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Capítulo 13
Dizendo adeus
“Prefiro a insegurança da Divina Providência.”
– Madre Teresa
Em 26 de agosto de 1996, nasceu meu filho Maximilian. Madre havia previsto a data, em que seria seu octogésimo sexto aniversário. Naquele mesmo dia, seu coração falhou e ela precisou ser reanimada. Estava cada vez mais doente, e o coração e pulmões não conseguiam mais acompanhar seu ritmo incansável. Apenas alguns dias após o nascimento de Max, Irmã Priscilla ligou de Calcutá para Sandy McMurtrie para nos dizer que a Madre ainda estava no hospital e enfraquecendo rapidamente. Muito generosa, Mary permitiu que eu a deixasse com duas crianças e um recém-nascido para que eu pudesse me despedir. Encontrei Sandy no aeroporto de Dulles, nos arredores de Washington, e voamos para Calcutá para um último adeus à mulher que nos tinha mostrado a alegria de uma vida vivida pelos outros.
Irmã Priscila nos cumprimentou com uma atualização triste: “Madre não está muito bem hoje. Está de volta ao oxigênio”. Quando chegamos à UTI do Hospital Woodlands, havia uma comoção entre as irmãs do lado de fora do quarto da Madre. Temi pelo pior. Uma das irmãs explicou: “Madre estava deitada em sua cama, de costas, apontando para o teto. Não podia falar por causa da máscara de oxigênio. Estamos todas nos perguntando para o que ela estava apontando. Era uma luz apagada? Estava tendo uma visão? E Madre viu que estávamos confusas, tirou a máscara para o lado por um momento e disse ‘Estou indo para casa. Estou indo para casa, para Deus’”.
Entramos e fomos até a cabeceira da cama da Madre. Ela estava deitada, vestindo uma camisola quadriculada azul do hospital, com uma touca branca cobrindo o cabelo e a testa. Emaranhados ao seu lado, havia tubos intravenosos e eletrodos, e ela estava pálida por causa dos dez dias na UTI. Agarrava firmemente o rosário.
Sandy a cumprimentou primeiro e a Madre ficou feliz e surpresa ao vê-la. Eu usava uma máscara cirúrgica e a retirei por um instante para que pudesse me reconhecer. “Ah, vocês vieram até aqui para me ver!”, nos disse. “Estou feliz que tenham vindo.”
Eu estava ansioso para contar minha novidade: “Madre, Mary teve o bebê no dia do seu aniversário, como você falou. Temos nosso terceiro filho”.
Ela respondeu sem um momento de hesitação: “Muito bom. Mas vá para casa! Fique com sua família!”.
Todos os que estavam no quarto riram. Eu tinha acabado de viajar 14.400 quilômetros, e a Madre já estava me mandando embora. Garanti a ela que Mary estava bem – minha mãe estava com ela – e que ficaria em Calcutá apenas alguns dias. Ela ficou satisfeita. Então levantou a cabeça do travesseiro, estendeu o braço e me abençoou, colocando a mão esquerda em minha cabeça, já que a direita estava imobilizada pelos tubos intravenosos. Beijei sua mão e me despedi.
Nos três dias seguintes, participei da missa particular que era celebrada no quarto da Madre todos os dias, às 6h, simultaneamente à que acontecia na capela do convento. Na semana anterior, a Madre havia pedido (usando caneta e papel, já que ainda estava no respirador) que as irmãs trouxessem a Santa Comunhão para ela, e elas transformaram o quarto em uma capela. Em frente à cama, colocaram um pequeno tabernáculo onde repousava o Santíssimo Sacramento. Católicos acreditam que estar na presença do pão consagrado é estar na presença do próprio Jesus. Ele estava coberto por um véu de renda branco, com uma grande medalha representando o menino Jesus, que mais tarde a Madre me deu para o recém-nascido Max.
Ao lado do tabernáculo, abaixo de um crucifixo simples, dois ícones encostados contra a parede. Eram os favoritos da Madre: imagens de Maria como “Imaculado Coração” e como “Nossa Senhora de Guadalupe”. A cada manhã, na missa, eu me posicionava de modo que pudesse observar sua fervorosa devoção. Ela fixava o olhar nas imagens de Maria ou no tabernáculo. Quando chegava a hora da Santa Comunhão, se esforçava para levantar a cabeça do travesseiro para receber a hóstia, como se estivesse saindo ao encontro de seu Convidado Sagrado.
Em meu último dia, Padre Gary Duckworth, um dos fundadores dos Padres MC, anunciou que celebraria uma missa pela cura dos enfermos. “Você quer dizer, moribundos?”, Madre brincou. “Diga a Ele para não me deixar doente de novo!” No fim da missa, ele administrou à Madre o Sacramento da Unção, o que antes era conhecido como o último dos ritos. Quando voltei à tarde, ela estava muito melhor, sentada numa cadeira, comendo pudim e vestida com um hábito branco, com um rosário no pescoço.
Conversamos sobre Mary e nossos três meninos: James, Joseph e Maximilian (de quatro e dois anos e de oito dias, respectivamente).
“Um deles deveria se tornar sacerdote”, ela me disse.
“Madre, se um deles se tornar sacerdote, você vai à ordenação?”
Todos riram, inclusive a Madre. “Sim”, prometeu. “Estarei lá, seja do céu ou na terra.”
Duas irmãs me contaram que a Madre tinha dito aos médicos que seu “coração pertencia a Deus” e que não queria mais nenhum tratamento médico. Ela disse às irmãs: “Se algo vai me acontecer, que aconteça em casa. Quero morrer naturalmente”. Dois dias mais tarde, ela recebeu alta e retornou para o convento. Estava frágil e era forçada a usar uma cadeira de rodas a maior parte do tempo, mas estava em casa, onde poderia ter alguma privacidade e descanso sem interrupções.
Meu trabalho no ano anterior tinha sido com um grupo de advocacia que havia fundado na Flórida, chamado Envelhecer com Dignidade. Quando terminaram meus anos prestados, tentando administrar a burocracia dos serviços humanos e de saúde na Flórida, eu queria fazer algo que influenciasse o emergente debate nacional sobre suicídio assistido e melhorar os cuidados no fim da vida. Conversei com a Madre sobre como havia aprendido, em Kalighat e na Gift of Peace, que é sempre mais fácil matar alguém do que cuidar. Ela me encorajou a me opor ao suicídio assistido, promovendo cuidados em casas de repouso e, mais ainda, a focar no isolamento e solidão, que é a maldição de tantos idosos pobres e deficientes. Para promover minha nova empreitada, Madre escreveu uma carta aberta de apoio, pedindo às pessoas que ajudassem a “defender e proteger a vida, o mais belo presente de Deus, e a levar amor e compaixão aos idosos pobres”. “Existem entre nós”, escreveu, “tantos pobres e idosos necessitando de compreensão, respeito, amor e compaixão, em especial os doentes, deficientes, desamparados ou sozinhos. Minha oração é que Deus possa abençoar Jim e seu belo trabalho.”
Com a consultoria de médicos geriatras, enfermeiras e capelães, criei um documento de planejamento antecipado de cuidados, chamado Cinco Desejos. Foi inspirado em minhas experiências na Gift of Peace e em Kalighat e no que a Madre me ensinara sobre os moribundos. Como a maioria dos documentos de planejamento de fim de vida, ele inclui um testamento e uma procuração duradoura sobre assistência médica para tratar das questões legais mais relevantes. Mas também abrange a gestão da dor, conforto, dignidade e perdão. Cinco Desejos pede às pessoas que considerem assuntos como “O que quero que meus entes queridos saibam” e “Como eu quero ser lembrado”. Reconhece que morrer não é apenas um momento clínico, mas um momento profundamente emocional e espiritual – uma verdade a qual a Madre dedicou boa parte da vida. Vê-la envelhecer fundamentou tudo o que fiz na Envelhecer com Dignidade ao longo dos últimos 25 anos.
A Madre tinha sua bússola – sua fé pueril em Deus – e a certeza de que estava em uma jornada ininterrupta de Deus de volta para Deus. Ela preparou a despedida definitiva de sua amada comunidade MC e seu alegre retorno para a casa do Pai por meio de uma vida de oração rigorosa e disciplinada que a manteve em um perpétuo estado de prontidão.
Para Madre Teresa, ação e oração eram inseparáveis. O trabalho que fez, o sofrimento físico e a sensação de abandono de Deus que enfrentou, a alegria que exalava – tudo era parte da permanência com o Senhor. Ela experimentou seu próprio anseio por Deus como uma profunda sensação de sede, assim como Ele tinha sede por almas. Tenho sede – as palavras de Jesus para ela naquele trem para Darjeeling – estava inscrito na lateral do crucifixo de cada capela das Missionárias da Caridade pelo mundo como um chamado à oração e ao serviço para suas irmãs. A sede de Cristo era dela, para saciar e experimentar. O autor do Salmo 41 descreveu esse anseio:
Como a corça anseia pelas águas vivas,
assim minha alma suspira por vós, ó meu Deus.
Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo.
Quando contemplarei a face de Deus?
Em casa, no convento, em setembro de 1996, lentamente a Madre recobrou as forças e retornou às suas rotinas diárias. Dez semanas mais tarde, estava de volta à UTI em Woodlands. Um surto de malária e febre alta desencadeou outra rodada de sintomas cardíacos preocupantes. Em 22 de novembro, ela sofreu um infarto leve e foi transferida para o Centro de Pesquisa BM Birla Heart. Lá, os médicos reprogramaram o marca-passo, mas o corpo da Madre estava fraco demais para eles tratarem adequadamente de sua arritmia. Ela também foi submetida a uma angioplastia para remover bloqueios em duas artérias e começou a receber terapia regular de BiPAP para os pulmões altamente comprometidos – BiPAPs são pequenos respiradores que empurram ar para dentro dos pulmões enquanto o paciente usa uma máscara. A Madre aceitou esses tratamentos, mas não gostou. Seus rins também estavam começando a falhar. O corpo da Madre estava desmoronando.
O arcebispo de Calcutá, Henry D’Souza, estava convencido de que seu espírito também estava em aflição. A Madre sofreu de agitação, desorientação e insônia durante essas semanas de hospitalização. Às vezes ela se debatia na cama, tentando tirar os fios do monitor cardíaco presos em seu corpo. Arcebispo D’Souza temia que ela “estivesse sob ataque do maligno” e pediu ao Padre Rosario Stroscio, um sacerdote salesiano, que rezasse por ela para que fosse libertada de qualquer ataque diabólico. Católicos chamam isso de exorcismo, embora não seja tão dramático quanto o que se vê nos filmes. As orações dele pareceram acalmar sua agitação.
Apenas algumas pessoas tomaram ciência do ocorrido. Ainda assim, em 2001, a CNN publicou a notícia “Arcebispo: Madre Teresa sofreu exorcismo” e deu a entender que ela tinha sido vítima de possessão demoníaca. O mal-entendido entre a mídia secular era compreensível. Se alguém acha que é tão provável existir um duende quanto existe o diabo, a distinção entre estar atormentado e estar possuído não parece ser importante. Mas o relato causou alvoroço. Arcebispo D’Souza e Padre Stroscio tiveram que esclarecer que Madre Teresa não “estava possuída por demônios” e nunca esteve. Ao mesmo tempo, Irmã Nirmala divulgou uma declaração caracteristicamente comedida: “Não temos certeza se ela estava realmente sendo perturbada pelo maligno ou por sua condição física e psicológica, pois estava muito doente e sob efeitos de medicação pesada; e também se forças diabólicas estavam tentando impedir o tratamento médico da Madre”, declarou. “O diabo não pode possuir quem está cheio de Deus e O ama e a todos os Seus filhos.”
A Madre certamente acreditava na presença ativa do diabo no mundo. Ela tinha visto o maligno na mortificação de seus amados pobres. Em 1949, enquanto começava por conta própria, escreveu em seu diário como “o tentador” estava tentando enfraquecer sua decisão de fundar as Missionárias da Caridade. Certa vez me disse que estava incomodada com o que ouvira sobre o filme de Martin Scorsese, A última tentação de Cristo, de 1988. “Tão maligno esse filme”, ela disse, mas o “mal”, prosseguiu, “é um teste para um amor maior.” Inquestionavelmente, a Madre foi testada ao longo de sua vida. Seu armamento era fé, amor e serviço. Se seu comportamento alarmante no hospital foi causado por reações aos remédios, baixos níveis de oxigênio ou tormentos do diabo – ou alguma combinação dos três –, ele permanece envolto em mistério.
Foi durante a estadia da Madre no Birla Center que cometi o maior erro em todos os meus anos representando ela e as MCs. Concordei com uma entrevista para o jornal Independent, de Londres. O repórter era casado com a dama de honra de minha esposa, então achei que podia confiar nele e quis ajudar. Falamos sobre a saúde da Madre e compartilhei minha opinião pessoal de que a Madre estava preparada para morrer e que alguns dos tratamentos médicos que estava recebendo eram contra sua vontade.
A manchete no dia seguinte foi: “Madre Teresa implora a seus amigos: deixem-me morrer”. Fui citado extensivamente. A história era imprecisa; existe uma nítida distinção entre estar preparado para morrer e querer morrer. No entanto, minhas palavras perturbaram algumas irmãs. Pedi desculpas à Madre, às irmãs e aos bons médicos que cuidavam da Madre pelo meu mau julgamento em falar sobre a questão. Felizmente, estavam focados na vigília que mantinham à sua cabeceira e rapidamente superaram sua decepção comigo. Ainda estou zangado comigo mesmo pelo péssimo julgamento que demonstrei.
Era quase Natal, e, depois de quatro semanas de internação, Madre já estava farta da vida no hospital. “Arrume tudo. Vou para casa”, disse à Irmã Nirmala Maria, uma MC irlandesa e sua enfermeira. Em 19 de dezembro, foi exatamente o que fizeram.
No convento, a Madre necessitaria de enfermagem 24 horas por dia, então as MCs chamaram Irmã Roni. Freira beneditina americana, Irmã Veronica Daniels tinha cuidado da Madre intermitentemente, tanto nos Estados Unidos quanto em Calcutá por uma década. Quando se apresentou pela primeira vez como Roni, a Madre olhou de esguelha e perguntou incrédula: “Seu nome é Veronica e você deixa que a chamem de Roni?”. Como todos nós, Irmã Roni amava a Madre.
Em dezembro de 1996, ela imediatamente voou para Calcutá, levando consigo um equipamento de respiração BiPAP para o convento. Naquela época, era algo impossível de conseguir na Índia. “Eu tinha uma mesa comprida como escrivaninha do lado de fora do quarto dela e, à noite, as irmãs colocavam um colchão sobre ela para eu dormir”, relembra Irmã Roni. “Eu ficava com a Madre desde a hora em que ela acordava até a hora em que ia para a cama. Estava muito frágil, muito humana, adorável.” Madre estava feliz em passar o Natal na companhia daqueles que mais amava: sua família MC. Reuniu forças para, da varanda do segundo andar, dar uma bênção natalina às suas irmãs e convidados reunidos no grande pátio abaixo. Irmã Roni ficou ao lado da freira doente para o caso de ela desabar, mas a fala da Madre, cheia de inspiração e referências das escrituras, transcorreu sem problemas.
Roni Daniels ficou até fevereiro. Madre estava estável, ainda que um pouco. A atenção total das MCs e da Madre estava nos preparativos para o próximo Capítulo Geral, uma reunião de todas as irmãs que acontece a cada seis anos para eleger uma superiora-geral. Em 1991, as irmãs não chegaram a um consenso e, relutantemente, a Madre serviu mais um período. Para sua alegria, em 16 de março de 1997, Irmã Nirmala foi escolhida para substituí-la. A Madre decidiu que deveria apresentar pessoalmente sua sucessora ao seu amigo Papa João Paulo II, em Roma. A viagem de maio acrescentaria o benefício de afastar a Madre do calor brutal que precede a estação das chuvas em Calcutá. (Apenas recentemente ela tinha concordado em colocar um ventilador em seu quarto.)
Quando chegou o dia da viagem, Madre estava com um forte resfriado. Dra. Patricia Aubanel – uma cardiologista de Tijuana que tratou da Madre pelo mundo – estava preocupada, achando que a viagem era imprudente, pois o coração e os pulmões da Madre pareciam disputar qual falharia primeiro. Irmã Gertrude, a segunda mulher a se juntar às MCs e médica, também desaprovou a ideia. Mas a Madre foi inflexível, e seu voto era o único que importava. As médicas se conformaram com a decisão e embarcaram no avião com medicamentos, oxigênio e uma série de equipamentos.
Obviamente, perto do fim do voo, a saúde da Madre havia se deteriorado rapidamente. Teve acessos de tosse. Vomitou. Teve dificuldades para respirar, pois os pulmões começavam a falhar, e as médicas administraram oxigênio. Miraculosamente, quando o avião aterrissou em Roma, a Madre estava recuperada o suficiente para andar parte do aeroporto, acenando para os passantes. O sonho de passar o bastão em Roma aparentemente a manteve viva durante tudo isso. Em junho, Madre Teresa apresentou Irmã Nirmala ao Papa João Paulo II em uma audiência privada. A Madre ficou muito feliz em poder apresentar formalmente sua sucessora ao Santo Padre. Ele perguntou se agora ela se aposentaria. Os três riram.
A Madre havia decidido prosseguir para cumprir alguns compromissos finais nos Estados Unidos. Poucos em sua comitiva concordaram com a decisão, mas nem mesmo um telefonema do Cardeal O’Connor, de Nova York, pôde dissuadi-la. Logo após chegar a Nova York, ela foi de ambulância a um ortopedista, que lhe ministrou uma dose de injeção epidural para aliviar as dores nas costas e aumentar sua mobilidade. Sob fortes objeções da dra. Aubanel e de Irmã Gertrude, a Madre tomou um avião para Washington naquela noite, com um cilindro de oxigênio no assento ao lado, para o caso de uma emergência.
Em 5 de junho, ela foi com Sandy McMurtrie e algumas irmãs ao Capitólio americano para uma cerimônia na Rotunda, onde o presidente da Câmara, Newt Gingrich, e o presidente pro tempore do Senado, Strom Thurmond, a presentearam com a Medalha de Ouro do Congresso, a mais prestigiada condecoração civil. Ela fez breves comentários à assembleia de congressistas, agradecendo a honraria. Foi seu último discurso público.
Não fui à cerimônia, mas Mary, as crianças e eu passamos um tempo com a Madre na Gift of Peace nos três dias seguintes. Ela raramente ficava longe de sua cadeira de rodas. O alívio que a epidural lhe dera estava passando, e a dor implacável e a osteoporose avançada formavam uma devastadora combinação. Ainda assim, ela sorriu e brincou com as crianças, como tinha feito em suas visitas anteriores. Mary perguntou: “Como consegue ser tão alegre sentindo tanta dor?”. Madre respondeu: “Eu ofereço tudo”.
Para seu retorno a Nova York, Sandy providenciou um avião particular, pois a Madre não podia permanecer sentada mais do que alguns minutos de cada vez. Madre foi embarcada no avião em uma maca, embora tenha conseguido descer a escada para cumprimentar as irmãs que a esperavam em Nova York. Diferentemente das idas anteriores ao Bronx, ela teve poucos compromissos. Tirando a visita de despedida, em 18 de junho, da Princesa Diana, a Madre, basicamente, descansou.
Em 24 de junho, tive minha última reunião com ela. Precisávamos discutir a questão do “NunBun” e também de um filme sobre sua vida que estava em processo de produção pela Hallmark. Quando foi levada para o salão do convento, esticou as mãos para me cumprimentar como sempre fazia, segurando meu rosto com as duas mãos e dizendo “Deus te abençoe”. Mas eu estava com uma conjuntivite forte, então me afastei. “Não, Madre, não faça. Estou com o olho vermelho e é muito contagioso.” Ela agarrou minha face sem hesitar. “Lepra, aids, eu não pego.” Eu devia saber que a mulher que passou décadas cuidando de leprosos e segurando pacientes com tuberculose enquanto morriam jamais recuaria diante de um careca com os olhos vermelhos.
Sabendo que poderia ser minha última oportunidade, agradeci a ela por ser uma ponte entre os ricos e os pobres. Ela ficou em silêncio por um momento e então disse com certa resignação: “Ainda assim, tão poucos vêm e trabalham com os pobres. O que acontecerá com os pobres? Quem vai cuidar deles?”. E depois acrescentou: “Logo estarei indo para o outro lado”.
Nossa reunião se estendeu por duas horas e, por fim, uma das irmãs colocou as mãos no apoio da cadeira de rodas da Madre, um sinal para mim de que a reunião tinha acabado. Perguntei a Madre se poderia ficar mais um pouquinho. Minha família tinha ido comigo, pois sabíamos que seria sua última viagem aos Estados Unidos. “Madre”, falei, “antes que vá embora, Mary e as crianças estão lá embaixo no pátio. Elas podem subir e receber sua bênção?”
Ao ouvir a palavra “crianças”, ela se levantou da cadeira de rodas e olhou animada pela janela, na direção de onde estavam brincando. “Onde estão as crianças?”, perguntou. Irmã Nirmala foi chamá-los, e Mary e os meninos subiram imediatamente. Ela deu a todos eles Medalhas Milagrosas e segurou cada um pela face em um último olhar de amor. Mary e eu beijamos suas mãos e agradecemos muito.
Depois que abençoou cada um de nós e começamos a descer a escada, ela nos chamou de volta. Tinha um presente: a seu pedido, Irmã Nirmala tinha retirado a representação da Sagrada Família em cerâmica que estava pendurada no quarto da Madre. Ela nos deu para pendurarmos em nosso lar.
Ao longo dos anos, tenho pensado muitas vezes na expressão da Madre quando olhou pela janela à procura de meus filhos. Estava cheia de alegria e paz de uma vida vivida pelos outros. Ela orava “Jesus, manso e humilde de coração, me dê um coração igual ao Teu”, e sua oração tinha sido atendida.
A caminho de Calcutá, Madre Teresa parou uma última vez em Roma, onde viu o Santo Padre duas vezes. A primeira visita aconteceu na Missa Papal que ele ministrava na Basílica de São Pedro. Aconteceu, apropriadamente para o papa e a missionária, na festa de São Pedro e São Paulo. O Santo Padre fez um desvio de sua rota processional para ir em direção à Madre e abraçá-la. Ela estava na cadeira de rodas, mas se levantou quando ele se aproximou. As mãos dele tremiam levemente devido à doença de Parkinson que apressaria sua morte, oito anos mais tarde. O vínculo espiritual e a graciosa afeição deles eram lindamente humanos, bem como profundamente sagrados, e a foto deles se abraçando demonstrava inequivocamente a ternura e amizade entre esses dois futuros santos.
Seu segundo e último encontro ocorreu cerca de duas semanas depois, no escritório particular do Santo Padre. Irmã Nirmala e Irmã Nirmala Maria a acompanharam. “Me empurrem!”, a Madre disse brincando enquanto deixavam a sala de espera ornamentada. Madre estava posicionada de frente para João Paulo. Após uma breve troca de gentilezas, o Santo Padre sentou-se e olhou para a Madre. Ele acenou com a cabeça de modo consciente e disse simplesmente: “Tenho sede”.
O Papa realmente a entendia como ninguém. Ele sabia que essas palavras de Jesus na cruz tinham sido a inspiração teológica para tudo o que Madre Teresa tinha feito nos quase cinquenta anos desde que deixara os confortáveis confins do claustro de Loreto. Sabia que ela não tinha feito trabalho social nas ruas de Calcutá. Suas obras eram, como ela frequentemente dizia, sua forma “de saciar a sede de Cristo por amor e almas”.
Era hora de a Madre se despedir do pastor que parecia ser sua alma gêmea na terra. Ela se inclinou para beijar o anel papal, e ele se inclinou para abraçá-la. Mais tarde, ela perguntou à Irmã Nirmala Maria: “Ele beijou minha cabeça?” – e ficou encantada ao saber que ele a tinha beijado. De todas as honrarias e reconhecimentos que recebera na vida, nenhum tinha significado maior para ela do que o fato de o sucessor de São Pedro se importar tanto com ela, pessoalmente.
Quando chegou a Calcutá, em 22 de julho, foi recebida no aeroporto por um grupo de irmãs que lhe eram mais próximas, assim como seu médico pessoal de longa data, dr. Alfred Woodward. Ela o cumprimentou dizendo: “Agora, meu trabalho está feito”.
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