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3. FÁTIMA
CENTRO DOS CORAÇÕES
O trono de Jesus e Maria
Raiou enfim o dia treze de Outubro de 1925, tão ansiosamente esperado, qual dia formosíssimo e delicioso de Primavera, alegre e feliz, cheio de graça e encantos, como um mimo inestimável do Alto, espargindo a flux sobre a terra, recém-saída das sombras nocturnas, torrentes de luz suave e pura, que deleitava os olhos e inebriava as almas.
Mais uma vez a charneca sagrada de Fátima vai ser teatro de grandiosas manifestações de fé e piedade cristã. De todos os recantos de Portugal, desde as veigas encantadoras do Minho até aos campos fertilíssimos do Algarve, das cidades, vilas e aldeias, centenas de milhar, porventura milhões de corações, volvem-se para essa estância bendita, num impulso irresistível de devoção ardente e acrisolada.
Fátima é hoje, incontestavelmente, na nossa querida Pátria, o trono mais esplendoroso de Jesus no seu Sacramento de Amor e o centro mais augusto de devoção para com a Virgem Santíssima.
E assim se explica que as multidões dos crentes se precipitem sem cessar, em catadupas gigantescas, sobre a charneca árida e interminável da serra de Aire, onde só medra o pinheiro bravo e mal vegetam a urze e a azinheira.
Foi ali, com efeito, naquele solo abençoado, que, há precisamente oito anos, a gloriosa Rainha dos Anjos pousou os seus pés virginais para anunciar a três humildes pastorinhos a necessidade do arrependimento e da penitência a fim de conjurar os castigos divinos prestes a cair sobre nós, em expiação dos culpas individuais e das iniquidades colectivas.
A velada de armas
No dia doze à tarde começam a chegar a Fátima, como guarda avançada dum poderoso exército, as primeiras caravanas de peregrinos. São homens, mulheres e crianças das classes mais humildes da sociedade, que a pé, a cavalo ou em carros, percorre enormes distâncias para poderem retemperar a sua fé e desafogar os seus sentimentos de piedade, ainda antes da chegada do grosso da peregrinação, aos pés da branca estátua da Augusta Rainha do Santíssimo Rosário, na minúscula mas graciosa capela das aparições.
Durante a noite, sobretudo às primeiras horas, a Cova da Iria e as suas imediações oferecem um espectáculo curioso e sobremaneira encantador. São milhares de sombras que se movem, como estranhos fantasmas, na escuridão da noite, à luz pálida das estrelas, ora isoladamente, ora em grupos, por vezes numerosos, para irem render as suas homenagens à Rainha do Céu no próprio local em que ela se dignou aparecer.
A cada instante chega aos nossos ouvidos o brando cicio das preces dum grupo que passa a pequena distância ou o eco longínquo dum cântico popular em honra da Virgem. Toda a noite – a noite de vigília, – junto da capela comemorativa das aparições, os turnos de peregrinos sucedem-se uns aos outros, recitando devotamente as suas orações ou cantando com entusiasmo os seus cânticos religiosos.
Do alto da estrada distrital, a Cova da Iria, com os milhares de velas que os romeiros levam na mão, parece um lago imenso de luz, em que a abóbada celeste reflecte, como num espelho, as miríades de estrelas que polvilham a sua superfície.
Aqui e acolá, ao pé duma árvore, debaixo dum carro ou junto dum valado, estão deitados sobre mantas ou esteiras inúmeros devotos que descansam das fadigas duma longa viagem e se preparam com um sono reparador para assistir com mais proveito espiritual às solenidades do dia seguinte.
Como são belas e admiráveis as almas generosas dos nossos valentes serranos que, obedientes à voz da Virgem, ali vão, à terra bendita das aparições, num grande espírito de fé e num propósito consciente de expiação e resgate, fazer penitência por si e pelos seus irmãos transviados e, reparando os crimes nacionais, implorar a salvação da Pátria!
O comboio especial
Pouco depois da meia-noite, partiu de Lisboa, da estação do Rossio, um comboio especial, expressamente organizado pela Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses para conduzir a Fátima os peregrinos da capital. Este comboio teve uma curta paragem em todas as estações para receber os peregrinos das diversas terras situadas ao longo do percurso. Às cinco horas e meia da manhã, chegou, sem nenhum incidente desagradável, à estação terminus – o novo apeadeiro de Seiça-Ourém, inaugurado no dia quatro do corrente mês entre as estações de Chão de Maçãs e Caxarias.
Na estação do Rossio tomaram lugar no comboio especial centenas de passageiros, não se tendo enchido logo completamente todas as carruagens, porque a maior parte dos peregrinos de Lisboa e do Sul do país haviam partido nos comboios da véspera, tanto da linha do Norte, em direcção a Torres Novas e Chão de Maçãs, como da linha de Oeste, com destino a Leiria
Os servitas de Santarém
Quando parou no apeadeiro de Seiça, o comboio estava completamente cheio. Dezoito servitas, membros da Associação Nun’Álvares de Santarém, que tinham embarcado na estação daquela cidade, prestaram relevantes serviços, com um zelo e dedicação inexcedíveis, à chegada do comboio especial.
Sob as ordens de dois chefes delegados da direcção daquela benemérita colectividade, ajudaram a conduzir os enfermos para os diversos meios de transporte que estacionavam no largo terreiro situado em frente do apeadeiro. Correctos e delicados no seu trato, cheios de caridade para com as pobres vítimas de tamanhas misérias humanas, desempenharam a sua rude tarefa de maqueiros voluntários com uma perfeição verdadeiramente admirável, que mereceu os encómios de todas as pessoas que foram testemunhas da sua acção.
Bem hajam os simpáticos jovens católicos da Associação Nun’Álvares de Santarém, que tão distintamente se assinalaram naquela jornada de glória, pela feliz iniciativa que tiveram de ir inaugurar o serviço de transporte dos enfermos da peregrinação nacional no apeadeiro de Seiça. O seu gesto nobilíssimo ficará para sempre registado em letras de ouro nos anais gloriosos de Nossa Senhora de Fátima e nos fastos brilhantíssimos da sua prestimosa instituição, honra e lustre da Juventude Católica Portuguesa.
A grande romagem
Assomam já no Oriente os primeiros alvores da madrugada. O espesso manto de trevas que envolvia o planalto sagrado dissipa-se como que por encanto. O ambiente, cuja temperatura descera uns poucos de graus durante as últimas horas da noite, não tarda que seja aquecido pelos raios suavemente tépidos do sol nascente.
À medida que as horas passam, o movimento de peões, cavaleiros e veículos intensifica-se duma maneira assombrosa, num crescendo cada vez maior.
Centenas e centenas de automóveis, desde os mais luxuosos e elegantes até aos de tipo mais modesto, camions, camionettes, chars-à-bancs, motocicletes, bicicletes, galeras, trens, charrettes, carroças, carros de bois, numa palavra, todos os meios de transporte, ainda os mais primitivos e extravagantes, são utilizados para a condução dos peregrinos, pejando a estrada e os terrenos adjacentes, numa extensão dalguns quilómetros. A Cova da Iria apresenta aos que vão chegando um panorama deslumbrante, incomparável, único. Mais de cem mil pessoas, de ambos os sexos, de todas as idades e de todas as classes, cobrem literalmente o vasto espaço que medeia entre a estrada distrital e a capela das missas.
A Virgem Santíssima, através da sua linda Imagem, reprodução genial da Aparição, da casa Fânzeres, de Braga, parecia envolver num doce olhar de ternura maternal aquela multidão enorme, que vinha ali tributar-lhe, em nome de Portugal fidelíssimo, a homenagem que lhe era devida como sua Rainha e Padroeira e solicitar da sua omnipotência suplicante tesouros de graças e bênçãos preciosíssimas.
A Capela das Aparições
São dez horas da manhã, A circulação de veículos na estrada torna-se quase impossível. A dupla fila deles, que se formou desde as primeiras horas do dia, é cada vez mais comprida. Na capela das aparições os fiéis rezam as suas orações, cumprem as suas promessas ou tocam objectos de piedade, como terços e medalhas, na branca estátua da Virgem do Rosário. Homens, mulheres e crianças, sem distinção de classes, empunhando velas acesas, dão, uma e mais vezes, de joelhos, a volta à capela, em cumprimento de votos feitos em horas de angústia, rompendo a custo por entre a mole densíssima de povo que a rodeia. Sob o alpendre, por detrás do histórico santuário, alguns servitas procedem à distribuição gratuita de cinquenta mil exemplares da “Voz da Fátima”.
É naquele local, aos pés da veneranda Imagem de Nossa Senhora do Rosário, que se avalia e, por assim dizer, se apalpa a intensidade da crença do bom povo português. Pessoas de todas as categorias sociais, numa amálgama nivelador inspirado por um vivo sentimento de igualdade e fraternidade cristã, ali se juntam, a cada instante, erguendo os olhos e as mãos suplicantes para Aquela que é justamente chamada o refúgio dos pecadores e a saúde dos enfermos.
E a vaga humana, túmida e encapelada, circula continuamente num fluxo e refluxo cadenciado, desde as proximidades da fonte miraculosa até à parte posterior da capela comemorativa das aparições. Feliz o povo que crê e ora assim!
A fonte miraculosa
Em volta da fonte miraculosa, que brotou, cristalina e abundante, a poucos passos da azinheira sagrada, depois da primeira missa campal, uma multidão inumerável fervilha desde manhã cedo, na ansiedade irreprimível de fazer larga provisão da água benéfica e salutar. A forma circular da fonte prodigiosa facilita bastante a aquisição do precioso líquido, que jorra copiosamente por quinze grandes torneiras de metal amarelo, que simbolizam pelo seu número os quinze mistérios do Santíssimo Rosário. Algumas torneiras só podem ser utilizadas por aqueles fiéis que se limitam a beber água no próprio local em que ela é fornecida.
A ligeira impaciência dos mais apressados é facilmente contida pelos servitas, que regulam, ao mesmo tempo com prudência e firmeza, o difícil acesso às torneiras. O aprovisionamento da linfa maravilhosa dura horas compridas, intermináveis, desde as primeiras da manhã até às últimas da tarde. Os peregrinos enchem recipientes de todos os tamanhos, que levam consigo para as suas terras distantes com a fagueira esperança de provocar, mediante a aplicação da água, a cura dalguma pessoa de família ou de amizade ou, ao menos, proporcionar um pouco de lenitivo aos seus sofrimentos.
A Capela das Missas
Aproxima-se o meio-dia solar, a hora dos sucessos misteriosos dos colóquios inefáveis entre a Virgem e os videntes, nos páramos desertos e escalvados de Fátima.
A multidão, que se reúne e comprime em frente da capela das missas, é agora mais densa do que nunca. Rios, ribeiros e regatos humanos descem, sem solução de continuidade, por todos os caminhos, veredas e atalhos, da periferia para o centro do vasto anfiteatro formado pelo local das aparições. Desde o raiar da aurora, as missas sucedem-se umas às outras sem interrupção nos dois altares da capela. À primeira missa que se celebrou assistiram os servos de Nossa Senhora do Rosário e um grupo numeroso de escuteiros católicos de Leiria, que receberam com uma piedade edificante o Pão dos Anjos.
Enquanto se celebram as missas, diversos sacerdotes distribuem a Sagrada Comunhão a milhares de fiéis que, para a poderem receber com devidas disposições, se tinham preparado, nas suas terras ou durante a viagem, com a recepção do Sacramento da Penitência, acusando as suas culpas aos pés do ministro do Senhor e expiando-as no cadinho duma contrição sincera e salutar.
Os enfermos
Entretanto os enfermos à medida que vão chegando ao local, dirigem-se para o respectivo pavilhão, erecto em frente da capela. Os paralíticos e os doentes, cujo estado é mais grave, são conduzidos em macas pelos servitas. Mas o seu número é tão avultado que as macas são insuficientes para a condução rápida de todos. Como expediente de ocasião, sugerido pela necessidade, dois servitas de Santarém, jovens de porte distinto e maneiras delicadas, dão-se as mãos e formam com os braços uma espécie de cadeira, em que transportam uma senhora paralítica, que tinha vindo da Beira Baixa em automóvel e cujo marido testemunha o seu reconhecimento e a sua comoção com a voz entrecortada pelos soluços e com os olhos marejados de lágrimas.
As macas são colocadas no chão, dum e doutro lado, em frente da capela. Nas bancadas do pavilhão sentam-se indistintamente os demais doentes. Em breve nem um só lugar se encontra vago. Aquele hospital improvisado dum dia alberga nesse momento cerca de mil vítimas de todas as misérias físicas que torturam a humanidade.
São tuberculosos, paralíticos, cegos, cancerosos, epilépticos, enfermos de toda a espécie, que a fé conduziu àquela estância bendita da esperança. É que ali a augusta Mãe de Deus não raro lhes mitiga as dores ou cura os males de que padecem, derramando sempre sobre todos graças preciosíssimas de conforto e resignação. E por isso nunca doente algum, animado de genuíno espírito cristão, se arrependeu de ter percorrido a dolorosa via sacra da peregrinação a Fátima.
A estátua da resignação
Entre as senhoras enfermas há uma que, mais que qualquer das outras, atrai particularmente a atenção de todos os circunstantes. Tuberculosa em último grau, tão magra que semelha um esqueleto, de rosto atrofiado pelo sofrimento, dir-se-ia a estátua viva da resignação cristã. Exausta de forças, sem alento e sem vida, desprezada como um mísero farrapo humano, que para nada serve e de que todos se afastam num egoísmo cruel com receio do contágio, sente-se feliz naquele lugar bendito em que a caridade exerce sobrenaturalmente o seu império.
Muito nova ainda, casada de há poucos anos, conforma-se com a santa vontade de Deus, esperando tranquilamente alguns alívios para o seu mal ou ao menos um sorriso de doce conforto da Divina Consoladora dos aflitos. À cabeceira, velando com todo o carinho por aquela a quem deu o ser, está sentado o pai, simpático e venerando ancião, patriarca duma numerosa família, em que florescem tradicionalmente a crença mais pura e as mais sólidas virtudes cristãs.
A multidão que cerca o pavilhão dos doentes ora com fervor pela cura de todos esses infelizes.
Milhares de almas boas, impulsionadas pela compaixão à vista de tamanhos infortúnios, procuram fazer violência ao Céu com as suas ardentes invocações a Jesus Sacramentado e com a recitação incessante do terço do Rosário.
Os servitas e os escuteiros
O serviço de fiscalização da entrada e acondicionamento dos doentes, organizado pelos servitas, que são quase todos do grupo de Torres Novas, é primorosamente dirigido pelos seus chefes. Dois médicos especialistas, dos mais distintos da capital, presidem a esse serviço, cada um na sua respectiva secção. Conjuntamente com os servitas, lado a lado, trabalham sem descanso os escuteiros de Leiria, que rivalizam com eles em esforço inteligente e extremada dedicação.
Quase todos na flor da idade, esbeltos e garbosos, respirando juventude e força, superiormente educados pela doutrina do escutismo estudada à luz dos princípios cristãos e pela livre sujeição a uma rígida disciplina militar, desempenham a sua espinhosa e delicada tarefa com acertado critério e com uma cordura extrema, na obediência total, completa, absoluta às ordens dos seus chefes. Duma gravidade irrepreensível no exercício das suas funções, sem embargo dos seus verdes anos, eles impõem-se aos jovens do nosso tempo como modelos acabados de submissão aos legítimos superiores e de respeito e cortesia para com todos.
A missa dos enfermos
É meio-dia solar em ponto. A assistência canta em uníssono o Credo de Lourdes, de Dumont, cujos acordes melodiosos se repercutem ao longe e ao largo, de quebrada em quebrada, por toda a extensão da montanha, como notas vibrantes dum hino de fé e de triunfo.
Em seguida um sacerdote sobe ao altar central para oferecer o Santo Sacrifício por todos os enfermos e peregrinos presentes e por todas as pessoas que queriam, mas por qualquer motivo não puderam ir nesse dia a Fátima.
Enquanto se celebra a missa, todos os assistentes, alternadamente com outro sacerdote que ocupa o púlpito, rezam o terço do Rosário, entremeado de preces, louvores e cânticos.
O silêncio – o silêncio dos momentos solenes – torna-se mais profundo. A comoção, que se lê em todos os rostos, é cada vez mais intensa. Os doentes associam-se à oração comum e a sua esperança reanima-se, cresce e fortifica-se.
Depois de cada dezena do Rosário, faz-se a breve e comovente súplica que a radiosa Aparição ensinou aos humildes pastorinhos de Aljustrel.
Chega o momento soleníssimo da consagração, que faz estremecer as almas e palpitar os corações. O filho de Deus humanado, à voz do seu ministro, torna-se presente sob as espécies eucarísticas tão real e perfeitamente como está no Céu, à direita de seu Eterno Pai.
O silêncio é agora completo. Apenas se percebem o ligeiro murmúrio das orações dalgumas almas piedosas e os suspiros abafados e os soluços a custo reprimidos dos pobres enfermos.
Ao toque da campainha, aquela mole imensa de crentes – o escol de Portugal cristão – prostra-se por terra e adora com o celebrante a Vítima Sacrossanta dos nossos altares.
Segue-se a comunhão do celebrante que, após alguns breves instantes, ministra o Pão dos Anjos a um grande número de fiéis que não tinham podido recebê-lo mais cedo.
A bênção dos enfermos
Terminara a missa.
Vai realizar-se a cerimónia mais bela e mais comovente desse dia para sempre memorável: a bênção do Santíssimo Sacramento aos enfermos.
Como outrora, ao percorrer as cidades, vilas e aldeias da Palestina, ensinando a todos o caminho do Céu e prodigalizando bênçãos e graças, o Divino Mestre, agora oculto sob o véu das espécies sacramentais, pertransit benefaciendo, passa igualmente fazendo o bem.
Está ali, encerrado na magnífica custódia de ouro, visível aos olhos do espírito iluminado pela luz da fé, aquele mesmo Jesus que, durante a sua vida pública perdoava os pecados, curava as doenças e aliviava toda a sorte de misérias.
A crença viva daquela multidão no dogma sublime e altamente consolador da presença real, a sua confiança inabalável no poder e na bondade de Jesus no Santíssimo e Augustíssimo Sacramento da Eucaristia e o seu amor ardente a quem tanto amou os homens e por eles se sacrificou, padecendo e morrendo numa cruz de ignomínia, reflectem-se nos olhos de todos os que têm a ventura de assistir a esta cena augusta e inefável.
As invocações
No púlpito o sacerdote que preside às cerimónias começa a fazer, numa voz forte e bem timbrada, as invocações de Lourdes:
Senhor, nós vos adoramos!
Senhor, nós temos confiança em vós!
Vós sois o meu Senhor e o meu Deus!
Vós sois a Ressurreição e a vida!
Senhor, cremos em Vós, mas aumentai a nossa fé!
Senhor, dizei uma só palavra e serei curado!
Canta-se o Parce Domine – que é simultaneamente uma oração e um acto de arrependimento – e, em seguida, continuam as invocações, sempre enternecedoras, mas agora mais movimentadas, mais veementes, mais do fundo da alma:
Senhor, aquele a quem amais está doente!
Ó Deus, vinde em nosso auxílio, vinde depressa socorrer-nos!
Senhor, fazei que eu veja!
Senhor, fazei que eu ande!
Senhor, fazei que eu ouça!
Saúde dos enfermos, rogai por nós!
Estas invocações, três vezes repetidas por dezenas de milhar de bocas, reboam formidáveis, como outros tantos gritos de angústia, naquele templo imenso, sem pavimento e sem cúpula, procurando forçar o Céu a condoer-se da infeliz e lastimosa legião de farrapos humanos, que, de longe e com tanto sacrifício, ali vieram, cheios da mais doce confiança, implorar a misericórdia infinita do Senhor.
As últimas invocações são dirigidas a Nossa Senhora e concluem com a breve súplica pela nossa Pátria, que traduz sem dúvida a causa final das aparições:
“Nossa Senhora do Rosário, salvai-nos e salvai Portugal!”
A assistência repete com ardor, com entusiasmo, com transporte, essas invocações. São brados de alma que se elevam no espaço, estuantes de expressão, são gritos de angústia que anelam penetrar o Céu, são súplicas de fogo que saem de peitos alanceados pela compaixão ou ulcerados pela dor e que sobem confiada e humildemente até aos pés de Deus.
E os doentes, de mãos postas e olhos fitos na Hóstia Santa e Imaculada, traduzem com as suas súplicas e com as suas lágrimas, os sentimentos de fé, esperança e amor que abrasam os seus corações.
O anjo do conforto parece ter descido àquela efémera mansão de dor e roçado com as suas asas brancas de neve os corpos macerados por tantos e tão grandes sofrimentos visíveis e as almas atormentadas por um sem número de fundas mágoas e terríveis provações ocultas.
E aqueles rostos, estranhamente desfigurados pelo martírio físico ou moral, mas santamente transfigurados pela resignação, reflectem um misterioso clarão de Paraíso, o consolo duma doce esperança e a paz suavíssima de Deus.
O celebrante traça, finalmente, com o ostensório de ouro, o sinal da cruz sobre as legiões inumeráveis de fiéis ajoelhados a seus pés em atitude de adoração.
Sobe ao púlpito o dr. Luis Castelo Branco, o glorioso sobrinho de Camilo, que num rapto de eloquência sagrada, entre as lágrimas de comoção da assistência, celebra as glórias imarcescíveis de Maria Santíssima e canta um formoso hino à Pátria, implorando para ela as bênçãos do Céu.
Organiza-se de novo a procissão que reconduz a estátua de Nossa Senhora do Rosário da capela das missas para a das aparições. Milhares de fiéis tomam parte nesse cortejo imponente. O entusiasmo faz vibrar intensamente as almas e traduz-se numa manifestação que atinge as proporções duma verdadeira apoteose.
As curas
Súbito começam a circular de grupo em grupo rumores vagos de curas miraculosas. Aqui é uma criança de dois anos, cega de nascença, que diante da Imaculada Virgem, adquire de repente o uso perfeito do sentido da vista, no meio da estupefacção dos pais, que choram de alegria e de gratidão.
Acolá é um paralítico que caminhava dificilmente com o apoio de duas muletas e com o auxílio de pessoas amigas e que, tocando com a mão no andor da Virgem, recupera subitamente o movimento dos membros inferiores.
Mais além é uma senhora tuberculosa que, depois de muitos anos de sofrimentos indizíveis, alcança a saúde tão desejada, sentindo circular nas suas veias uma nova vida, que a omnipotência divina infundiu no seu corpo exausto e quase inerte.
São curas completas ou melhoras consideráveis de doenças reputadas humanamente incuráveis, que enchem de assombro e funda comoção os que delas têm conhecimento.
Mas como averiguar a exactidão dos factos que se narram, quer na sua substância, quer nas circunstâncias em que se verificaram, no meio daquela babilónia de cerca de duzentas mil pessoas?!
Que os privilegiados da Virgem não se esqueçam de cumprir o rigoroso dever que lhes incumbe de comunicar à respectiva comissão canónica, por intermédio do jornal “Voz da Fátima”, a notícia das curas de que foram objecto.
Quantas graças desta natureza ficam sepultadas, por descuido, no pó do esquecimento, com prejuízo da glória de Deus e sem proveito para as almas!
É, pois, mister que a notícia dessas curas, logo que elas se realizem, seja enviada, com os pormenores considerados interessantes, ao rev.do dr. Manuel Marques dos Santos, promotor fiscal da comissão canónica e professor de ciências eclesiásticas no Seminário de Leiria.
O êxodo dos peregrinos
Principia então a debandar o grosso da peregrinação. Pouco a pouco vão-se descongestionando os recintos das capelas e as imediações da fonte miraculosa. Na estrada distrital circulam outra vez milhares de veículos.
A ordem mais perfeita naquela multidão tão variada, naquele oceano infinito de povo que parece obedecer, em todos os seus movimentos, a uma voz única de comando, como um exército disciplinado num vasto campo de batalha.
E todos os peregrinos lá se vão, cheios de saudade do dia inolvidável que passaram no planalto sagrado de Fátima, no meio duma atmosfera saturada de sobrenatural, mais longe da terra, mais perto do Céu!
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