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10. A CIDADE DA VIRGEM
AOS PÉS DE MARIA
(13 DE AGOSTO DE 1927)
A grande peregrinação do Porto
Apostolado da Oração de Paranhos
O rev.do Dr. Manuel Pereira da Silva
Solene tríduo de preparação
O santo dr. Francisco Cruz
Missa de Comunhão Geral
No dia treze do mês de Setembro do ano findo, a nobre e gloriosa cidade da Virgem trouxe algumas dezenas de seus filhos, em terna e piedosa romagem, aos pés da sua augusta Padroeira, erguida em trono de misericórdia e de amor no venerando Santuário de Fátima.
Muitos doentes, alguns em estado bastante grave, acompanharam a peregrinação, a fim de implorarem a cura de seus males e, Aquela que com razão é chamada a Saúde dos enfermos – Salus infirmorum – envolveu-os num doce olhar, curando uns, melhorando outros, confortando e consolando todos com a ternura inefável do seu coração maternal.
A notícia dos inúmeros favores extraordinários com que essa minúscula mas bem organizada peregrinação, que não perfazia um total de cinquenta pessoas, foi privilegiada pela Mãe da Divina Graça, espalhou-se com uma rapidez prodigiosa pela região do norte do país e, ao mesmo tempo que propagava a devoção a Nossa Senhora de Fátima, suscitava a ideia duma nova romagem mais numerosa e mais imponente e aplanava o caminho para a sua realização.
E assim foi que a direcção do Apostolado da Oração de Paranhos, de acordo com o abade daquela freguesia, rev.do dr. Manuel Pereira da Silva, tomou a iniciativa de organizar uma peregrinação do Porto a Fátima, precedida da conveniente preparação religiosa.
Nos dias nove, dez e onze de Agosto efectuou-se, na linda e espaçosa igreja paroquial um tríduo solene, tendo pregado todos os dias o rev.do dr. Cruz, cuja fama de santidade atraiu àquele templo um concurso extraordinário de fiéis de todos os pontos da formosa capital do Norte. As verdades eternas e os preceitos da moral cristã foram expostos pelo orador com a proficiência e a unção que lhe são peculiares, tendo produzido as suas singelas mas substanciosas práticas frutos abundantes e ubérrimos de salvação.
No dia onze, pelas oito horas, celebrou-se a missa de Comunhão Geral, aproximando-se devotamente da mesa eucarística centenas de fiéis, na sua grande maioria peregrinos.
Para o brilho e relevo acentuadamente piedoso que tiveram estas solenidades e para a boa organização e êxito feliz da peregrinação – a primeira grande peregrinação do Norte, que levou a Fátima mais de seiscentos portuenses, contribuíram em larga escala o extremado zelo e dedicação do rev.do abade de Paranhos e do rev.do dr. Cruz, assim como o esforço incansável e a abnegação a toda a prova dos membros da direcção do Apostolado da Oração daquela freguesia, entre os quais, sem desprimor para ninguém, são dignos de especial referência, os srs. Joaquim José Esteves e António Costa.
Na estação de S. Bento
Partida do comboio especial
Durante a viagem
A nobre e linda princesa do Lis
Na vasta e majestosa Sé Catedral
Alocução de boas vindas do venerando
Antístite Leiriense
Bênção do Santíssimo
A partida do comboio especial, que havia de conduzir os peregrinos do Porto à encantadora princesa do Lis, estava marcada para a uma hora da tarde. Pouco depois do meio-dia começaram a afluir à estação de S. Bento os peregrinos, a quem era facultado o ingresso na gare mediante a apresentação da competente senha de inscrição. Os chefes dirigiram o serviço com serenidade e cordura tão difíceis de manter em tais ocasiões e os peregrinos esmeravam-se na obediência pronta às instruções que lhes eram dadas.
Só quase às duas horas os últimos peregrinos conseguiram ocupar os seus lugares.
Na plataforma, parentes e pessoas das relações dos peregrinos, em grande número, faziam as suas despedidas. Momentos depois o chefe da estação dá o sinal da partida, ouve-se o silvo estridente da locomotiva e o comboio especial larga a todo o vapor na direcção do sul, transpondo montes e vales na sua marcha veloz em demanda da região das maravilhas divinas, a terra sagrada e mil vezes bendita de Fátima.
Durante a viagem os peregrinos nas suas respectivas carruagens rezam o terço em comum, geralmente sob a presidência dum sacerdote, e cantam piedosos hinos de louvor à Virgem. O chefe do comboio procede à revisão dos bilhetes, usando sempre duma gentileza e amabilidade cativantes para com todos os passageiros, sem por isso deixar de cumprir conscienciosamente os seus deveres profissionais. Nalgumas estações o comboio pára, com curta demora, a fim de receber novos peregrinos ou por exigências do serviço ferroviário.
Durante o percurso os empregados das estações e as demais pessoas que estacionam nas plataformas acolhem com visíveis demonstrações de respeito e benevolência, se não de simpatia, a passagem da peregrinação ao nosso primeiro santuário nacional.
Às sete horas da tarde o comboio entra nas agulhas da estação de Leiria. A gloriosa cidade episcopal debruça-se sobre as mansas águas do rio Lis para nelas ver retratados os seus encantos e do alto do seu velho e histórico castelo, de ameias arruinadas, contempla absorta em êxtase, a vasta planície, rica de hortas e pomares, povoada de aldeias e casais, que se estende a seus pés por léguas e léguas sem conto. Veículos de todas as espécies e tamanhos transportam para Leiria a onda humana que o comboio despejou e, meia hora depois, era cheio de encanto o espectáculo que oferecia a Sé Catedral, que tinha vestido as suas melhores galas para receber festivamente no seu seio a grande e luzida embaixada da cidade da Virgem.
Centenas de lâmpadas eléctricas iluminavam o vasto recinto, que comportava uma multidão imensa composta de peregrinos e de habitantes da cidade que com eles queriam confraternizar, desde a primeira hora, aos pés de Deus e junto do altar de Maria.
O venerando e ilustre Prelado, sua Excelência Reverendíssima o Senhor D. José Alves Correia da Silva, aproveita o ensejo para, numa breve e eloquente alocução, verdadeiramente paternal, impregnada de fé e ditada pelo seu bondoso coração de Pastor de almas, dar as boas vindas aos seus hóspedes dalguns dias e recomendar-lhes que façam a sua romagem com espírito de piedade e penitência.
A bênção do Santíssimo pôs remate a esta singela mas comovente recepção, dirigindo-se logo muitos peregrinos para Fátima e ficando outros ainda durante algum tempo em Leiria para jantar ou descansar.
Uma respeitável senhora desta cidade, num rasgo altamente simpático de rara gentileza, ofereceu um grande cesto com deliciosa fruta das suas propriedades, para que os peregrinos mais sequiosos se refrigerassem comendo-a por ocasião da sua chegada.
Ascensão da montanha sagrada
Imponente e majestosa procissão das velas
Primeira adoração nocturna na
Cova da Iria
Preces e cânticos
Bênção do Santíssimo Sacramento
Missa de alva
Durante todo o dia de sexta-feira, véspera do décimo aniversário da antepenúltima aparição de Nossa Senhora aos pastorinhos, numerosos peregrinos, de todas as classes e condições sociais e de diversos pontos do país, percorrem, a pé ou em veículos de todos os feitios e tamanhos, as estradas que conduzem a Fátima.
Sobre a tarde, pela noite adiante e principalmente às primeiras horas da manhã, o concurso de peregrinos intensifica-se dum modo assombroso, despejando, como um rio gigantesco, verdadeiras catadupas humanas na vasta bacia do local das aparições,
Às nove horas da noite realiza-se mais uma vez a majestosa procissão das velas, a que imprime um singular realce a presença da maior parte dos peregrinos do Porto, a piedade sincera e profunda de todos os fiéis de ambos os sexos que nela tomam parte e a boa ordem e regularidade com que se desenrola, desde o princípio até ao fim, em que se canta o Credo de Lourdes.
O Rei do Céu e da terra, oculto sob as espécies de pão no seu Sacramento de Amor, a Santíssima e Augustíssima Eucaristia, é exposto pela primeira vez durante a noite na Cova da Iria à adoração dos fiéis sobre um trono de luzes e de flores armado com muita arte e raro gosto no altar mor da capela das missas.
É então que as almas eleitas ali presentes ou dispersas pelo país que, num rasgo de amor e generosidade, se ofereceram à justiça divina como vítimas de expiação pelas culpas individuais e pelas iniquidades colectivas da nossa Pátria, volvem os olhos ou o pensamento para Jesus-Hóstia – a Vítima por antonomásia – a fim de apresentarem ao Eterno Pai, em união com ele e no mesmo espírito de reparação e desagravo, o incenso rescendente das suas adorações e das suas súplicas, o ouro precioso do reconhecimento da realeza e dos direitos de Deus e a mirra agridoce dos seus sacrifícios, das suas renúncias e das suas imolações compensadoras.
No meio do silêncio e da solidão da noite, à luz de prata dum pálido e formoso luar, naquela estância privilegiada, onde cada pedra é testemunha dum prodígio do Céu, o espírito alheia-se mais facilmente das preocupações do mundo, a oração é mais intensa e fervorosa, o recolhimento torna-se mais profundo e a multidão, apesar do frio e do desconforto do local ao ar livre permanece de joelhos, rezando e cantando, num preito ardente de glória, amor e reparação ao Rei imortal dos séculos.
Após a hora de adoração em comum, a peregrinação do Porto, então já presente na quase totalidade dos seus membros, faz a sua hora privativa de adoração, guardando sempre o maior silêncio e dando inequívocas provas duma piedade sólida e bem formada.
Põe remate a estes cultos encendrados a Jesus-Hóstia a bênção com o Santíssimo Sacramento.
Por fim, às quatro horas e meia da manhã, começa a longa série de missas celebradas pelos sacerdotes peregrinos. A primeira é do rev.do dr. Manuel Marques dos Santos, professor no Seminário de Leiria e capelão-director da Associação dos servos de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.
Assistem a ela, entre outras pessoas, muitos escuteiros e servitas, que recebem, com a mais viva e edificante devoção, o Pão dos Anjos.
Peregrinação dos Riachos
Grupo de peregrinos de Torres Novas
Grupo da Murtosa
Fé e piedade dos peregrinos
Confissões e Comunhões
Riachos, pequena povoação laboriosa e profundamente cristã, situada entre a estação do Entroncamento e a vila de Torres Novas, enviou este mês a Fátima uma luzida representação para depor aos pés da Augusta Virgem do Rosário as homenagens da sua veneração e do seu amor filial.
Eram mais de cem os membros desta brilhante e piedosa embaixada, a que presidiu o venerando pároco, o rev.do Paulo Marques, sacerdote ilustre e zeloso, que vive todo entregue à pastoreação da grei que Deus confiou à sua guarda, cuidando com a maior solicitude e dedicação dos seus interesses espirituais e materiais.
Aproveitando o ensejo para visitarem o grandioso mosteiro da Batalha, padrão imortal das nossas glórias nacionais, os peregrinos, em vez de partirem directamente para Fátima, seguiram em camiões para Leiria, onde chegaram no dia treze de manhã e em cuja catedral ouviram a santa missa celebrada pelo venerando Prelado, que lhes fez uma comovente prática e lhes ministrou a Sagrada Comunhão.
De Torres Novas seguiu também para Fátima um apreciável número de romeiros, todos sócios da Associação da Juventude Católica daquela importante vila, constituindo um grupo presidido pela figura inconfundível de padre e pastor de almas que é o rev.do João Nunes Ferreira, pároco de S. Pedro de Torres Novas.
A Murtosa enviou igualmente ao local, que a Rainha dos anjos santificou com a sua presença visível, uma brilhante plêiade de filhos seus, que não recuaram perante as fadigas duma longa jornada em camião por estradas quase intransitáveis.
Edificava a todos a devoção dos peregrinos, sobretudo dos homens e rapazes, que se associavam sem respeitos humanos e com a maior gravidade e compostura aos actos de piedade colectiva.
As confissões de pessoas do sexo masculino, únicas até hoje autorizadas nos santuários da Cova da Iria nos dias treze, mercê da falta de sacerdotes disponíveis para atender todos os que precisam de recorrer ao tribunal da penitência, elevaram-se a muitas centenas e não foram mais numerosas, porque a maior parte dos peregrinos já se tinham preparado nas suas terras com a confissão sacramental para poderem fazer a Comunhão em Fátima.
Desde as cinco horas da madrugada até cerca das duas horas da tarde foi distribuído o Pão dos anjos a muitos milhares de fiéis, que para o receberem se colocavam em extensas filas duplas, cujas extremidades chegavam por vezes até ao meio da esplanada. Espectáculo sublime e arrebatador, que impressionava profundamente e comovia até às lágrimas.
O Posto das verificações médicas
No pavilhão dos doentes
Dedicação dos servos e servas de Nª Srª do Rosário
A miraculada Rosa de Jesus Morais, do Porto
Procissão da veneranda Imagem
A missa oficial
Bênção dos doentes
A afluência de doentes ao Posto das verificações médicas para ali serem observados e obterem a desejada senha de ingresso no respectivo Pavilhão não foi inferior à dos dois meses anteriores.
Preside ao serviço de inspecção médica o dr. Pereira Gens, da Batalha, director do Posto. O acesso é regulado pelos servitas e escuteiros, transportando aqueles os doentes e fiscalizando estes as entradas.
Perante os médicos vai desfilando a interminável série das vítimas de sem número de males físicos que afligem a pobre humanidade.
Os doentes, que tinham seguido uns por seu pé e outros em macas do Posto para o Pavilhão, rezam cheios de confiança, suplicando a cura das suas enfermidades ou ao menos o bálsamo do conforto celeste e a perfeita conformidade com a vontade de Deus.
Os servos e as servas de Nossa Senhora do Rosário rivalizam uns com os outros em dedicação, solicitude e carinho para com esses pobres membros padecentes da Igreja militante, multiplicando-se, por assim dizer, para atenderem a todas as suas necessidades.
Entre as pessoas que foram agradecer a sua cura a Nossa Senhora chama a atenção dos peregrinos uma rapariga de nome Rosa de Jesus Morais, moradora na rua de Costa Cabral, 150, Porto, que sofria dum tumor de natureza suspeita na região torácica e que se curou com fricções de água milagrosa de Nossa Senhora de Fátima, tendo apresentado atestado do dr. Forbes Costa.
À uma hora da tarde organiza-se, na forma do costume, a procissão da Imagem que é conduzida aos ombros dos servitas da capela das aparições para a capela das missas. O rumor produzido pelo fluxo e refluxo da multidão tomada de entusiasmo, que se comprime à passagem do cortejo, as preces e cânticos, os vivas e aclamações à Virgem, o acenar dos lenços, as palmas vibrantes e repetidas, constituem uma cena que não parece deste mundo e os olhos de todos inundam-se de lágrimas de funda comoção.
Seguem-se a missa oficial, o sermão pregado pelo eloquente abade de Cete, da peregrinação do Porto, e a bênção dos doentes, que renova a comoção geral.
Entre outros sacerdotes, acompanha Jesus-Hóstia o santo dr. Cruz, cujas orações os doentes solicitam mudamente, beijando-lhe a mão ungida e sagrada.
Terminam as cerimónias oficiais com a bênção geral e a procissão que reconduz a Imagem da Virgem à sua capela.
A debandada geral
No grandioso mosteiro da Batalha
O Santo Condestável D. Nuno Alvares Pereira
Gentileza e fidalguia da hospitaleira população de Leiria
Regresso da peregrinação do Porto
Primeiras peregrinações da Espanha
Quando a branca estátua da Virgem de Fátima foi novamente colocada sobre o seu pedestal, o rev.do abade de Cete tornou a erguer a voz clara, forte e bem timbrada, para celebrar os louvores de Maria e dirigir-lhe um adeus terno e saudoso em nome dos peregrinos da cidade invicta.
Terminada esta breve alocução de despedida, toda repassada de entusiasmo e de sentimento, principia a debandada geral dos peregrinos, que em número de muitos milhares se encontram na Cova da Iria. Uma grande parte deles, mormente os peregrinos do Porto, seguem sem demora para a histórica vila da Batalha, a fim de visitarem o templo monumental do mesmo nome, o grandioso mosteiro anexo e o túmulo do soldado desconhecido.
É precisamente neste dia que a Santa Igreja, cujas glórias estão entretecidas com as glórias de Portugal, celebra este ano a vigília da Assunção de Nossa Senhora ao Céu; em que as reduzidas hostes lusitanas alcançaram nos campos de Aljubarrota um dos mais assinalados triunfos de que há memória sobre os numerosos e valentes terços de Castela. Ao espírito do cristão e do patriota assoma neste dia, nimbado de luz e resplandecente de glória, a figura máxima da nossa epopeia nacional, o Santo Condestável D. Nuno Álvares Pereira.
Os peregrinos, depois da visita ao monumento, juntam-se no largo fronteiro e vão partindo pouco a pouco, para Leiria, onde a população os acolhe, como à vinda, com a mais cativante gentileza e a mais fidalga hospitalidade. Durante as primeiras horas da noite, depois de jantar, dirigem-se para a estação, à medida que chegam os veículos contratados para os transportar.
E lá vão, a caminho da cidade invicta, modelo consumado de fé viva e de trabalho indefesso, os passageiros do comboio especial, que iniciam a sua longa viagem de regresso às onze horas da noite, cansados do corpo, mas com as almas retemperadas para as lutas tormentosas da existência.
Para o dia treze do próximo mês de Setembro anuncia-se uma peregrinação de Lisboa e para o dia treze de Outubro seguinte a peregrinação diocesana de Viseu, uma grande peregrinação do Sul do país, presidida por um dos nossos mais ilustres Prelados, e duas peregrinações espanholas, uma de Bilbau e a outra de Salamanca.
Bem hajam os nossos irmãos de raça e de crença que, impulsionados pela fé que fez grandes os dois povos da Península, principiam já a confraternizar e a rivalizar connosco, em santa e salutar emulação, nas homenagens de piedade e de amor filial para com a augusta Virgem do Rosário, no seu glorioso santuário de Fátima!
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