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10. DEPOIS DO GRANDE MILAGRE
(19 DE OUTUBRO DE 1917)
Interrogatório das crianças
No dia dezanove de Outubro de 1917, pela uma hora da tarde, parti para Fátima pela estrada de Leiria. Cheguei àquela povoação às três horas.
Na Cova da Iria, junto da azinheira das aparições, algumas piedosas mulheres do campo, ajoelhadas, rezam devotamente o terço. A azinheira, reduzida ao tronco, que tem pouco mais dum palmo de altura, está envolta em ramos de plantas silvestres e flores. A devoção dos peregrinos, que desejavam conservar uma recordação do arbusto, que servira de pedestal à Virgem, durante as aparições, aniquilou-o quase completamente. Tudo o mais se conserva no mesmo estado em que se via no dia onze, antevéspera da última aparição.
Dirigi-me em seguida a casa da família da Jacinta, onde se encontravam os três videntes, que estavam sendo submetidos a um interrogatório pelo rev.do José Ferreira de Lacerda, pároco da freguesia dos Milagres e director do semanário “O Mensageiro”, de Leiria, e actualmente alferes-capelão do Corpo Expedicionário Português, o qual tinha vindo à sua terra em gozo de licença e quis, antes de regressar a França, ver e falar com as crianças de Aljustrel. Acompanhavam o rev.do Lacerda outro sacerdote de Leiria e o pároco de Fátima. O número de visitantes das crianças aumenta de dia para dia. Vêm a toda a hora, dos pontos mais distantes e opostos do país. As crianças sentem-se bastante abatidas. A Lúcia sobretudo, devido a ser interrogada mais detidamente, acha-se de todo exausta, notando-se que o cansaço excessivo a obriga a responder a algumas das perguntas que lhe são feitas sem a atenção e reflexão que era para desejar. Responde às vezes quase maquinalmente, sucedendo com frequência não se recordar bem de certas circunstâncias das aparições, ao contrário do que sucedia antes do dia treze de Outubro. Se não há cuidado em poupar as crianças à fadiga das inquirições frequentes e demoradas, a sua saúde corre risco de sofrer um profundo abalo.
Com autorização prévia dos pais da Jacinta, em cuja casa tinha dormido a última noite a Lúcia, sua sobrinha, interroguei separadamente as três crianças na presença da senhora D. Maria Cândida Avelar e Silva e de suas filhas, as senhoras D. Laura de Avelar e Silva, D. Maria de Avelar e Silva e D. Leonor de Avelar e Silva Constâncio, da quinta da Comenda, Alcanhões (Santarém).
Comecei pelo interrogatório à Lúcia, que é do teor seguinte:
Interrogatório da Lúcia
– No dia treze do corrente Nossa Senhora disse que a guerra acabava nesse mesmo dia? Quais foram as palavras que empregou?
– Disse assim: “A guerra acaba ainda hoje, esperem cá pelos seus militares muito breve”.
– Ela disse: “Esperem cá pelos seus militares ou “Esperai cá pelos vossos soldados”?
– Disse: “Esperem cá pelos seus militares”.
– Mas olha que a guerra ainda continua!... Os jornais noticiam que tem havido combates depois do dia treze!... Como se explica isto, se Nossa Senhora disse que a guerra acabou nesse dia?
– Não sei. Só sei que lhe ouvi dizer que a guerra acabava no dia treze. Não sei mais nada.
– Algumas pessoas afirmam que te ouviram dizer nesse dia que Nossa Senhora tinha declarado que a guerra acabava brevemente. É verdade?
– Eu disse tal e qual como Nossa Senhora tinha dito.
– No dia vinte e sete do mês passado fui a tua casa falar contigo, lembras-te?
– Lembro-me de o ver cá.
– Pois nesse dia disseste-me que Nossa Senhora tinha dito que no dia treze de Outubro vinham também S. José e o Menino Jesus e que depois disso brevemente acabaria a guerra, não nesse dia.
– Não me recordo já bem como ela disse. Podia ter dito isso; não sei. Talvez não entendesse bem a Senhora.
– No dia treze do corrente mandaste ao povo que olhasse para o sol?
– Não me lembro de assim fazer.
– Mandaste fechar os chapéus?
– No outro mês atrás mandei. Da última vez não me lembro de ter mandado.
– Sabias quando devia começar o sinal no sol?
– Não.
– Olhaste para ele?
– Olhei; parecia que era a lua.
– Porque foi que olhaste para o sol?
Olhei, porque toda a gente disse que olhassem para o sol.
– Nossa Senhora disse que pediria a seu Divino Filho pelas almas dos soldados mortos na guerra?
– Não, senhor.
– Disse que o povo seria castigado, se não se emendasse dos seus pecados?
– Não me lembro se ela o disse. Parece-me que não.
– No dia treze não tinhas dúvidas como agora acerca do que a Senhora disse. Como se explicam as tuas dúvidas de hoje?
– Nesse dia lembrava-me melhor; tinha sido há menos tempo.
– Que viste há cerca dum ano? Tua mãe diz que tu e as outras crianças viram um vulto embrulhado numa espécie de lençol, que não deixava ver o rosto. Porque me disseste o mês passado que não foi nada?
! .....
– Dessa vez fugiste?
– Cuido que fugi.
– No dia onze deste mês não me quiseste dizer que no dia treze haviam de aparecer Nosso Senhor abençoando o povo e Nossa Senhora das Dores? Foi com receio de que eu fizesse troça de ti, como outras pessoas já tinham feito, dizendo que isso era impossível? Ou era porque estavam presentes muitas pessoas estranhas e tiveste acanhamento de dizer isso diante de tanta gente?
– ! .........
– Quando foi que Nossa Senhora te disse que se haviam de dar essas aparições no dia treze de Outubro?
– Foi no dia em que apareceu nos Valinhos ou no outro dia treze. Não sei bem.
– Viste também Nosso Senhor?
– Vi uma figura que parecia um homem; parecia Nosso Senhor.
– Onde estava essa figura?
– Estava ao lado do sol.
– Viste-a abençoar o povo?
– Não vi; mas Nossa Senhora tinha dito que Nosso Senhor viria abençoar o povo.
– Se o povo soubesse o segredo que Nossa Senhora te revelou, ficava triste?
– Cuido que ficava como está, quase à mesma.
Em seguida procedi ao
Interrogatório do Francisco
– Viste no dia treze deste mês Nosso Senhor abençoando o povo?
– Não vi. Vi, mas foi Nossa Senhora.
– Viste a Senhora das Dores e a Senhora do Carmo?
– Não vi. A Nossa Senhora parecia a que eu cá vi em baixo. Estava vestida do mesmo modo.
– Não olhaste para o sol?
– Olhei.
– Não viste S. José e o Menino Jesus?
– Vi.
– Estavam longe ou perto do sol?
– Perto do sol.
– De que lado do sol estava S. José?
– Estava do lado esquerdo.
– E de que lado estava Nossa Senhora?
– Do lado direito.
– Onde estava o Menino Jesus?
– Estava ao pé de S. José.
– De que lado?
– Não reparei de que lado.
– O Menino era grande ou pequenino?
– Era pequenino.
– Quando a Senhora estava sobre a carrasqueira ouvias o que ela dizia à Lúcia?
– Não ouvia.
– Ouvias o som da sua voz?
– Também não ouvia.
– Parecia que não falava?
– Parecia.
– Não a vias mexer os beiços?
– Não via.
– Não a vias rir-se?
– Também não.
– Viste os sinais do sol? Que foi que viste?
– Olhei e vi que o sol andava à roda. Parecia uma roda de fogo.
– Quando foi que apareceram os sinais, antes ou depois que a Senhora desapareceu ao pé da carrasqueira?
– Foi quando a Senhora desapareceu.
– Ouviste a Lúcia avisar o povo para que olhasse para o sol?
– Ouvi. Deu um grito que olhasse o povo para o sol.
– Foi a Senhora que a mandou avisar o povo, para que olhasse para o sol?
– Foi. A Senhora apontou com o dedo para a banda onde está o sol.
– Quando foi que fez isso?
– Foi quando desapareceu.
– Os sinais do sol começaram logo?
– Começaram.
– Quais foram as cores que viste no sol?
– Vi cores muito bonitas, azul, amarelo e outras.
A inquirição da Jacinta efectuou-se no percurso de Aljustrel a Fátima, ouvindo-a também a senhora D. Leonor de Avelar Constâncio, que levava a criança pela mão, atrás da Lúcia e do Francisco, que eram acompanhados pelas outras senhoras acima mencionadas.
Eis o relato do seu interrogatório.
Interrogatório da Jacinta
– No dia treze do corrente viste ao pé do sol Nosso Senhor, a Senhora das Dores e a Senhora do Carmo?
– Não vi.
– Mas a onze deste mês disseste-me que deviam aparecer.
– Disse. A Lúcia é que viu outra Senhora, eu não.
– Viste S. José?
– Vi. A Lúcia disse que S. José estava dando a paz.
– Olhaste para o sol?
– Olhei.
– E que é que viste?
– Vi o sol encarnado, verde e doutras cores e vi que andava à roda.
– Ouviste a Lúcia avisar o povo para que olhasse para o sol?
– Ouvi. Ela disse numa voz muito alto que olhassem para o sol. O sol andava à roda.
– Foi a Senhora que a mandou avisar o povo?
– A Senhora não disse nada.
– Que disse a Senhora desta última vez?
– Disse: “Venho aqui para te dizer que não ofendam mais a Nosso Senhor, que está muito ofendido, que, se o povo se emendar, acaba a guerra, e, se não se emendar, acaba o mundo.” A Lúcia ouviu melhor do que eu o que a Senhora disse.
– Disse que a guerra acabava nesse dia ou que acabava brevemente?
– Nossa Senhora disse que, quando chegasse ao Céu, acabava a guerra.
– Mas a guerra ainda não acabou!...
– Acaba, acaba.
– Mas então quando acaba?
– Cuido que acaba no Domingo.
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