- A+
- A-
5. O DIA 13 DE AGOSTO DE 1917
Meu caro Amigo:
Era nos meses de Junho e Agosto de há dois anos. Os jornais de grande circulação, pela pena dos seus correspondentes em Torres Novas e Vila Nova de Ourém, publicavam notícias pormenorizadas de acontecimentos assombrosos sucedidos em Fátima no dia treze desses meses.
Esses correspondentes, criaturas decerto honestas e simpáticas, mas sem as habilitações científicas necessárias para poderem apreciar com justeza os referidos acontecimentos, comentavam-nos ineptamente, à luz dos preconceitos da escola liberal e racionalista hauridos no meio ignaro em que viviam, e imperfeitamente assimilados. Excluíam a priori, como é claro, a existência e até a mera possibilidade duma intervenção divina. Todas as hipóteses, ainda as mais inverosímeis, que tentassem explicar dalguma forma a origem e natureza de sucessos extraordinários, eram de bom grado aceites, desde o momento em que prescindissem por completo do sobrenatural.
O correspondente do jornal “O Século”, no número de vinte e três de Julho, depois de dizer que no dia treze desse mês em Torres Novas, vila abundante em alquilarias, não havia sequer um carro para alugar, chegando mesmo a fechar bastantes estabelecimentos, acrescenta que no local das aparições se encontravam reunidos alguns milhares de pessoas e que se ouviu um ruído semelhante ao ribombar do trovão, prorrompendo as crianças num choro aflitivo, fazendo gestos epilépticos e caindo depois em êxtase, e conclui declarando que o seu parecer é que se trata duma premeditada especulação financeira, cuja fonte de receita existe nas entranhas da serra em qualquer manancial de águas minerais, recentemente descobertas por algum indivíduo astucioso que à sombra da religião quer transformar a serra de Aire numa estância miraculosa como a velha Lourdes.
O correspondente do “Diário de Notícias” se a memória não me falha, pretende achar na sugestão a explicação cabal desses factos.
Entretanto a notícia das aparições espalha-se por todo o país com a rapidez do relâmpago.
O nome de Fátima é pronunciado como uma esperança fagueira de bênçãos e graças celestes por centenas de milhares de lábios dum extremo ao outro de Portugal. Os estranhos sucessos passados nesse recanto desconhecido da Estremadura atraem dia a dia àquele local um sem número de pessoas de todas as classes e condições sociais. A sede do sobrenatural apodera-se dum povo fundamentalmente cristão, que uma longa e intensa propaganda de doutrinas deletérias não lograva perverter.
A perseguição acintosa feita durante estes anos à crença herdada de seus antepassados, longe de obliterar nele o sentimento religioso, avivou-o e fortaleceu-o, contra a expectativa dos inimigos da Religião, que são simultaneamente inimigos da Pátria.
O peso das desgraças que oprimiam os portugueses obrigava-os, como em todas as épocas de grandes calamidades nacionais, a levantar os olhos do pó da terra e a volvê-los para o céu, donde unicamente esperavam o remédio para tantos e tão graves males. Por outro lado a hipótese duma mistificação, adrede preparada por pessoas interessadas, era instintivamente repelida pelo bom senso da parte sã da população do país.
Não é, pois, de admirar a afluência enorme de peregrinos que se verificou em Julho e Agosto, quando a notícia das aparições se tornara mais conhecida. Sobretudo os concelhos de Leiria, Vila Nova de Ourém e Torres Novas, quase que se despovoaram.
O espectáculo da concorrência do dia treze de Agosto foi sobremaneira comovente. Eis como o descreve uma testemunha ocular e fidedigna.
“Depois de descansar um pouco, fui andando devagar para o local das aparições.
Quando lá cheguei, estavam muitas pessoas rezando e cantando versos a Nossa Senhora em torno do arbusto, onde se verificam as aparições. Esse arbusto é uma pequena azinheira que está já reduzida ao tronco, tantos são os ramos que lhe têm tirado. Entretive-me alguns momentos a conversar com diversas pessoas das minhas relações. Já lá se via a essa hora muita gente.
Eu e alguns amigos meus, que entretanto chegaram e vieram juntar-se comigo, fomos sentar-nos à sombra duma árvore, e ali nos conservámos bastante tempo. Então é que começou a afluir imenso povo. De todas as direcções vinham inúmeras pessoas, mas principalmente dos dois lados da estrada distrital é que era uma verdadeira enchente.
Veículos de todos os tamanhos e de todos os feitios sucediam-se uns aos outros sem interrupção. Vinha gente a pé, a cavalo e de bicicleta. A vista dos carros espalhados pela encosta, do gado a pastar à sombra das árvores, da longa série de automóveis na estrada, dos montes gigantescos de bicicletas, constituía um espectáculo sobremodo interessante. Pelo meio dia astronómico, hora certa das aparições, comprimiam-se nesse local alguns milhares de pessoas.
Eu não sou versado na ciência do cálculo, mas parecia-me, e era a opinião geral, que se achavam presentes mais de cinco mil almas. Estavam todos aguardando ansiosamente a chegada das crianças, que já tardavam.
Entretanto aparece um rapaz com a triste notícia de que o administrador de Vila Nova de Ourém, depois de ter dito aos pais das crianças, a quem tinha ido visitar, que as levava de boa vontade na sua charrette para o local das aparições, os ludibriara miseravelmente, fazendo subir as crianças para a charrette e fugindo com elas para Ourém. Com efeito assim tinha sucedido. Esse homem, perverso e cobarde, atraiçoara todo aquele povo. Parece, porém, ter havido em tudo isto uma intenção especial da Providência, porque aquele lugar, em que passa constantemente muita gente, estava quase deserto àquela hora, sendo únicas testemunhas oculares o prior de Fátima e alguns amigos que estavam na varanda da residência paroquial e com quem pouco antes o administrador estivera conversando. O povo, quando soube o que se tinha passado, ficou indignadíssimo. Eu e alguns amigos voltámos logo para a povoação de Fátima. Ali informamo-nos minuciosamente do modo como as coisas se tinham passado.
Daí a poucos momentos chegaram uns homens muito contentes dizendo que Nossa Senhora tinha aparecido. Dirigi-me imediatamente a toda a pressa para o local. As estradas vinham já cheias de gente que comentavam o assombroso facto. A cada grupo perguntava o que tinham visto. Todos a uma voz afirmavam que tinham ouvido um trovão e visto junto da carrasqueira um relâmpago e uma nuvem formosíssima, que se elevou nos ares e a breve trecho desapareceu. Numa palavra, todos tinham ficado satisfeitos e, pelo que ouvi dizer a vários indivíduos de Vila Nova de Ourém, o administrador parece ter arriscado muito a vida com o rapto das crianças. Algumas pessoas instruídas e ponderadas disseram que, embora se tivessem verificado alguns sinais misteriosos, não havia prova suficiente da sua sobrenaturalidade. Outras asseguravam que não haviam notado nada de anormal. Outras, finalmente, proclamavam que, depois de se ter falado com as crianças, não se podia duvidar da realidade das aparições”.
Eis como numa carta a um amigo, escrita por essa ocasião, o signatário narra, a largos traços e com uma singeleza encantadora, o que se passou no dia da quarta aparição. De todos os períodos da carta transpira uma sinceridade sem igual, tanto mais para apreciar quanto é certo que essa carta não era destinada à publicidade. Julguei dever transcrevê-la para fazeres uma ideia aproximada da importância do concurso de peregrinos e curiosos no dia da quarta aparição e do estado geral dos espíritos em face de tão extraordinários acontecimentos. Quero crer que não darás por malbaratado o tempo que empregaste na sua leitura.
20-VIII-919
Teu amigo dedicado
V. de M.
Receba a Liturgia Diária no seu WhatsApp
Deixe um Comentário
Comentários
Nenhum comentário ainda.