntas na corda – a primeira-dama protegida por sua equipe do Serviço Secreto, e a Madre, por mim.
Dois anos depois, quando Madre Teresa faleceu, a sra. Clinton liderou uma delegação dos Estados Unidos para comparecer ao funeral oficial em Calcutá. Eunice Shriver, o ícone dos direitos civis, John Lewis, e outros políticos, religiosos e empresários foram incluídos no grupo. Mary e eu fomos convidados, porém havia apenas um lugar disponível no avião oficial, então tivemos que escolher quem iria. Como Mary ainda estava amamentando nosso filho de 1 ano, decidimos que eu deveria ir. Nossa delegação de quinze pessoas passaria dezenas de horas em trânsito e permaneceria em Calcutá apenas dezesseis horas.
Algumas horas depois de decolar, a primeira-dama se dirigiu à parte traseira do avião, onde eu estava sentado com Irmã Dominga e Irmã Therese-Marie, duas representantes das MCs do Bronx que faziam parte da delegação. Me apresentei novamente e lembrei como a Madre nos pedia frequentemente para que orássemos pelos Clintons e o quão satisfeita ficou por ter aberto a casa de adoção com ela. “Madre amava você”, disse a ela.
A primeira-dama de aço derreteu como manteiga. “Madre costumava me enviar bilhetes manuscritos de tempos em tempos, me contando o que estava fazendo e que estava rezando por mim. Me lembro do quão mal ela se sentiu por não ter podido ir a Delhi quando estive lá com Chelsea.” Então fez uma pausa e acrescentou: “Recebo muitas correspondências de ódio de cristãos. Nunca entendi por que a Madre me amava tanto”.
Após o funeral e uma rápida visita ao orfanato das MCs, paramos no convento-sede para que a primeira-dama pudesse oferecer suas condolências à Irmã Nirmala e fizemos uma oração no túmulo, que ainda estava sendo finalizado por pedreiros locais. Então, chegara a hora de deixar Calcutá. Quando subi os degraus para entrar no avião, vi a sra. Clinton de pé na porta, distribuindo uma pequena medalha de alumínio para cada um que entrava a bordo. “Irmã Nirmala me deu essas Medalhas Milagrosas para eu distribuir”, explicou. Eu tinha visto Madre Teresa colocar Medalhas Milagrosas no chão, no México, onde queria construir um seminário. Irmã Marelda me contou que certa vez a Madre colocou uma na mão muito inchada de uma irmã e ela ficou curada no dia seguinte. A Madre tinha me aconselhado a dá-las a pessoas sofrendo com câncer, junto com uma oração especial e instruções sobre onde colocar a medalha. Mas ver Hillary Clinton distribuindo-as me surpreendeu, e imaginei a Madre sorrindo para essa cena, de seu novo lar, no céu.
A relação de Madre Teresa com a Princesa de Gales é a mais surpreendente. Formavam uma dupla improvável. Uma usava um sari de algodão tecido por leprosos. A outra era a personificação do glamour em roupas de alta-costura, sapatos de grife e joias preciosas. E, ainda assim, tinham muito em comum. Ambas sofriam com a fama – embora a intensidade da fama de Diana estivesse muito além da que a própria Madre tinha que enfrentar. E ambas eram conhecidas por sua compaixão pelos pobres e, em particular, pelos que sofriam com a aids. Ambas usaram sua imensa popularidade para melhorar a situação dos oprimidos. Elas também compartilhavam uma timidez natural e uma aversão a fotógrafos.
Estão permanentemente conectadas na memória pública, porque Diana morreu apenas cinco dias antes da Madre. A morte dessas duas mulheres amadas pareceu convulsionar o mundo em luto. Alguns católicos acham que Madre Teresa foi negligenciada pela mídia, pois a cobertura de sua morte foi ofuscada pela preparação do funeral de Diana, no dia seguinte. Não vejo dessa forma. Para mim, Deus decidiu deixar Madre Teresa sair pela porta dos fundos, de uma maneira condizente com sua simplicidade e humildade. O momento também deu à Índia alguma privacidade para chorar a morte de sua filha adotiva favorita.
Quando Diana foi a Calcutá, em fevereiro de 1992, para conhecer Madre Teresa, estava à beira da separação do marido. A Madre estava se recuperando de uma cirurgia cardíaca e não podia sair da cama para receber a princesa pessoalmente, mas ordenou que as MCs estendessem o tapete vermelho para a ocasião. Um coro de centenas de irmãs recebeu a convidada especial. Naquele dia mais tarde, Diana escreveu ao seu amigo e mordomo, Paul Burrell: “Hoje, algo muito profundo tocou minha vida... Fui a casa de Madre Teresa, em Calcutá, e encontrei a direção que tenho buscado todos esses anos. As irmãs cantaram na minha chegada, uma experiência profundamente espiritual, e voei grandes alturas em meu espírito”.
Esse despertar espiritual levou a princesa a procurar Madre Teresa novamente algumas semanas mais tarde, dessa vez no convento das Missionárias da Caridade, em Roma. A visita durou cerca de meia hora, e então elas rezaram juntas, em particular, na capela do convento. No ano seguinte, Madre estava em Londres, e Diana estava tão ansiosa para vê-la que foi até o convento das MCs dirigindo seu carro particular sem dizer a ninguém no Palácio de Kensington e sem levar nenhum segurança. Nessa época, a princesa já estava separada do marido, e Irmã Tanya, superiora do convento em Londres, tem certeza de que ela e a Madre conversaram sobre a situação do casal real. A princesa chorou durante todo o tempo em que estiveram juntas e abraçou a Madre ao se despedir.
Em 1995, estavam agendadas para se encontrar novamente no convento em Londres, mas, quando fotógrafos cercaram a entrada, a Madre mudou os planos. “Melhor irmos lá”, disse à Irmã Tanya. Providências foram tomadas para que a Madre fosse levada pelo portão lateral do Palácio de Kensington para que ela e a princesa pudessem ter sua visita particular.
Irmã Tanya, que esteve com a Madre em cada uma dessas visitas em Londres, sentia que o papel da freira idosa com a princesa era o de mãe, confidente e mentora espiritual. Ela conta que a Madre ensinou a Princesa Diana a fazer o sinal da cruz, debateu os Evangelhos e rezou com ela no fim de cada encontro. A princesa precisava de alguém com quem pudesse abrir seu coração dolorido. Mas estava claro que apenas Deus poderia ajudá-la. A Madre se tornou mediadora dessa assistência divina.
Depois desses encontros, a Madre permanecia de boca fechada quando suas irmãs perguntavam o que havia sido conversado e apenas pedia que rezassem pela família real. Porém, em 1996, ela deu uma entrevista ao Ladie’s Home Journal que causou todo tipo de problemas. A Madre raramente dava entrevistas. A jornalista Daphne Barak tinha vindo para Calcutá tentando uma e foi enviada para Kalighat como voluntária no dia de Natal. Então ficou frente a frente com a Madre. Na descrição de Barak, ela “acabou de mãos dadas com ela, conversando como duas adolescentes”. A Madre perguntou se as histórias sobre o fim do casamento da Princesa Diana eram verdadeiras.
“Com certeza parecem ser”, Barak respondeu.
Madre Teresa foi citada, como tendo respondido: “Acho que é uma história triste. Ela tem uma alma tão triste. Ela dá tanto amor, mas precisa receber de volta. Sabe de uma coisa? É bom que tenha acabado. De qualquer forma, ninguém estava feliz. [...] O que vai acontecer com os filhos? Espero que fiquem perto dela. São a única coisa que ela tem”.
Essas palavras causaram um grande alvoroço quando apareceram no artigo, pois tanto a imprensa católica quanto a secular entenderam o que parecia ser um endosso de Madre Teresa ao divórcio. Tal declaração parecia contrária a tudo o que ela defendia e, mais importante para ela, aos ensinamentos da Igreja Católica.
Liguei para Calcutá para relatar as consequências na mídia e me pediram que descobrisse se o relato de Barak estava correto. Falei com Myrna Byth, editora-chefe do Ladie’s Home Journal, que me garantiu que a citação estava cem porcento correta, embora tenha se recusado a me mostrar uma gravação da entrevista. A Madre não achava que poderia ter dito tal coisa, mas não conseguia se lembrar. E me pediu que rascunhasse uma declaração que ela editaria e, posteriormente, divulgaria: “Não sei se esse relato da mídia surgiu por causa de um mal-entendido, uma falha de comunicação ou um erro. Desejo deixar claro que nunca aconselhei ninguém a buscar um divórcio”. Ela fez referência à sua “oposição ao divórcio durante toda a vida” e acrescentou: “Meu amor e minhas orações fervorosas estão com a Família Real durante esse momento difícil”. O Washington Post apelidou seu esclarecimento de “retratação real de Madre Teresa”. Cinco meses depois, o divórcio do casal estava concluído.
A última vez que a Princesa Diana e Madre Teresa se encontraram foi no Bronx, em 18 de junho de 1997, menos de três meses antes de suas mortes. Diana tinha seguido em frente com a vida, focando em seus filhos e suas atividades de caridade. Naquele dia, a princesa se encontrou pela manhã com a primeira-dama, Hillary Clinton, na Casa Branca, e depois viajou para Nova York, para se despedir de sua “segunda mãe”, visita que ela planejava ser sua última naquela viagem ao exterior. Quando a visita acabou, Madre saiu de mãos dadas com a princesa até a comitiva que a aguardava. Diana parou para beijar as mãos e a testa da Madre e sentir o calor do abraço da mulher que tinha mudado a direção de sua vida. Pouco depois da visita, a Princesa Diana doou 79 de seus vestidos para um leilão na Christie’s e ordenou que os 3,25 milhões de dólares em receita fossem usados em benefício de pacientes de câncer e de aids.
A última declaração pública de Madre Teresa em vida foi de condolências pela morte trágica de sua amiga: “Ela tinha muita preocupação com os pobres. Era muito ansiosa para fazer algo por eles. É por isso que era tão próxima a mim”.
Ambas tiveram despedidas comoventes, televisionadas globalmente. A “princesa do povo” teve um funeral real na Abadia de Westminster, assistida por um público estimado de 2,5 bilhões de pessoas, com uma performance de Elton John. Para o funeral da Madre, 13 mil convidados de diversas religiões – incluindo a mim e outros membros da delegação dos Estados Unidos – lotaram uma arena coberta de Calcutá. Antes da missa, um milhão de calcutaenses se enfileiraram pelas ruas da cidade para ver o corpo dela passar em procissão na mesma carruagem que tinha transportado o corpo de Mahatma Gandhi, em 1948. Eles tinham ido se despedir de alguém do seu povo.
Antes que a princesa fosse colocada para descansar em seu túmulo, as contas do rosário que uma santa lhe tinha dado foram colocadas em suas mãos.
1. Em tradução livre, Serviços Católicos de Socorro. (N.T.)[ «« ]
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