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Capítulo 9
Uma cristã alegre
“O milagre não é fazermos esse trabalho, mas estarmos alegres em fazê-lo.”
– Madre Teresa
Madre Teresa achava que “alegria é a rede com a qual capturamos almas”. Ela sabia que uma fé baseada em medo, vergonha ou pecado não tem alegria. Religião não deveria ser um veículo para dar vazão à raiva, para julgar os outros e para nutrir justiça própria. Muitos cristãos, ela sabia, olhavam com desprezo para seus semelhantes, como se estivessem dizendo: “Estou certo e você está errado. Conheço a verdade e você não. Vou para o céu e você não vai”.
Ninguém pode duvidar da seriedade das crenças da Madre. Ela sabia muito bem que havia um final feliz em nossos dias terrenos e que a promessa divina de vida eterna era confiável. Mas não era uma cristã austera. Seu sorriso era leve. E amava rir, quase sempre de si mesma. A Madre sabia a importância do riso em meio ao sofrimento. Momentos inesperados de alegria, para ela, eram lembretes de que a fidelidade de Deus tinha a última palavra, não a nossa própria imperfeição.
São Paulo escreveu: Alegrai-vos com os que se alegram; chorai com os que choram. Vivei em boa harmonia uns com os outros. Não vos deixeis levar pelo gosto das grandezas; afeiçoai-vos com as coisas modestas. Não sejais sábios aos vossos próprios olhos. Essa era a Madre. Ela não deixou que a devastadora pobreza e miséria implacável em Calcutá – ou em qualquer outro lugar onde abriu uma missão – a privasse de sua alegria do Evangelho. Sua fé inabalável lhe dizia que o sofrimento não tinha a palavra final. E seu belo coração humano sabia que ela e suas irmãs precisavam rir e se divertir como parte de uma vida equilibrada. Sem tais momentos de alegria e liberação, as dificuldades que enfrentavam provavelmente as teriam oprimido.
Ela era cheia de piadas que divertiam seus amigos e aliviavam a carga de suas irmãs. Quando uma amiga lhe disse que não poderia buscá-la porque estava com febre, a Madre respondeu: “Também tive febre, mas é melhor queimar neste mundo do que no próximo”. Em um posto de fronteira entrando em Gaza, os guardas lhe perguntaram se estava levando alguma arma. Ela respondeu: “Ah, sim... meu livro de orações”. Uma de suas primeiras seguidoras, Irmã Camillus, me contou a história de como a Madre reagiu quando viu uma moça usando uma minissaia. Quando a mulher já não podia mais ouvi-la, Madre disse à uma irmã que fosse comprar um vestido apropriado porque a moça devia ser tão pobre que não podia comprar tecido.
A Madre tinha um dom de saber quando ser séria e quando descontrair. Acho que seu senso de humor amadureceu juntamente com seu relacionamento com Jesus. Ele, também, podia apreciar uma piada na hora certa – afinal, Ele fez Pedro pagar o imposto do templo com uma moeda saída da boca de um peixe.
Da mesma forma, o senso de humor e a humildade da Madre a protegiam, permitindo que ela se mantivesse uma espectadora da própria fama. Quando o livro Algo de belo para Deus, de Malcolm Muggeridge, foi publicado em 1971, ele e a Madre deram, juntos, uma série de entrevistas para a TV e a imprensa. No carro, entre um evento e outro, Muggeridge estava folheando o New York Times quando ela viu um anúncio do livro mostrando uma grande foto sua. Então ela comentou ironicamente: “Olha ela aí”.
Ela se divertia com a própria reputação de santidade. Sandy McMurtrie estava, certa vez, em um carro com Madre Teresa e Irmã Priscilla, uma das conselheiras em quem a Madre mais confiava, quando a discussão começou a incomodar Irmã Priscilla. A Madre deu um tapinha em Sandy e disse: “Viver com os santos no céu é paz e glória; viver com um santo na terra é outra história”. A Madre riu muito de sua própria piada. Irmã Priscilla não achou graça.
Certa vez, estávamos cruzando a fronteira para os Estados Unidos, no caminho de Tijuana para o aeroporto Brown Field, em San Diego, onde a Madre estava agendada para viajar em um pequeno avião. Após ver a Madre pela janela e olhar seu passaporte diplomático indiano, a funcionária da imigração colocou um cartão vermelho sob o meu limpador de para-brisa e ordenou uma “segunda inspeção”. Pessoas suspeitas eram levadas para essa área restrita, onde ficavam detidas temporariamente enquanto seus veículos eram inspecionados em busca de coisas ilegais. Eu fiquei pasmo. Será que ela achava que Madre Teresa estava levando contrabando para a América? Jan Petrie, que viajava frequentemente com a Madre, brincou: “Os soviéticos tratam a Madre melhor do que os americanos”.
Eu estava ficando cada vez mais irritado à medida que os agentes antidrogas começaram a inspecionar nossa van. Morto de vergonha por meu próprio país estar tratando a Madre como um suspeito criminoso, invadi o escritório do supervisor e informei em voz alta ao funcionário responsável que sua equipe tinha enviado Madre Teresa de Calcutá para uma inspeção secundária. Ele empalideceu, pulou da mesa e correu para a área onde ela estava detida. A essa altura, a Madre estava do lado de fora da van, distribuindo medalhas consagradas para a multidão de americanos e mexicanos que a cercava. O supervisor pediu muitas desculpas e nos liberou. Em meio a tudo isso, a Madre parecia estar achando graça, e não ofendida pelo incidente. Ela simplesmente deu de ombros e disse: “Deus devia querer que eu encontrasse alguém lá”.
Com a Madre, havia um momento para ser séria e um momento para rir. Em 1989, ela foi a Phoenix para uma reunião de oração com 15 mil pessoas, da qual participou a governadora do Arizona, Rose Mofford. Eu devia pegar a Madre em seu retorno para Tijuana no dia seguinte, então telefonei para o convento naquela noite para obter as informações sobre seu voo. Para minha surpresa, a própria Madre atendeu ao telefone. Quando perguntei como tinha sido o evento, ela disse: “Acabamos de chegar. Tinha muita gente lá para uma hora de oração. Pedi à senhora do governo, na frente de todas aquelas pessoas, que me desse uma casa. Disse que, se não desse, eu teria que levar os pobres para a casa dela”. Então acrescentou com um tom travesso: “A Madre não devia ter feito isso”.
Madre costumava usar piadas para, gentilmente, cutucar pessoas a fazerem o que ela queria. Irmã Nirmala lembrou-se de um desses momentos. Ela liderou a primeira expedição das Missionárias da Caridade fora da Índia, uma missão para a Venezuela, em 1965. “Na Venezuela, motoristas eram muito caros”, relembra. “Madre me escreveu: ‘Quero que você aprenda a dirigir’. Fiquei apavorada. Achava que não seria capaz de controlar o carro. Ele iria rodar de um lado para o outro e causar um acidente. É que alguns dias antes, pela primeira vez, eu tinha me sentado atrás do volante com o padre de nossa paróquia. Carro grande, e, com nosso padre ao lado, joguei o carro para fora da estrada e o arrastei contra um prédio”.
Apavorada por essa experiência, Irmã Nirmala escreveu à Madre implorando para ser dispensada de aprender a dirigir. “A Madre respondeu imediatamente, escrevendo de Calcutá: ‘Irmã, Nossa Senhora conduziu um jumento para levar Jesus. Quero que você dirija um carro para levar Jesus aos mais pobres’. Aquilo foi o suficiente. Aprendi a dirigir”, Nirmala contou, rindo da lembrança. Ela também me contou de uma vez que levou Madre Teresa de carro a um piquenique na costa caribenha e da tarde alegre que as irmãs tiveram. “Lá, Madre relaxou conosco e jogamos um jogo de tabuleiro, Ludo. E ela riu muito.”
Madre Teresa podia ser absolutamente brincalhona às vezes com suas irmãs. Durante uma celebração de aniversário de uma das freiras, o sorvete de chocolate estava tão congelado que era impossível servi-lo. Madre, a essa altura já com oitenta anos, disse a uma das irmãs para ir buscar um martelo. Para deleite das irmãs, ela martelou o sorvete bem ali, sobre a mesa de jantar comunitária em Calcutá, cortando porções de sorvete para as irmãs tomarem.
Irmã Marelda, uma irmã MC que conheci em Calcutá em 2017, me contou uma história de anos antes. Certo dia, quando ela estava limpando o escritório da sede enquanto a Madre trabalhava, chegou uma grande caixa. Dentro, havia uma estátua de Madre Teresa sentada, numa postura de oração meditativa. A Madre tirou a estátua da caixa e deu vários tapas nela, dizendo: “Acorda! Acorda! Por que está dormindo?”. Depois, colocou a estátua de volta na caixa e a guardou sob uma escada, onde permaneceu até depois de sua morte. (A estátua, por fim, foi exposta na capela, no lugar onde Madre costumava sentar-se.)
Ela podia ser bem marota com suas irmãs. Quando estava hospitalizada na Califórnia, em 1991, admiradores lhe enviaram uma série de presentes de melhoras. Com seu pneumologista, dr. Kline, e algumas irmãs no quarto, ela abriu uma caixa em que havia uma camisola de babados. Levantou a lingerie com um lápis, dizendo: “Olha, que linda!”. As irmãs e o médico riram. Quando encontrou duas peças de roupas íntimas combinando no fundo da caixa, exclamou: “Ah, e tem mais!”. Muitas risadas podiam ser ouvidas pelo corredor.
Eu mesmo testemunhei sua brincadeira se tornar involuntariamente metafórica. Estávamos nos arredores de Tijuana, procurando um lugar em potencial para um novo seminário para os Padres MC, e nos reunimos para uma oração na propriedade. Padre Joseph rezava em voz alta, quando um filhote de cascavel deslizou por trás da Madre. Não quis interromper a oração, então decidi não dizer nada, a menos que a cascavel se aproximasse. Assim que Padre Joseph terminou, eu disse com firmeza: “Madre, por favor, não se vire. Ande para a frente. Tem uma cascavel bem atrás de você”. Em vez disso, ela se virou, viu a cascavel e então se abaixou e balançou o dedo para ela. “Ah, veja esses olhos! Tão grandes! Uau!” Quem dera Eva tivesse feito o mesmo!
Seu gerenciamento sensato e responsável de situações grandes e pequenas estava entrelaçado com sua total confiança em Deus. Costumava orar antecipadamente dando graças por algo que estava prestes a pedir à divina providência. Às vezes, se sua oração não fosse respondida de imediato, ela parava e dizia às irmãs: “Bem, não queremos ir mais rápido do que Jesus”. E, se seu pedido não fosse atendido, comentava: “Se Jesus não quer, então não queremos”.
Quando os problemas eram realmente insolúveis, ela sabia como usar o humor para aliviar a ansiedade. Madre Teresa passou seis semanas em Amã, na Jordânia, no fim do verão de 1970, para ajudar a estabelecer uma nova missão de atendimento a crianças deficientes. Quase imediatamente após sua partida, as batalhas do Setembro Negro eclodiram entre o exército jordaniano e a OLP. As irmãs confundiram os sons de bombas e tiros com fogos de artifício, achando que seriam uma celebração local, como o festival de luzes Hindi Diwali. Em uma semana, a luta chegou tão perto de seu pequeno convento que as explosões sacudiram as paredes. Uma casa, numa montanha próxima, foi bombardeada e completamente destruída.
Um dia, um grupo de homens armados vasculharam o convento procurando inimigos e munição. Eles logo foram embora, mas as mulheres ficaram abaladas. A luta se aproximou e as janelas das paredes externas do prédio foram estilhaçadas pelas explosões da artilharia pesada. As irmãs e o pequeno grupo de crianças abrigadas se encolheram nos corredores internos. À noite, helicópteros voavam pela vizinhança procurando combatentes. Foi um momento angustiante para as irmãs e seus vizinhos.
Quando as freiras finalmente conseguiram chegar a um telefone, ligaram para Madre Teresa. “Me falaram sobre a violência e queriam saber se deveriam ficar. As ouvi e conversamos sobre o assunto”, contou mais tarde. “Estavam dispostas a permanecer lá”, e então ela disse: “Me liguem quando estiverem mortas”. Foi o tipo de momento de leviandade que só poderia ter vindo dela. As irmãs riram. Apenas ouvir a voz da Madre era toda a segurança de que precisavam, e a brincadeira as ajudou a relaxar. As irmãs voltaram para rezar e, logo depois disso, quando a luta cessou, foram fundamentais em levar alimentos e medicamentos para os doentes e feridos.
Jesus era descontraído com Seus seguidores, mesmo em tempos de dificuldades. Três dias após a crucificação, Ele abordou dois seguidores angustiados na estrada para Emaús, que não o reconheceram, e perguntou sobre o que estavam discutindo. Eles mal podiam acreditar que alguém não soubesse o que havia acontecido em Jerusalém, e Jesus, inocentemente, perguntou, “Que coisas?”, como se tivesse estado em outro lugar. O toque gentil de Jesus em responder à ansiedade ou ao desânimo daqueles próximos a Ele era um modelo para Madre Teresa ao conduzir suas irmãs por meio de suas próprias provações.
Sua prontidão para rir aumentou com a idade. Ela parecia perceber que, à medida que você envelhece, é importante não se levar muito a sério. Esse princípio foi testado no último ano de sua vida graças a uma história pouco lisonjeira da mídia internacional: o fiasco pão de canela “NunBun”.
Soube da história em janeiro de 1997, quando as Missionárias da Caridade em Calcutá me enviaram um fax com a primeira página de um jornal local que trazia uma história com o título “Pão de Canela é um milagre?”. Um funcionário da cafeteria Bongo Java, em Nashville, Tennessee, sem querer, tinha assado um pão de canela que tinha “uma semelhança impressionante” com Madre Teresa. O dono da loja, Bob Bernstein, aproveitou a oportunidade para fazer publicidade, e a Bongo Java começou a vender camisetas do “Pão de Canela milagroso”, marcadores de livros “Viciado em pãozinho” e cartões de oração, todos com o apelido de “Imaculado Confeito”. Eles também tinham o “Café Mistura Especial Madre Teresa” e canecas de café com a imagem do pão de canela, o NunBun. O original tinha sido envernizado para preservação, colocado numa vitrine especial de vidro e enviado em turnê pelas lojas da região. Jay Leno fez piada sobre o NunBun no The Tonight Show, e David Letterman fez o mesmo no Late Night.
Tudo isso foi divertido, mas, como advogado, também representava uma invasão da privacidade do meu cliente. Não acreditava que Bongo Java tivesse o direito de se apropriar da imagem de Madre Teresa para fins comerciais e, julgando pela atenção da mídia que o NunBun estava atraindo, estava claro que os proprietários tinham a intenção de lucrar. Escrevi uma carta de desistência, para a qual a resposta foi a oferta de uma doação para as MCs. Depois de relatar a Calcutá que Bernstein não pararia de vender produtos NunBun, Madre Teresa escreveu para ele. Começou: “Estou escrevendo para pedir que pare de vender produtos com a minha imagem. Sempre recusei permissão para o uso de minha imagem em empreendimentos comerciais”. Depois de explicar que não aceitaria qualquer porção das vendas de produtos NunBun, ela concluiu: “Meu advogado, sr. Jim Towey, escreveu pedindo que parasse. E agora estou, pessoalmente, pedindo que pare. Sei que você não fez nada de má vontade e, portanto, confio que entenderá e respeitará a minha vontade”.
A carta de Madre Teresa mal tinha chegado às mãos de Bernstein e já tinha sido vazada para o jornal local de Nashville, que a reproduziu na íntegra: “Pare de vender ‘NunBun,’ pede Madre Teresa”. A Associated Press publicou uma história com o título “Madre Teresa acha ‘NunBun’ de mau gosto”. O Washington Post não foi diferente: “Espectro NunBun de Madre Teresa Lucra”. A Time publicou uma história com o título “Madre Teresa endurece”, que terminava com a ameaça enigmática: “O advogado de Madre Teresa, Jim Towey, pretende fazer algo a respeito”.
No final, contudo, eu não fiz. Uma ação legal apenas atrairia mais atenção à história e aumentaria as receitas da Bongo Java. Achei melhor fechar um acordo, permitindo que a loja vendesse alguns itens no balcão, desde que não usassem o nome da Madre ou comercializassem o “Imaculado Confeito” – e sem mais anúncios na internet.
Tive que apresentar esse acordo para a Madre durante sua visita a Nova York, em junho de 1997, mas temia trazer o assunto à tona. Como eu iria lembrá-la de que as pessoas achavam que um pãozinho de canela se parecia com ela? Sabia que a Madre não era nem um pouco vaidosa, mas que mulher quer ouvir que o mundo acha que ela se parece com uma massa folhada?
Depois de iniciar nossa reunião com uma série de pendências legais e empresariais, voltei-me para a questão do NunBun. “Madre, detesto trazer esse assunto à tona, mas passei os últimos cinco meses tentando resolver a questão do uso indevido de sua imagem.” Ela estava sentada em sua cadeira de rodas, e Irmã Nirmala, recém-eleita sua sucessora, estava de pé à sua direita, ligeiramente divertida ao reconhecer o assunto sob discussão.
“Madre, se lembra da cafeteria nos Estados Unidos, para a qual você escreveu uma carta pedindo que parassem de vender camisetas do ‘Pão de Canela milagroso’, que tinha uma imagem de um pão de canela que achavam que parecia com você?” Me encolhi ao dizer essas últimas palavras.
Madre Teresa fazia que sim com a cabeça, em reconhecimento, quando um sorriso se abriu em seu rosto. Então me interrompeu e disse: “Irmã Nirmala agora é a superiora. Peça que coloquem o rosto dela na camiseta”.
Madre faleceu antes de o acordo ser finalizado, então, por fim, o processo não interessava. Sem a Madre, o truque do NunBun não era mais engraçado ou interessante. Deus interveio e resolveu a questão.
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