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Capítulo 8
Um coração humano
“Religiosos não têm motivo para ficarem tristes. Ser mal-humorado é ser orgulhoso, pensar apenas em si mesmo.”
– Madre Teresa
“A santidade não te torna menos humano”, escreveu Papa Francisco em Gaudete et Exsultate, em 2018, “porque é o encontro da tua fragilidade com a força da graça.” Católicos acreditam que a graça se baseia na natureza humana, o que significa que santos se tornam santos não por serem “super-humanos”, mas por serem completamente humanos – ao se permitirem ser “amados e liberados por Deus” e “guiados pelo Santo Espírito”.
Segundo esse entendimento, Madre Teresa foi a mais humana das mulheres. Ela compartilhava a graça de Deus com o mundo por meio de seu tremendo amor maternal e seu exemplo. Ela usou todos os seus talentos para glorificá-Lo e cumprir as tarefas que Ele lhe deu, e pediu perdão por seus erros e fraquezas. Não foi nenhum milagre, e sim sua humanidade e humildade que fizeram Madre Teresa ser tão adorável e excepcional.
Em dezembro de 1987, eu a apresentei à minha mãe, que tinha vindo da Flórida para Washington me fazer uma visita. Minha mãe não se incomodou por eu chamar outra pessoa de “mãe” (uma vez que Madre significa mãe). Madre Teresa abraçou minha mãe e até insistiu para que tirássemos uma foto nós três juntos. Ela queria que minha mãe se sentisse especial. Quando fui viver com os Padres MC, ela mandou que eu escrevesse para minha mãe a cada duas semanas. A Madre era boa em fazer as pessoas sentirem seu amor maternal. Sempre garantia que eu me alimentasse adequadamente. Me dava broncas quando eu esfregava os olhos, dizendo que isso não estava ajudando minhas alergias. E sei que minha família estava em suas orações: uma irmã me contou que, na última visita da Madre a Washington, em 1997, viu uma foto da minha família em seu livro de orações, a única família a receber essa graça.
A Madre colocou todos os seus talentos a serviço de Deus. Sua própria mãe havia incutido nela o amor pelas artes, em particular a música, e a Madre tinha uma voz linda, baixa e melodiosa. Todas as vezes em que estávamos na mesma capela para a missa, eu sempre distinguia seu contralto, imediatamente reconhecível entre as outras vozes e sempre em natural harmonia. Cantar parecia aproximá-la de Deus e de suas irmãs; era um pilar de sua vida comunitária e de adoração. Ela usou isso para acalmar as centenas de alunas escondidas no porão da escola em Entally, em agosto de 1946. As canções bengalis conhecidas tranquilizaram as meninas enquanto a violência assolava a cidade lá fora.
Ela também era uma escritora talentosa. Escreveu os documentos fundacionais das Missionárias da Caridade, bem como dezenas de cartas de instruções que circulavam entre suas irmãs no mundo todo. Seu estilo era sempre simples e suas palavras eram cheias de sabedoria. Expunha naturalmente as escrituras com a visão de um teólogo experiente. Existem milhares de cartas pessoais de Madre Teresa espalhadas pelo mundo – sempre manuscritas, normalmente tarde da noite. O que disse às suas irmãs, a clérigos, amigos e doadores foi rico em discernimento.
No verão de 1988, ela respondeu às minhas frustrações com o trabalho no governo, me lembrando de que é “bom purificar a ‘política’ e fazê-la para a glória de Deus e pelo bem do povo. Se os políticos tiverem isso em mente haverá paz e alegria em cada coração humano”. Suas palavras foram um impulso espiritual, e ainda aprecio essa carta (com três páginas, a mais longa que me escreveu), que é repleta de orientação espiritual assim como detalhes cotidianos da administração das MCs sempre em expansão:
Aprenda a orar o trabalho. Faça isso com Jesus, por Jesus, para Jesus e, em meio a todo o trabalho do governo, faça tudo por Jesus através de Maria. Você deve levar santidade para o centro do governo. Espero poder conhecer o embaixador iugoslavo. Não sei por que esse problema – agora temos quatro casas. Rezo por você – pois tenho certeza de que Jesus quer algo mais de você – para ser Seu amor, Sua presença ali, onde Ele colocou você. Não tenha medo de aceitar uma posição ainda mais alta, na condição de que você seja Seu amor, Sua presença – que eles olhem e vejam apenas Jesus em você. O maior amor que pode demonstrar a mim é que ama Jesus com toda a ternura de seu amor e que mantém seu coração puro.
A antologia organizada pelo Padre Brian Kolodiejchuk, Venha, seja minha luz, reproduz muitas belas cartas da Madre.
Ela era muito inteligente e intelectualmente curiosa. Falava com fluência cinco idiomas: albanês, servo-croata, bengali, híndi e inglês. E era uma poderosa oradora. Qualquer audiência podia ver claramente que era genuína. O estranho é o quanto temia falar em público. Só fez seu primeiro discurso aos cinquenta anos de idade. Em outubro de 1960, ela fez o discurso de abertura em uma reunião do Conselho Nacional de Mulheres Católicas, em Las Vegas. Foi a primeira vez, em mais de trinta anos, que saiu da Índia.
Ela nunca superou sua timidez e o desconforto por estar no centro das atenções. Certa vez, disse a um amigo que, para ela, enfrentar a imprensa “é mais difícil do que dar banho em um leproso”. Mas acabou aceitando a necessidade de tais deveres. Sentia que Deus demandava isso dela e que lhe daria as palavras a serem ditas, e parece que Ele sempre o fez. Como se para provar isso, era sua prática falar sem usar anotações. A única exceção da qual me lembro foi o discurso no Café da Manhã Nacional de Oração, em 1994. Ela estava com 83 anos e a saúde debilitada, e queria ser precisa em suas observações sobre o aborto ao se dirigir aos poderosos da nação.
Madre Teresa era uma defensora do direito à vida. Sentia que ser pró-pobres e pró-vida era a mesma coisa. Durante décadas, alocou crianças indesejadas pelos pais em lares adotivos, e seus orfanatos acolheram crianças com deficiências congênitas e de desenvolvimento, que eram mais difíceis de serem adotadas. Ela também abriu lares para mães solteiras em muitas cidades, incluindo uma que ficava a quinze quilômetros do salão de festas do Hilton, onde falou naquele dia. “Qualquer país que aceita o aborto não está ensinando seu povo a amar, mas a usar a violência para conseguir o que quer”, disse a uma audiência silenciosa. “É por isso que o maior destruidor do amor e da paz é o aborto.”
Mary e eu estávamos lá quando ela fez esses comentários e vimos o presidente Bill Clinton, firmemente pró-escolha, a apenas alguns metros de distância da Madre, tomar pequenos goles de uma xícara de café vazia para ocultar qualquer reação. Somente ela poderia dar tal bronca pública sem causar controvérsias porque não tinha um pingo de malícia. Cada palavra que falou foi dita com amor. O café da manhã foi a primeira vez que se encontrou com os Clintons, e teve uma conversa particular com eles depois do discurso. Quando perguntei mais tarde como tinha sido o encontro, ela apenas disse: “Precisamos rezar pela sra. Clinton”. A Madre, com frequência, comunicava mais mediante o que escolhia não dizer.
Por mais séria que normalmente fosse, seu sorriso, sua marca registrada, sempre estava por perto e ajudava em tais situações. Sua alegria era notável, dada a vida difícil que escolhera. Era fundamental para seu trabalho e missão. Cada irmã Missionária da Caridade fazia um voto de pobreza, castidade, obediência e serviço sincero e gratuito para os mais pobres. Os documentos fundacionais escritos pela Madre enfatizam que é esperado de cada MC viver esses votos alegremente. Me lembro de uma palestra que ela deu em São Francisco, em 1989, para um grupo de moças que estavam às vésperas de fazer seus primeiros votos. A Madre foi chocantemente franca: “Se você não pode ser alegre com os pobres, vá embora agora. Vá para casa”. Ela disse que os pobres tinham problemas suficientes sem um “ajudante” os puxando ainda mais para baixo. Ela imitou uma freira com a cara fechada, cabeça baixa, andando desanimada. Todas as mulheres riram, mas entenderam sua mensagem.
Os pontos fortes da Madre como uma líder a tornavam admirável, mas suas fraquezas a tornavam absolutamente adorável. Todos sabiam que ela era uma formiguinha. Certa vez, olhando o caderno que manteve enquanto estudava com as Irmãs da Missão Médica, em 1948, encontrei receitas manuscritas de brownies, sorvete de chocolate e biscoitos escondidas no final. Durante os primeiros anos da MC, ela compartilhava tais guloseimas apenas em ocasiões especiais, como Natal, Páscoa e alguns dias de festa, cumprindo estritamente seu voto de pobreza e dando um bom exemplo às outras. Foi apenas quando envelheceu que se permitiu esses pequenos prazeres com mais frequência. E suas irmãs a mimavam sempre que podiam.
Ela amava tudo de chocolate – sorvete e balas em especial. Após sua morte, sua amiga Sunita Kumar descobriu chocolates Cadbury escondidos na gaveta da escrivaninha da Madre. Mas ela nunca comia os doces sozinha. Havia um compartilhamento secreto. Certa vez estávamos viajando em um pequeno avião, e, depois de terminar suas orações, ela ofereceu a nós cinco o doce que tinha guardado na bolsa. Ela só comeria se todos nós também comêssemos. Em um passeio noturno de van em Los Angeles, ela distribuiu biscoitos para nós e para si, dois de cada vez – duas vezes. Houve outra vez, no almoço, quando a vi quebrar um biscoito em vários pedaços e saborear cada mordida. Se soubesse que uma irmã gostava de doces, ela lhe daria um pouco. Certa vez ela foi observada brincando com uma irmã: “Tome esse sorvete. Vou tomar conta para que ninguém veja”.
Ela amava presentear. Uma vez me deu sete medalhas abençoadas em Lourdes, dizendo: “Realmente, eu mimo você!”. Ao longo dos anos em que a conheci, a Madre tinha o hábito de dar pertences que lhes eram preciosos, como seu livro pessoal de oração, o crucifixo que usava no pescoço, seu rosário e itens religiosos que amava. Certa vez, quando eu a estava deixando de carro no aeroporto, o rosário da Madre ficou preso no cinto de segurança e o crucifixo caiu. Quando eu estava indo embora, ela me chamou: “Toma, agora é seu”, disse, colocando o crucifixo na minha mão. Destacou pequenas representações das estações da Via Sacra gravadas na parte de trás, que disse que a tinham muitas vezes guiado em suas meditações. Foi uma lembrança incrível. Depois que fui embora, se virou para a amiga que estava viajando com ela e disse: “Foi uma boa coisa o que acabei de fazer”. Ela sentia o brilho e a alegria em dar. Se deleitava em entregar tais bens estimados. Conhecia a influência libertadora do desapego e frequentemente exortava suas irmãs: “Não deixem nada e ninguém separar vocês do amor de Cristo”.
Por mais surpreendente que Madre Teresa fosse para todos nós que a conhecíamos, tinha suas falhas. Não é um serviço à sua memória fingir o oposto; seu sucesso em superar suas falhas a torna ainda mais admirável. Uma mulher de ação, era notoriamente impaciente. “Reuniões têm um efeito terrível e doentio em mim”, escreveu a um padre. “É um verdadeiro sacrifício.” “Às vezes, uso voz rápida e áspera ao corrigir as irmãs. Mesmo com as pessoas de fora tenho sido impaciente algumas vezes”, admitiu em outra carta. Sua impaciência fazia conjunto com uma formidável teimosia. Essas duas características são, talvez, necessidades para o caminho de purificação de um santo.
Elas também podem tê-la ajudado a manter um certo desapego de seus sacrifícios terrenos. Em abril de 1942, ela fez um voto particular a Deus de “não recusar nada a Ele”, e uma das coisas que sacrificou de bom grado por seu trabalho foi seu corpo. Sua experiência de “amar até doer, dar-se até doer” incluiu uma clavícula quebrada, uma perna quebrada, uma fratura no ombro e três costelas fraturadas em Roma, uma fratura exposta no braço esquerdo (incluindo uma protusão do osso) após cair da cama, dezenove pontos na cabeça por causa de um acidente de carro em Darjeeling e dois pontos depois de ter sido mordida por um cachorro em Delhi – seguidos de uma série de injeções dolorosas para prevenir raiva. A Madre sofreu silenciosamente com dúzias de surtos de malária, várias rodadas de pneumonia, tuberculose, cinco infartos, um derrame e duas cirurgias de marca-passo. Precisou ser ressuscitada, pelo menos, em dez ocasiões depois que seu coração parou de bater e foi colocada em respirador mecânico diversas vezes. Ela tinha os pés deformados por causa de uma vida de uso de sandálias doadas que não eram de seu tamanho e dores nas costas incapacitantes que a atormentaram em seus meses finais. Ela acreditava que “o sofrimento pode se tornar um meio para um maior amor e uma maior generosidade” e escolheu livremente uma vida de penitência.
Sua obstinação também potencializava sua eficácia em lidar com problemas mundanos. Por exemplo, quando eu estava em Tijuana, a Madre foi inspecionar as obras quase concluídas do seminário dos Padres MC. O concreto já havia sido despejado nas vigas, as paredes tinham sido erguidas, as janelas estavam instaladas e o telhado fora firmemente colocado no lugar. A única coisa que faltava era a pintura. O arquiteto e alguns executivos da construtora orgulhosamente levaram a Madre e alguns padres para um passeio pelas instalações, enquanto eu a acompanhava. Ficou evidente desde o início que ela não estava satisfeita com o trabalho. “Estas salas estão muito escuras”, disse ao grupo. Eles se desculparam, mas destacaram que as plantas arquitetônicas acordadas por todas as partes tinham sido rigorosamente seguidas e insistiram que nada mais poderia ser feito. Essa não era uma resposta aceitável para a Madre: “Os padres precisarão de mais luz e ar aqui. Tenho certeza de que há alguma coisa que vocês possam fazer”. Eles voltaram para a prancheta e retornaram com uma solução que a satisfez: suspenderam o telhado com um enorme guindaste, acrescentaram uma série de janelas e telas ao longo do topo de todas as paredes, depois baixaram novamente o telhado e o selaram. Quando o seminário foi inaugurado no fim de 1989 e os homens se mudaram, ficaram agradecidos pela persistência da Madre.
Tal teimosia certa vez lhe rendeu uma bronca bem-humorada do Cardeal John O’Connor, arcebispo de Nova York. Ele era um amigo querido e alguém em quem ela confiava. Em maio de 1997, a Madre estava se preparando para embarcar no que esperava ser sua última viagem aos Estados Unidos. A dra. Patricia Aubanel, uma de suas cardiologistas, pediu ao Cardeal O’Connor que tentasse convencê-la de que a viagem era perigosa demais. Ele telefonou para a Madre, em Roma, a primeira parada da viagem, e insistiu para que não continuasse até a América. Educadamente, a Madre aceitou seu conselho e, prontamente, o ignorou.
Ela estava em péssimas condições quando chegou ao convento das MCs no Bronx. As dores nas costas estavam tão incapacitantes que ela ficou confinada à cama. Mas o Cardeal O’Connor estava celebrando a missa na capela do convento na manhã seguinte, e a Madre insistiu em comparecer. Precisou ser levada na cadeira de rodas, e seu amigo começou a homilia debatendo os votos individuais dela como freira. “Madre Teresa, voto de pobreza? Perfeito. Madre Teresa, voto de castidade? Perfeito. Madre Teresa, voto de caridade? Perfeito. Madre Teresa, voto de obediência? Nunca ouvi falar.” As irmãs na capela uivaram de alegria. A própria Madre riu tanto que balançou a cadeira de rodas.
A Madre era uma paciente famosa por não cooperar. Dra. Aubanel me disse, meio brincando: “Ela foi a pior paciente que já tive. Eu não podia lhe dizer nada”. E a Madre ficou ainda menos cooperativa com a idade. Quando estava no hospital em 1989, cinco dias após seu segundo infarto, um médico lhe perguntou se estava comendo. Com um brilho nos olhos, respondeu: “Uma maçã. Uma maçã por dia mantém o médico longe”.
Quando decidia deixar o hospital, não havia como detê-la. Certa vez, saiu de um hospital em Roma com três costelas fraturadas por causa de uma queda, tão determinada que estava em comparecer a uma cerimônia na qual novas irmãs fariam seus votos. Em 1996, ano anterior à sua morte, voltou para o convento-sede em Calcutá, depois de uma estadia na UTI, e recusou terminantemente os pedidos das irmãs de carregá-la na cadeira de rodas escada acima. Em vez disso, ela se levantou e, lentamente, subiu os 26 degraus segurando no corrimão. Quando chegou lá em cima, se virou para as irmãs que estavam nervosas, reunidas ao pé da escada, e levantou o punho, triunfante.
Dr. Lawrence Kline, um pneumologista de San Diego que conheceu a Madre em dezembro de 1990 quando foi internada na Clínica Scripps, com pneumonia, certa vez tentou que Madre Teresa fizesse um exame de pulmão em um equipamento de última geração. Quando ela negou, ele pressionou: “Não acha que Deus a trouxe aqui e que Ele ficaria feliz que você fizesse esse exame?”. Ela respondeu: “Não coloque Deus nisso”.
A Madre podia escapar de quase tudo brincando, em especial quando não estava mais no comando. Irmã Nirmala, uma hindu convertida de uma rica família nepalesa, e a septuagésima quinta mulher a se juntar à Madre, foi eleita sua sucessora em março de 1997. Em poucos meses, a Madre estava acamada com problemas de coração e duas irmãs supervisionavam seus cuidados: Irmã Shanti (médica) e Irmã Luke (a enfermeira que administrava Kalighat). Elas imploraram à Madre que ficasse na sede. Mas ela queria receber Irmã Nirmala no aeroporto de Calcutá, no retorno de sua primeira viagem como superiora-geral das Missionárias da Caridade, e convenceu outra irmã a levá-la escondida de carro. Irmã Luke e Irmã Shanti a seguiram em outro carro, levando equipamentos e suprimentos médicos para o caso de alguma emergência. Quando a Madre viu Irmã Luke e Irmã Shanti no aeroporto, sorriu e disse maliciosamente: “Bem, olá! Que bom ver vocês aqui!”.
Nunca ouvi a Madre falar de maneira depreciativa de ou para alguém. Mas isso não significa que não ficasse zangada de vez em quando, ou que não corrigiria você de modo áspero. Quanto melhor ela conhecia uma pessoa, mais direta era a advertência. Eu estava sentado ao lado da Madre durante uma missa no México assistida por milhares, e, quando o padre convidou os fiéis a oferecerem um sinal de paz, um pequeno grupo de crianças correu em nossa direção. Quando tentei bloqueá-las, a Madre mandou um “Deixe que venham!” e me deu um olhar que deveria ter me transformado numa estátua de sal.
Eventualmente, ela levantava a voz, e diversas irmãs têm histórias para contar. Irmã Nirmala Maria, uma enfermeira de ascendência irlandesa que, como a Madre, começou a vida religiosa com as irmãs Loreto, sabia quão frágil eram as costas da Madre, e uma vez a viu se curvando para fechar as sandálias. Ela implorou: “Por favor, não faça isso. É ruim para as suas costas”. A Madre respondeu na hora: “Não fale com a Madre dessa forma!”. Em outra ocasião, as irmãs do Bronx queriam que ela, então com mais de oitenta anos, dormisse um pouco mais. Então adiantaram os relógios em uma hora, de modo que a Madre, obstinada em manter a agenda da comunidade, achasse que estava indo para a cama na hora. Depois que ela se deitou, as irmãs se reuniram secretamente em outro ambiente, no escuro, para planejar a agenda do dia seguinte. A Madre as flagrou: “O que estão fazendo acordadas? Deveriam estar na cama!”. Uma irmã ficou tão assustada com a bronca que correu para o quarto.
Inevitavelmente, a Madre também teve discordâncias com os mais próximos a ela. Uma vez se viu em desavença com Irmão Andrew, o chefe dos Irmãos MC, escolhido a dedo. “Somos tão diferentes”, Madre Teresa comentou na época, “mas temos a mesma mentalidade.” No entanto, nem sempre tiveram a mesma mentalidade. Ele resistiu às exigências dela de que os irmãos reproduzissem de forma idêntica o estilo de vida de pobreza que as irmãs abraçavam. Ela queria uniformidade, e ele queria que os irmãos fossem mais independentes. Por exemplo, ocasionalmente ele permitia que os homens dormissem na cobertura para fugir dos dormitórios sufocantes. A Madre não permitia essa “luxúria” para suas irmãs e se opôs. Eles tinham marcado uma reunião para debater a questão antes da missa da Quinta-feira Santa dos irmãos, à qual ela deveria comparecer. Irmão Andrew não cedeu: “Os irmãos têm que decidir isso sozinhos, ou eu volto para os Jesuítas”. Ela não gostou do ultimato e imediatamente saiu, comparecendo à liturgia sagrada na sede do convento.
Três dias mais tarde, na Páscoa, a Madre voltou à casa dos irmãos e disse ao Irmão Andrew que os homens poderiam decidir tais questões sozinhos. “Aquilo foi grandioso da Madre”, mais tarde observou Irmão Andrew. Estabeleceram uma dinâmica de respeito mútuo: “Ela me deu total liberdade, mesmo quando discordava de mim. Mas é preciso dizer que ela podia ficar incomodada e irritada – e demonstrar isso”.
Se podia ficar zangada, ela era sempre rápida em se desculpar ou perdoar. Compaixão era sua maior característica – e sua principal resposta ao chamado de Cristo. “Sejam gentis umas com as outras”, exortava suas irmãs. “Prefiro que cometam erros com delicadeza, do que façam milagres com grosseria.” Essa gentileza de espírito fluía de seu coração misericordioso.
Papa Francisco, embora a tenha encontrado apenas uma vez, em 1994, reconheceu isso. Para o calendário litúrgico 2015-2016, ele instituiu entre os fiéis católicos um “Ano de Misericórdia” mundial, que terminou, triunfantemente, com a canonização dela. Na ocasião, ele a chamou de “incansável trabalhadora da misericórdia” e comentou: “Para Madre Teresa, misericórdia era o ‘sal’ que temperava seu trabalho”.
Ele não foi o único a chegar a essa conclusão. Nos anos após a morte de Madre Teresa, negócios das MCs e viagens missionárias com estudantes me levaram a Calcutá por dezesseis vezes. Em cada viagem, busquei as irmãs sobreviventes do grupo original, que foram pioneiras das Missionárias da Caridade. Essas mulheres pareciam veteranas de uma antiga guerra, sobreviventes do maior combate espiritual. Eu queria saber como fora conviver de perto com Madre Teresa durante aqueles extraordinários anos no fim dos anos 1940 e início dos anos 1950. Cada uma das nove irmãs com quem falei mencionou, com carinho e admiração, sua capacidade de perdoar. Irmã Monica, que entrou em 1952, me disse que “seu perdão” era a maior qualidade da Madre: “A Madre sempre perdoou muito generosamente”. Irmã Margaret Mary, a 11ª mulher a se juntar ao grupo, relatou como ela certa vez cometeu um erro de julgamento ao aceitar um presente que ia contra seu voto de pobreza. A Madre a segurou pelos ombros enquanto a corrigia, mas, assim que terminou, nunca mais mencionou o fato.
Irmãs que conheceram a Madre mais tarde ecoaram esses sentimentos. Irmã Nirmala admirava sua capacidade de perdoar: “Ela sempre dava mais uma chance àqueles que a queriam, enquanto houvesse esperança”. Irmã Mangala, uma MC que conhecia a Madre havia mais de 25 anos, me disse: “O que eu mais gostava na Madre era como ela perdoava e esquecia”. Irmã Prema, que se juntou às MCs em 1980 e substituiria Irmã Nirmala como líder, se lembrava da Madre dizendo: “Seu eu julgar você, não tenho tempo para amar você”. “Misericórdia”, ela disse, “se tornou a segunda natureza da Madre, e toda a sua postura era se colocar no lugar do outro, amando-o e aceitando-o como é.”
A Madre não apenas distribuía misericórdia, ela a buscava. Rotineiramente pedia perdão a Deus e a quem ela tivesse ofendido. “Madre ficava na fila da confissão, paciente e humildemente, toda semana, como qualquer pessoa, para receber a misericórdia de Deus”, relembra Irmã Nirmala. Ela também buscou sua absolvição de outras pessoas: em uma disputa particular com amigos sobre uma questão de negócios na qual eu aconselhei a Madre, vi uma carta que ela escreveu para as partes na qual pedia perdão pela forma como tinha falado e pela mágoa que involuntariamente tinha causado. Ela seguiu expressando seu amor por eles e concluiu com um segundo pedido de perdão.
Uma vez eu ousei corrigir a Madre. Ela tinha escrito uma carta ao presidente Clinton e pediu a um empresário indiano, que estava viajando para os Estados Unidos, que a levasse à Casa Branca, em vez de enviá-la pelos canais habituais da MC. Quando descobri, telefonei para ela em Calcutá e falei de minhas preocupações sobre o envio aleatório de uma comunicação altamente sensível. Ela não hesitou em se desculpar: “Ah, eu não devia ter feito isso. Estava errada. Não vou fazer novamente”. Nós dois começamos a rir. É difícil saber o que era mais ridículo: o arrependimento dela, ou meu papel como seu confessor.
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