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6. O PARAÍSO NA TERRA
(13 DE OUTUBRO DE 1926)
A grande peregrinação nacional
Imponentíssimas manifestações de fé e piedade
A grandiosa e deslumbrante procissão de velas
Lago de fogo e de luz – Preces e cânticos
Mais perto de Deus
Mais um dia de glória para Deus, de triunfo para a Virgem, de graças e bênçãos para as almas, foi sem dúvida o dia treze de Outubro de 1926.
Realizou-se nesse dia a segunda grande peregrinação nacional do corrente ano. Se a primeira, a do mês de Maria, constituiu uma das manifestações de fé e piedade mais grandiosas e mais comoventes de que tem sido teatro a terra das aparições e dos prodígios – a misteriosa Fátima – a peregrinação do mês do Rosário rivalizou absolutamente com ela, não se podendo considerar inferior sob nenhum aspecto.
Nos últimos dias que precederam o nono aniversário da sexta aparição da augusta Virgem do Rosário aos inocentes pastorinhos de Aljustrel, dezenas de milhares de peregrinos iniciavam a sua romagem, partindo de todos os pontos de Portugal em demanda da serra de Aire, que é hoje na nossa Pátria o trono mais esplendoroso e magnificente de Jesus, Rei de Amor, no Diviníssimo Sacramento da Eucaristia e ao mesmo tempo o Santuário mais belo e mais venerado de sua Mãe Imaculada, a Rainha do Sacratíssimo Rosário.
No dia doze à noite, como se lia nos relatos dos jornais de grande circulação, mais de cinquenta mil pessoas acampavam no planalto de Fátima, dispostas a recuperar com um sono reparador as forças gastas durante a viagem, para poderem assistir com mais fruto às solenidades religiosas do dia seguinte.
Às oito horas, organiza-se, segundo o costume, a procissão das velas, em que tomam parte dezenas de milhar de fiéis, cada um com uma vela na mão, e que percorre, durante mais duma hora, o trajecto habitual em torno dos santuários.
Vista do alto da estrada que a cinge do lado do sul, a Cova da Iria, esse palco gigantesco, onde há nove anos se desenrolaram cenas sublimes, verdadeiramente divinas, duma beleza e majestade incomparáveis, parece um lago de luz, a cratera dum vulcão em actividade, vomitando sem cessar grande quantidade de matérias ígneas e formando deslumbrantes rios de fogo, que circulam lentamente em todas as direcções.
Os peregrinos, impulsionados pelo entusiasmo da sua fé viva e pelo ardor da sua piedade acrisolada, aclamam a Virgem bendita, que se dignou escolher aquela estância privilegiada para derramar o bálsamo da sua ternura maternal sobre tantos corpos e tantos corações torturados pela dor.
Do seio dessa multidão inumerável elevam-se constantemente para o Céu mil preces e cânticos, exprimindo com veemência os sentimentos e as aspirações da grande e generosa alma de Portugal.
Como são ditosos aqueles que logram respirar, ao menos durante alguns momentos, esse ambiente saturado de sobrenatural, pairando numa região em que o homem se julga mais longe da terra e mais perto de Deus!
Dia de luz e de encantos
As peregrinações organizadas
Os estandartes
Peregrinação de penitência
Os romeiros isolados
O dia treze, como em Maio, como nos meses seguintes, amanheceu esplêndido, cheio de luz e de encantos, como um formosíssimo dia de Primavera.
O movimento de peregrinos aumenta cada vez mais, atingindo o seu máximo de intensidade desde as oito horas até ao meio dia.
É durante esse espaço de tempo que chegam as peregrinações organizadas. São agora cerca de trezentos romeiros de Gondemaria, concelho de Vila Nova de Ourém, guiados pelo rev.do Luis de Sousa, levando à frente um lindo e vistoso estandarte alusivo aos acontecimentos maravilhosos de Fátima, cuja estreia é feita nesse dia.
É mais logo um grupo de senhoras da melhor sociedade duma nobre e histórica cidade, a mais linda de Portugal, que, animadas de verdadeiro espírito de penitência, percorreram a pé cerca de trinta quilómetros, para irem render a homenagem da sua piedade filial à Rainha do Rosário, no santuário da sua predilecção.
São depois oitenta pessoas de Benfica (Lisboa) que, acompanhadas pelo seu zelosíssimo pároco, vêm depor aos pés de Maria o preito do seu amor, ostentando um rico estandarte de seda, bordado a ouro. E os grupos sucedem-se uns aos outros de envolta com um sem número de peregrinos isolados, que em toda a espécie de veículos são conduzidos até próximo do local das aparições.
Dezenas de missas
Confissões de homens e rapazes
A distribuição da Sagrada Comunhão
O transporte dos doentes para o pavilhão
Oração fervorosa dos fiéis
Desde as quatro horas da manhã que os sacerdotes, previamente inscritos, celebram sem interrupção nos três altares da capela nova. Muitos limitaram-se a comungar, por não lhes ter cabido a vez de dizer missa, mercê da grande afluência de clero.
Nas dependências da capela, alguns sacerdotes confessam homens e rapazes. Outros distribuem o Pão dos Anjos a milhares de pessoas que nas suas terras se tinham preparado para esse acto pela confissão sacramental.
Os doentes, à medida que vão chegando, são colocados sobre colchões ou sentam-se nas bancadas do respectivo pavilhão, conforme a gravidade do seu estado.
Os servos de Nossa Senhora do Rosário andam constantemente numa roda viva, transportando os doentes ou prestando-lhes os serviços e cuidados de que precisam.
Em torno do pavilhão milhares de pessoas conservam-se alternativamente de pé e de joelhos durante horas consecutivas para ocuparem os lugares donde melhor possam assistir ao desenrolar dos actos religiosos. A oração de todos é intensa e fervorosa e feita no meio do maior recolhimento e do mais profundo silêncio.
Os médicos do Posto de verificações
O dr. Pereira Gens, chefe do Posto
Severidade de atitude e rigor de processos
Médicos-juízes de investigação
As súplicas dos enfermos e dos seus protectores natos
sistematicamente desatendidas
Saudades de Lourdes
No Posto das verificações médicas dirigem as diferentes acções muitos distintos clínicos, dos quais alguns envergam as blusas brancas de serviço.
São, entre outros, os drs. Eurico Lisboa, Weiss de Oliveira, Gabriel Ribeiro, Luz Preto, Augusto Mendes e Cortês Pinto.
Superintende nos serviços do Posto é o médico dr. Pereira Gens. Imitando, sem talvez o suspeitarem, os médicos de serviço permanente no Bureau des Constatations médicales, de Lourdes, os médicos do Posto de Fátima dão a impressão de oficiais em tempo de guerra à frente dos seus regimentos, numa atitude enérgica e decidida de defensiva e ofensiva em toda a linha. Quem os observa no exercício das suas funções, acolhendo com caridade, mas severamente a legião imensa de doentes que lhes vão solicitar a senha indispensável para entrarem no respectivo pavilhão, e os vê em extremo receosos e suspicazes, procedendo mais como juízes do que como médicos, interrogando capciosamente aqueles que se apresentam, fazendo-os às vezes cair em contradição, desprezando todos os empenhos e solicitações e recusando-lhes as senhas de ingresso, apesar das suas súplicas instantes e das queixas sentidas dos seus males, julga-se em presença de ateus e incrédulos que estão ali como agentes do demónio, apostados a contrariar e a combater todas as manifestações do sobrenatural.
Alguns sacerdotes, que apresentavam pessoas enfermas do seu conhecimento, eram repelidos sem contemplação, porque não traziam atestados médicos, que julgavam desnecessários, por estarem convencidos de que bastava a sua palavra para garantir a realidade e gravidade da doença, difícil de diagnosticar sem uma demorada e profunda observação, ali impossível de fazer.
Que saudades não haviam de ter, naquele momento de dolorosa humilhação, esses sacerdotes, que algumas vezes encontrámos em Lourdes, de visita ao Bureau des Constatations, onde eram sempre acolhidos com menos desconfiança e com mais benevolência... talvez por serem estrangeiros. Bem hajam os médicos do Posto pela sua atitude, que a tantos desagrada, mas que é tão própria para assegurar a seriedade dos seus processos e impô-los ao respeito de todas as pessoas, crentes e descrentes.
A procissão
Dezenas de milhar de pessoas saúdam a Virgem
Lágrimas de comoção
A bênção da Mãe de Deus
É meio dia solar. A veneranda Imagem de Nossa Senhora do Rosário é conduzida aos ombros das suas servas da capela das aparições para a capela das missas. Em todo o vasto anfiteatro da Cova da Iria, desde o pavilhão dos doentes até aos muros de cintura, dezenas e dezenas de milhar de pessoas acenam com os lenços, saudando a Rainha dos Anjos. Quando o cortejo entra no recinto reservado aos doentes, o entusiasmo atinge as raias do delírio.
Os vivas estrugem nos ares, as aclamações sucedem-se às aclamações e os olhos de todos marejam-se de lágrimas de comoção e de ternura. E a Virgem bendita, sorrindo e abençoando, passa através da multidão, que ajoelha a seus pés, presa dos seus encantos e fascinada pela sua beleza e pela sua bondade.
O Credo de Lourdes
A missa dos doentes
A recitação do terço do Rosário
A ladainha lauretana
A bênção dos enfermos e a bênção geral
O sobrinho de Camilo Castelo Branco fala à multidão
A sagrada Imagem foi colocada sobre a sua peanha ao lado direito do altar central. Canta-se o Credo de Lourdes. Começa a missa dos doentes.
Do púlpito o capelão-director, com voz firme mas comovida, principia a recitação do terço. A assistência redobra de atenção e de fervor.
Aproxima-se o momento solene da Consagração. Todos ajoelham. A Hóstia Santa é elevada pelo celebrante entre a terra e o Céu, vítima de propiciação pelos pecados do mundo. Canta-se um cântico piedoso em louvor do Santíssimo Sacramento.
Continua a recitação do terço, que é rematada pela ladainha lauretana. Depois do Communio, distribui-se pela última vez o Pão dos Anjos e, terminada a Missa, faz-se a exposição do Santíssimo, durante a qual se canta o Adoremus.
Segue-se a patética cerimónia da bênção dos enfermos, que se efectua na forma costumada e conclui com a bênção geral, dada do alto da varanda do pavilhão.
Depois o rev.do Luís Castelo Branco, sobrinho de Camilo, tece, em palavras entusiásticas e comovidas, o panegírico da Mãe de Deus. Por fim organiza-se de novo a procissão, para reconduzir a branca estátua da Virgem ao padrão popular comemorativo das aparições e dos sucessos maravilhosos.
Servitas e escuteiros
O Patronato do Porto
As duas curas instantâneas de treze de Setembro último
O poder e a bondade de Maria
São quase três horas da tarde. No Posto de verificações médicas os clínicos de serviço ocupam os seus lugares. Servitas e escuteiros circulam continuamente nas dependências do Posto. Vêem-se algumas senhoras da direcção do Patronato do Porto, fundado por iniciativa da Liga da Acção Social Cristã, daquela cidade, que vieram acompanhar duas empregadas dessa instituição, ambas curadas instantaneamente de úlceras no estômago, em treze de Setembro último. Respirando saúde e bem estar as miraculadas agradeciam efusivamente à Santíssima Virgem a sua cura, que atestava bem alto o poder incomparável e a bondade sem limites da celeste Padroeira de Portugal.
O regresso dos peregrinos
As últimas despedidas à Virgem
A hora mística das Trindades
O pólo magnético das almas
Pouco a pouco a multidão vai-se dispersando. Os grupos de peregrinos tornam-se cada vez menos compactos e menos numerosos. A cada momento partem veículos conduzindo os piedosos romeiros de Fátima aos seus lares distantes. Apenas um ou outro devoto fica ainda dirigindo à Virgem uma última súplica, esquecido talvez da hora tardia e da distância do seu lar.
A noite aproxima-se rapidamente, tendo já descido o sol no horizonte. É a hora mística das Trindades, que convida a rezar e a pensar no Céu.
De vez em quando os ecos repercutem os sons dum hino religioso popular, que algum peregrino canta na viagem de regresso.
Momentos depois, a noite envolve com o seu negro manto aquela estância privilegiada pelas graças de Deus e pelas bênçãos de Maria, estância que é, sem contestação, o pólo magnético das almas, o centro de atracção do mundo espiritual, o ponto em torno do qual gravitam todos os corações de boa vontade.
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