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11. A TERRA DA VIRGEM
(13 DE SETEMBRO DE 1927)
Na tarde do dia 12 de Setembro de 1927
A peregrinação de Lisboa (Conceição Velha)
A peregrinação de Vila de Rei
As peregrinações de Arieiro e Ansião
O rev.do Rafael Jacinto
O nobre e ilustre Visconde de Santarém
No sino grande da igreja paroquial de Fátima acabavam de soar, compassadas e graves, as badaladas que anunciavam as sete horas da tarde.
Por toda a extensão da estrada, entre a igreja e o local das aparições, circulam continuamente veículos e peões, que se dirigem para a Cova da Iria.
Em torno do recinto murado dos santuários, sobre a estrada e nas imediações, estacionam camions, automóveis e carros de tiro, que dificultam o trânsito.
À boca da noite começam a chegar as peregrinações. A primeira é a da freguesia da Conceição Velha, de Lisboa, que pela segunda vez envia a Fátima uma representação dos seus paroquianos, numerosa e luzida. Os peregrinos, que eram cerca de duzentos, ao contrário do que sucedeu no mês passado, em lugar de desembarcarem no apeadeiro de Seiça-Ourém, apearam-se na estação do Entroncamento, onde os aguardavam as lindas e cómodas camionettes dos irmãos Clara, de Torres Novas; atravessaram a vila sem parar e subiram a estrada, longa e íngreme, da serra de Aire, em direcção a Fátima.
Pouco depois, por entre as primeiras sombras da noite, que lentamente vai envolvendo tudo no seu manto escuro, avista-se, a pequena distância, uma multidão de indivíduos de ambos os sexos, que se aproximam cada vez mais. É a peregrinação de Vila de Rei, composta de duzentas e cinquenta pessoas e presidida pelo respectivo pároco rev.do Rafael Jacinto, alma grande e generosa de sacerdote e de apóstolo, honra e lustre do clero da diocese de Portalegre. Seguem-se a esta várias outras peregrinações e grupos de romeiros, que vêm expressamente de véspera para poderem incorporar-se na procissão das velas. Entre essas peregrinações merecem especial referência a de Areeiro (Coimbra) e a de Ansião, notáveis pela sua boa organização e pelo número avultado dos seus membros.
Um dos peregrinos, que se agregaram ao grupo de Lisboa, foi o nobre Visconde de Santarém, fidalgo ilustre pelo sangue e pelos primores de carácter e de coração que o distinguem, e ainda mais pela firmeza e desassombro da sua fé e pela sinceridade da sua piedade cristã.
A procissão das velas
A adoração nocturna
Os sermões durante a adoração
O curso teológico do Seminário do Porto de 1919-1922
O abade de Cete e o Padre Anselmo
O concurso de peregrinos
São já dez horas da noite, avizinha-se o momento, tão ansiosamente esperado, da procissão das velas. Os romeiros presentes, que já perfazem àquela hora muitos milhares, concentram-se defronte da capela das aparições, onde o rev.do dr. Marques dos Santos, capelão-director dos servitas, pouco antes de se iniciar a procissão, faz diversas recomendações e avisos.
Alguns instantes depois, o recinto dos santuários semelha, a quem o contempla do alto da estrada ou do cume dos montes adjacentes, um imenso lago de fogo. Dir-se-ia que miríades de estrelas se desprendem do firmamento e vieram cravar-se na Cova da Iria, abrasando-a de repente num incêndio colossal. Súbito, desse lago partem como setas duas filas de luz, que sobem lentamente até à estrada, passam por baixo do pórtico principal; descem a avenida central e, contornando a capela das missas, voltam de novo a engolfar-se, sem solução de continuidade, no braseiro imenso, quase apagado e que outra vez se reacende, do recinto das aparições.
Milhares de peregrinos, cada um com a sua vela na mão, depois de rezarem o terço junto da estátua da Virgem, cantam, sem cessar, o Avé de Lourdes, durante esse imponente e deslumbrante cortejo nocturno, longo e interminável, que conclui com o grave e majestoso canto do Credo.
Espectáculo encantador e sublime, que empolga e arrebata os corações dos crentes e que dos olhos dos próprios incrédulos faz brotar doces lágrimas de funda e involuntária comoção.
A meio da noite expõe-se o Santíssimo Sacramento num trono de lumes e flores e principia a cerimónia oficial da adoração nocturna. Efectuam-se sucessivamente cinco turnos de adoração, que duram cada um cerca duma hora. Em cada turno um sacerdote faz uma prática adequada ao acto, ao local e ao momento.
Entre outros sacerdotes pregam os rev.dos Manuel Dias Costa, abade de Cete, e Agostinho Pinto Veloso.
Estes dois distintos oradores, que com mais seis sacerdotes constituíram o curso trienal de teologia do Seminário do Porto correspondente aos anos de 1919-1922, vieram, de comum acordo, realizar neste dia em Fátima a primeira reunião de confraternização do seu curso.
Feliz ideia a dessa bela romagem ao Santuário de Fátima, juntando-se ali como irmãos, aos pés da Mãe do Céu, a fim de haurirem, sob o manto da sua protecção maternal, neste dia de júbilo santo, energia, coragem e conforto para a santificação da sua vida e da dos fiéis confiados ao seu zelo de pastores de almas.
Às cinco horas, depois de cantado o Tantum ergo e a oração respectiva, termina a exposição com a bênção geral e encerramento do Santíssimo Sacramento.
Principiam em seguida as missas, que são celebradas sem interrupção nos três altares da capela nova pelos sacerdotes que previamente tinham feito inscrever os seus nomes no livro de registo destinado a esse fim.
Uma cura extraordinária
Cenas comoventes
As promessas dos peregrinos
Um grupo de criadas de servir
Alma de português e de crente
Os jovens católicos
O dr. Vítor Marques de Oliveira
Na estrada, a poucos passos do pórtico central, uma família de distinção prepara-se para assistir às últimas cerimónias oficiais do dia. É a respeitável família Moreira, moradora na rua da Piedade, 45, Porto, que da cidade da Virgem veio em automóvel, por estradas quase intransitáveis para agradecer uma graça temporal extraordinária concedida a um dos seus membros, a senhora D. Emília das Neves Marinho Moreira. Essa veneranda senhora tinha, no pé esquerdo, havia muito tempo, um volumoso quisto, que o seu médico assistente assegurava não poder ser eliminado senão por meio duma operação. A piedosa senhora fez então a promessa de ir a Fátima em devota romagem, se a Santíssima Virgem se dignasse curá-la sem necessidade de intervenção cirúrgica, que o facultativo julgava indispensável.
Tendo aplicado água de Lourdes, por não possuir água de Fátima, e invocando, cheia de confiança, Nossa Senhora de Fátima, o quisto com grande surpresa e alegria dela e de toda a família, desapareceu completamente no espaço de pouco mais de quinze dias.
Um carro descoberto passa na estrada, em direcção a Vila Nova de Ourém. Ao avistarem o santuário das aparições, os passageiros erguem-se de pé, num impulso irresistível de piedade, e aclamam a Virgem, cantando entusiasmados o Salvé, nobre Padroeira.
Ao mesmo tempo desce de joelhos a avenida principal uma mulher do povo, com uma vela acesa na mão e ladeada dum filhinho e duma filhinha de poucos anos de idade, que a acompanharam a pé.
Em torno da capela das aparições, homens, mulheres e crianças, rezando com velas na mão, cumprem, sem respeitos humanos, promessas feitas em horas de angústia e que lhes alcançaram o poderoso valimento da Mãe de Deus.
Entre os grupos de peregrinos destaca-se um pela qualidade dos seus membros e pela piedade de que dão mostras. É um grupo de criadas de servir duma importante cidade da Estremadura, que chegaram a Fátima na véspera à noite, depois duma viagem de três horas em Camionette. Algumas pisavam pela primeira vez a terra sagrada dos mistérios e dos prodígios, mas a alegria santa e a devoção edificante eram iguais em todas, que iam ali depor, aos pés de Maria, os tesouros das suas homenagens e dos seus sacrifícios, consagrar-lhe os seus corações e pedir-lhe a força moral necessária para triunfarem sempre nas lutas incruentas, mas por vezes formidáveis da vida.
Agregados a esse grupo interessante vieram também à Lourdes portuguesa uma senhora respeitável, irmã dum sacerdote ilustre, honra do clero nacional, que a todos edificava com a sua piedade acrisolada, e um excelente casal formado por um funcionário do Estado aposentado e sua esposa, cuja união e boa disposição de espírito atraíam as simpatias de todos. Alma naturalmente cristã e genuinamente portuguesa, esse simpático e venerando ancião manifestava sem rebuço a sua fé que a Virgem Santíssima decerto havia de afervorar, derramando sobre ele as melhores bênçãos do Céu.
Os moços católicos pertencentes às diversas organizações da nossa juventude salientavam-se pela sua actividade e dedicação, merecendo particular referência os beneméritos e incansáveis servitas de Torres Novas. Um dos novos, que se impunha à atenção e consideração de todos, era o dr. Vítor Marques de Oliveira, antigo presidente da direcção da Juventude Católica de Lisboa. Este jovem, dos mais esperançosos da actual geração, já cheio de méritos pelos serviços prestados à causa da santa Igreja, é um exemplo vivo de virtude e de actividade operosa, digno de ser proposto em toda a linha aos jovens seus contemporâneos como modelo a venerar e imitar.
Os sacerdotes e seminaristas
O cónego Félix e o dr. Cruz
Primeira comunhão duma menina
A missa dos doentes
O sermão oficial
A bênção do Santíssimo Sacramento
Cura assombrosa dum distinto médico de Lisboa
Os sacerdotes e, durante as férias do verão, também os seminaristas, acorrem, em número avultado, a Fátima, cada dia treze. Eles vão ali retemperar a sua fé e afervorar a sua piedade em contacto com as multidões dos crentes, naquele ambiente saturado de sobrenatural. Entre os sacerdotes que foram a Fátima neste dia treze destacam-se dois, que pertencem ao número das figuras mais prestigiosas e mais beneméritas do clero português e que são modelos consumados de trabalho indefesso pela causa de Deus e das mais acrisoladas virtudes: os rev.dos dr. Francisco Rodrigues da Cruz e cónego Francisco Maria Félix.
Não há ninguém no nosso país que não conheça, ao menos pela fama singular de santidade que o aureola, esse vulto incomparável de apóstolo que é o dr. Cruz.
Menos conhecido pelas condições especiais em que exerce a sua prodigiosa actividade, mas não menos insigne pelos dotes de espírito e coração que o exornam e pelas suas extraordinárias benemerências é o rev.do cónego Félix, reitor do Seminário Patriarcal em Santarém. Há longos anos colocado à testa daquele instituto eclesiástico de educação e ensino, um dos primeiros de Portugal, que dirige com superior critério, ele é verdadeiramente the right man in the right place, exercendo o seu alto e espinhoso cargo com uma competência e uma dedicação a toda a prova.
Que humildade e piedade edificantes as dessas duas grandes e venerandas personagens da Igreja, encanecidas no serviço de Deus e carregadas de méritos, ajudando, como simples acólitos e com uma devoção fervorosa, o sacerdote que celebrava a missa dos enfermos!
Às onze horas mais uma cena comovente se desenrola no local das aparições. É a menina Lígia Sucena e Graça, de Aveiro, que faz a sua primeira comunhão junto da capela das missas. Vestida de branco, com o rosto gentil envolto no véu imaculado das virgens, a ditosa criança – anjo de inocência e de candura – aproxima-se, trémula de comoção, da mesa eucarística e recebe pela vez primeira o divino Prisioneiro do Sacrário no seu Sacramento de amor.
Que a lembrança deste dia de graças e bênçãos, o mais belo da tua vida sobre a terra, nunca se apague da tua memória, mimosa e feliz menina, para que, sempre fiel a Jesus, possas sulcar sem perigo o mar encapelado da existência e chegar, sã e salva, pela mão de Maria, ao porto da eternidade bem-aventurada!
À uma hora e meia, depois de conduzida processionalmente a Imagem da Virgem para a capela nova, começa a missa dos doentes. Enquanto ela se celebra, o rev.do capelão-director dos servitas reza o terço em voz alta, alternando com a assistência. À elevação toda aquela mole imensa de povo se prostra diante de Jesus-Hóstia, adorando-o num transporte estuante de fé e amor.
Ao Communio é distribuído pela última vez o Pão dos Anjos.
Terminada a missa, sobe ao púlpito o rev.do abade de Cete, que escolhe para tema do seu sermão o tramo da Ladainha Lauretana – Causa nostrae laetitiae, ora pro nobis.
Após o sermão, canta-se o Tantum ergo e dá-se a bênção com o Santíssimo.
Por fim a Imagem de Maria é reconduzida para a capela das aparições, seguindo-a uma multidão inumerável, que a aclama cheia de entusiasmo e de ternura.
A Voz da Fátima é distribuída gratuitamente em número de muitos milhares de exemplares. É o rev.do Manuel Pereira da Silva, secretário de Nossa Senhora, como o povo crente o designa, que preside a esta distribuição. O benemérito e modesto sacerdote, preclaro ornamento do clero da sua diocese, anuncia a publicação no próximo número da Voz da Fátima, do relato interessantíssimo da cura maravilhosa dum distinto médico de Lisboa, vítima dum horrível desastre de motocicleta, o sr. dr. Acácio da Silva Ribeiro. “O meu desastre – como ele próprio diz numa carta endereçada ao administrador da Voz da Fátima – assombrou toda a gente que o conheceu e me visitou no Hospital, e algumas centenas de pessoas foram, contando-se algumas dezenas (mais de cinco ou seis) de médicos”.
Bendita seja a Virgem Nossa Senhora de Fátima, que no seu trono de misericórdia e de amor continua a espargir sobre os portugueses seus filhos os dons mais preciosos e as graças mais escolhidas, para glória de Deus e salvação das almas.
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