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    • Madre Teresa – amar e ser amado: Um Retrato Pessoal de uma das Maiores Líderes Humanitárias do Mundo
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Epílogo: o trabalho continua

Epílogo

 

O trabalho continua

 

“Ontem se foi. Amanhã ainda não veio. Temos apenas hoje. Vamos começar.”

– Madre Teresa

 

Em um dia frio de outubro, 75 irmãs das Missionárias da Caridade entraram na Igreja Old Saint Patrick, em Lower Manhattan, para a missa do meio-dia. Estavam acompanhadas de diversas mulheres idosas indigentes de um lar das MC a alguns quilômetros de distância, bem como de voluntários de longa data e de outros fiéis católicos. Todos tínhamos vindo celebrar o quinquagésimo aniversário da abertura da primeira missão de Madre Teresa nos Estados Unidos, em 1971.

A igreja mal estava pela metade, e não havia representantes da cidade ou da hierarquia católica – um contraste dramático com os dias em que Madre Teresa participava de tais missas e multidões enchiam os santuários, cardeais e bispos celebravam as liturgias e a mídia se aglomerava para captar qualquer vislumbre dela. Mas a falta de alarde acrescentou intimidade à ocasião. Como Madre havia nos ensinado, o trabalho das MCs era “para a glória de Deus e o bem de Seu povo”, e não para o apreço do mundano.

Sandy McMurtrie, Mary e eu pegamos um trem cedo em Washington para comparecer ao jubileu de ouro. Quando a missa começou, as vozes das irmãs do coro me fizeram lembrar das vozes angelicais que ouvira em minha primeira missa em Calcutá, muito tempo atrás. Ao final, as irmãs fizeram uma procissão pelo corredor central, duas a duas, cada uma levando uma flor, e cada flor foi depositada em um dos dois vasos. Quando a procissão terminou, as flores individuais das freiras haviam formado dois arranjos florais magníficos, como pequenos atos de amor se unindo ao longo do tempo para formar algo belo para Deus.

A recepção que se seguiu no pátio parecia uma reunião de família. Vi Irmã Manorama, a primeira MC que conheci em Washington, em 1985. Estava com setenta anos e tinha servido em diversos lugares, desde Sanaa, no Iêmen, a New Bedford, Massachusetts, onde ajudava a administrar um abrigo MC para mulheres e crianças. Irmã Tanya, a acompanhante de Madre Teresa em seus encontros com a Princesa Diana, tinha vindo para a celebração, embora ainda estivesse se recuperando de uma estadia na UTI devido à covid. Também visitei Irmã Maria Chandra, uma hindu convertida que não via desde os dias em que recebemos juntos os primeiros pacientes de aids na Gift of Peace. Essas velhas amigas circulavam com as irmãs mais novas, que não tiveram a oportunidade de conhecer Madre Teresa, mas que, mesmo assim, se sentiam chamadas por Deus para seguir seus passos.

As irmãs sabiam muito bem que não poderiam ter feito tudo o que fizeram pelos mais pobres da América nas últimas cinco décadas sem os voluntários. Ajudantes como Gene Principe, o homem que me ensinou a cuidar dos moribundos e que, aos noventa anos, ainda trabalha seis dias por semana na cozinha comunitária da MC, no Harlem. Ou Michael Aldeguer, que há 22 anos vive em um quartinho no segundo andar da Gift of Peace, cuidando em tempo integral dos moribundos e necessitados no salão. Foi tocante ver novamente aquele homem humilde e santo. Ambos têm orgulho de ser parte de uma rede de voluntários das Missionárias da Caridade que se estende pelo mundo. Assim como as irmãs, eles continuam o trabalho que Madre Teresa iniciou. Eles também servem Jesus “em Seu disfarce angustiante do mais pobre dos pobres”.

Nos 25 anos desde a morte da Madre, as Missionárias da Caridade cresceram em tamanho e se tornaram a sétima maior congregação de freiras no mundo, com mais de 5.100 mulheres e 760 casas em 139 países. Essa expansão das MCs é ainda mais notável, considerando que houve um declínio global de 25% nas vocações para a vida religiosa ao longo do último quarto de século. Nos Estados Unidos, durante esse período, o total de freiras caiu para menos da metade. Embora as MCs tenham permanecido estáveis, enfrentam muitos desafios à medida que as novas vocações diminuem e um número muito maior de irmãs envelhece. Madre ensinou suas irmãs a levar tudo com calma, confiando que Deus vê suas necessidades e que proverá.

O trabalho continua, não importa a dificuldade ou o perigo. Um ano após a morte da Madre, três irmãs MC foram mortas a tiros do lado de fora de seu convento, na cidade costeira de Hodeidah, no Iêmen, por um extremista islâmico convencido de que iria para o céu por causa de seu ato. Inabaláveis, as MCs enterraram seus mortos e trouxeram três corajosas irmãs para continuar o trabalho com os deficientes da cidade, que tinha sido iniciado 25 anos antes. O sentimento anticristão no Iêmen só se intensificou no século XXI, especialmente em Aden, onde cinco irmãs MC administravam um lar para deficientes e idosos. Em dezembro de 2015, a última igreja católica da cidade foi incendiada. Irmã Prema deu a cada irmã a opção de ser transferida para outro lugar. No entanto, abandonar os homens e mulheres que estavam sob seus cuidados era uma coisa impensável para as irmãs em Aden.

Na manhã de 4 de março de 2016, as cinco irmãs seguiram sua rotina normal: participaram da missa, tomaram café da manhã, colocaram seus aventais e rezaram a oração MC das manhãs:

Que preguemos sem pregar,

Não com palavras, mas por nosso exemplo,

Pela força contagiante,

A influência solidária do que fazemos,

A evidente plenitude do amor que nossos corações têm por Ti.

Então se espalharam pelas enfermarias para alimentar e limpar as oitenta pessoas aos seus cuidados.

Dois homens chegaram ao portão sob o pretexto de visitar sua mãe idosa. Uma vez lá dentro, sacaram armas automáticas e abriram fogo, matando o segurança que os deixara entrar e os trabalhadores no pátio. A dupla tinha vindo matar as cinco irmãs em nome do Estado Islâmico. Acharam quatro delas, amarraram suas mãos e as executaram sumariamente. Na capela do convento, encontraram o Padre Tom Uzhunnalil, um missionário que servia no Iêmen havia catorze anos. Destruíram o tabernáculo e todas as imagens e ícones religiosos que estavam lá e sequestraram Padre Tom. (Ele seria libertado ileso após dezoito meses em cativeiro.)

A última freira, Irmã Sally, tinha ouvido gritos e tiros. Primeiro tentou chegar à capela para alertar Padre Tom, mas, quando percebeu que era tarde demais, se escondeu em um depósito próximo à geladeira, ficando de pé, imóvel, atrás da porta aberta. Por três vezes os dois atiradores entraram na sala onde ela estava à vista de todos. E em cada uma delas, de alguma maneira, não a viram. Após noventa minutos, os homens fugiram do convento, levando Padre Tom e deixando para trás Irmã Sally, os oitenta pacientes e dezesseis mortos. Depois de um tempo se recuperando da experiência traumática, Irmã Sally retornou ao Oriente Médio, onde continua a servir aos pobres. As MCs ainda não retornaram a Aden, embora mantenham lares em outros locais do Iêmen.

Situações angustiantes como essa estão presentes nos territórios que as MCs ocupam, seja em guetos controlados por gangues nos Estados Unidos ou em cidades árabes devastadas pela guerra civil. Quando o governo do Afeganistão entrou em colapso, em 2021, com a retirada dos militares americanos, as cinco irmãs que cuidavam de uma casa para crianças com deficiências graves em Cabul tiveram que fazer uma escolha. Havia um avião partindo para a Itália com cinco lugares disponíveis. Mas as irmãs se recusaram a deixar as onze meninas e três meninos na casa e preferiram permanecer à mercê do Talibã. Pela graça de Deus, e ajuda do governo italiano, as irmãs e as catorze crianças deficientes foram retiradas do país no penúltimo avião antes de a cidade cair. (Agora vivem em uma casa de acolhimento nos arredores de Roma.)

As MCs na Índia enfrentaram um desafio igualmente mortal no ano passado, quando o subcontinente se tornou o epicentro da pandemia da covid, com o número de mortos na casa dos milhões. No fim de 2021, 59 irmãs haviam morrido em decorrência do vírus, incluindo as superioras de sete casas. Essa tragédia não deteve as outras de fazerem tudo o que o governo lhes permitiu para aliviar o tormento dos que estavam sofrendo com o vírus e a catástrofe econômica que os infligiu.

Em muitos lugares, o trabalho é muito menos perigoso, mas tão difícil quanto. Em Miami, as irmãs alimentam centenas todos os dias em sua cozinha comunitária, e as 25 camas em seu abrigo para mulheres estão constantemente ocupadas. Em Baltimore, as MC administram uma casa para mulheres, visitam presos e levam alegria a idosos reclusos. Uma nova casa especializada em pacientes indigentes com tuberculose foi aberta em Rosário, México, em 2021. Ao redor do mundo, as irmãs adaptam seus serviços para oferecer o que é mais necessário, mas a rotina diária estabelecida pela Madre segue inalterada. Elas se levantam às 4h40, lavam suas roupas à mão, seguem uma estrita agenda de orações e esperam estar juntas no convento para as refeições e recreação vespertina. Trabalhar com os mais pobres dos pobres continua a ser sua missão e seu dever.

Levei anos para entender o que a Madre quis dizer quando falou que Calcutá estava em todos os lugares se você tivesse olhos para ver. A miséria que testemunhei em minha viagem de 1985 pode ser encontrada sob outras formas em países superficialmente ricos, atormentados por suicídio de adolescentes, uso de drogas, isolamento de idosos e pelo que o Papa João Paulo II chamou de “cultura da morte”, que envolve aborto e eutanásia. Pobreza material e espiritual são dois lados da mesma moeda.

“Sabemos quem são nossos próprios pobres?” a Madre perguntou em uma reunião de bispos em Roma, em 1980.

 

Conhecemos nosso vizinho, o pobre de nossa própria região? Para nós, é fácil falar sobre os pobres de outros lugares. Muitas vezes temos o sofrimento, temos o solitário, temos as pessoas – velhos, rejeitados, sentindo-se infelizes – perto de nós e nem mesmo os conhecemos. Não temos tempo nem para sorrir para eles. Tuberculose e câncer não (são) grandes doenças. Acho que uma doença muito maior é ser indesejado, não ser amado. A dor que essas pessoas sofrem é muito difícil de entender, de penetrar. Acho que isso é o que nosso povo em todo o mundo está passando, em cada família, em cada lar. Esse sofrimento está sendo repetido em cada homem, mulher e criança. Acho que Cristo está passando novamente pela Paixão. E cabe a vocês e a mim ajudá-los.

 

Em nosso último encontro, dez semanas antes de sua morte, agradeci a Madre por ter me apresentado Jesus na pessoa dos pobres e me ensinado a lutar por uma vida voltada para o outro. Foi preciso sua orientação e trabalho prático para que eu percebesse que os pobres também costumam ser pessoas muito poderosas. Possuem o poder de liberar a compaixão de dentro de nós e transformar nossa vida, se permitirmos. Eles protegem e preservam o que é verdadeiramente humano em cada um de nós. Têm o poder de formar comunidades solidárias ao redor do mundo, assim como a que se reuniu naquela tarde de outubro, em 2021, na Igreja Old Saint Patrick, em Manhattan.

Hoje em dia, humanos estão cada vez mais distantes uns dos outros, e os rápidos avanços em tecnologia e inteligência artificial aceleram essa desumanização. A Madre dizia: “Os pobres são a esperança e a salvação da humanidade”. Essas pessoas que têm sede de companheirismo e buscam nosso tempo e cuidado nos fornecem um caminho para uma vida significativa e com propósito. Qualquer pessoa sobrecarregada pelas necessidades de outra, como um marido cuidando de uma esposa com uma doença crônica ou terminal, ou uma mãe adotiva cuidando da criança que sofreu abusos, conhece a alegria libertadora das boas ações feitas por amor, especialmente aquelas que nos custam. As Escrituras dizem que bem-aventurado é dar do que receber, e a Madre dizia que devemos “nos dar até doer”.

Aqueles que alimentam o faminto, vestem o nu, visitam o doente ou encarcerado, acolhem o estrangeiro ou confortam o solitário sabem que seus esforços podem ser apenas uma trégua temporária. Não é provável que mudemos o mundo como o fez a Madre, mas podemos mudar o mundo dos que estão ao nosso redor, começando por nossos próprios familiares e vizinhos, levando sorrisos aos desamparados, esperança aos desesperados e amor aos não amados. O vasto oceano é feito por pequenas gotas.

Perto do fim de sua vida, foi perguntado a Madre Teresa sobre o fato de que pouco parecia ter mudado em Calcutá apesar de seus esforços, pois para cada pessoa que ela ajudara a morrer em paz ainda havia dez lá fora, morrendo sozinhas. Ela respondeu que não estava desencorajada de maneira alguma. “Deus não me chama para ser bem-sucedida. Deus me chama para ser fiel”.

Para alguns, seu chamado à fidelidade é um imperativo religioso. Para outros, é um compromisso social com nossos irmãos e irmãs necessitados. Para todos nós, é um chamado à ação.

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