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11. ÚLTIMOS INTERROGATÓRIOS
(2 DE NOVEMBRO DE 1917)
Interrogatório da Lúcia
– Não me tens querido dizer o que viste o ano passado. Provavelmente julgas que se trata de uma coisa sem importância que não vale a pena averiguar bem. Pois crê que estás enganada. Preciso de saber o que foi que viste então e como foi que as coisas se passaram.
– É certo que te apareceu um vulto branco?
– É.
– Em que sítio?
– Vi esse vulto no Cabeço, às Estrumeiras, ao pé da Cova da Iria.
– Quantas vezes o viste?
– Não me recordo quantas vezes.
– Viste-o no chão ou em cima de alguma árvore?
– Vi-o em cima de uma azinheira.
– O que te parecia esse vulto?
– Parecia-me uma pessoa embrulhada num lençol.
– Dirigiste-lhe a palavra?
– Não lhe disse nada.
– Andavas sozinha ou estavam contigo outras pessoas?
– Da 1ª vez eu andava com a Teresa do José Matias da Casa Velha, e com o Manuel do Justino Pereira.
– Eles também viram?
– Disseram que também tinham visto.
– Da 2ª vez quem estava presente?
– Estavam o Manuel do José das Neves, de Aljustrel, e o Manuel da Maria de Jesus, da Casa Velha.
– E da 3ª vez?
– Da 3ª vez andávamos só eu e o João Marto que disse que não tinha visto.
– O vulto estava de cada vez na mesma árvore?
– Apareceu em mais de uma árvore de cada vez.
– Como estava vestido?
– Estava todo vestido de branco. Eu não lhe via os braços nem os pés. – Quem viu primeiro o vulto?
– Os outros viram primeiro e disseram-me.
– Quanto tempo se demorou?
– Demorou-se pouco tempo.
– Disse alguma coisa?
– Não disse nada.
– Quem julgas que fosse esse vulto?
– Não sei o que era. – Era Nossa Senhora?
– Cuido que não era Nossa Senhora.
– É verdade que uma vez em que estavas a rezar o terço, o gado que apascentavas foi para o campo onde havia trigo e chícharo já crescido, sem que comesse nenhuma dessas plantas?
– É verdade.
– Quando foi que isso sucedeu?
– Não me recordo, mas parece-me que foi num Domingo.
– Não viste o gado comer o trigo e o chícharo?
– Não vi.
– Mas sabes com certeza que não comeu?
– Sei, porque um dos donos da propriedade disse que o gado não tinha dado perda.
– Afastaste o gado desse sítio?
– Afastámo-lo depois de rezar o terço.
– A quem pertencia a propriedade?
– Pertencia ao José Matias e a Francisco António da Casa Velha. São dois talhões pegados.
– Porque não afastaste o gado logo que o viste ir para o campo semeado?
– Não afastei logo porque queria rezar o terço.
– Não receavas que ele comesse o que estava semeado?
– Pensava que ele comia, mas deixei-o andar.
– Então não sabias que a tua obrigação era retirares imediatamente o gado para que ele não causasse dano?
– Já me confessei dessa falta.
– Ouvi contar que tinhas dito a uma pessoa que havias de viver mais de vinte anos. É verdade?
– Não me recordo.
– Antes de cada aparição vias algum relâmpago?
– Às vezes via um, outras vezes via dois. Os ares estavam turvos, como de trovoada.
– Da primeira vez que a Senhora te apareceu o céu estava sem nuvens?
– Não me recordo se havia nuvens.
– Quando a Senhora te apareceu da 1ª vez o que é que estavas a fazer?
– Rezei o terço antes de ela vir.
– Quando sucedeu a primeira aparição ajoelhaste-te ou ficaste de pé?
– Da primeira vez fiquei de pé.
– A Senhora vinha sempre envolta num esplendor?
– Vinha.
– De que cor era esse esplendor?
– Era muito claro, muito branco.
– O esplendor aparecia primeiro que a Senhora?
– Aparecia quase ao mesmo tempo que a Senhora.
– Da primeira vez pediste ao Francisco e à Jacinta que não dissessem à família nada do que tinham visto?
– Pedi.
– Porquê?
– Porque o ano passado minha mãe ralhou-me, quando eu lhe disse que tinha visto o vulto branco, e disse-me que eu andava a mentir.
– Tua mãe soube por ti da 1ª aparição?
– Não; foi pelo Francisco e pela Jacinta ou por pessoas a quem eles tivessem contado o que viram.
– Conta-me o que ouviste dizer à Senhora em Maio.
– Em Maio a Senhora disse que não tivéssemos medo porque não nos fazia mal. Perguntei-lhe donde era e ela disse-me que era do Céu. Perguntei-lhe o que queria e ela respondeu que fôssemos lá todos os meses de mês a mês e ao fim de seis meses dizia o que queria.
– Porque foste daí em diante ao local das aparições no dia 13 e não noutro dia de cada mês?
– Fui no dia 13 porque fazia um mês. Entendi que devia ir no dia 13, porque o dia da primeira aparição era 13.
– Fizeste-lhe mais algumas perguntas?
– Perguntei se íamos para o Céu e a Senhora disse que sim, mas que o Francisco devia rezar as contas.
– A Senhora disse mais alguma coisa?
– Talvez dissesse mais alguma coisa, mas não me lembro.
– O que foi que disse a Senhora em Junho?
– Disse que continuássemos a ir à Cova da Iria e que aprendêssemos a ler.
– Disse mais alguma coisa?
– Estava presente um filho do Manuel Carreira, da Moita, aleijadinho das pernas e das costas. Perguntei à Senhora se o curava, e ela disse que seria curado dentro de um ano. Já se curou pouco a pouco das costas. Perguntei também se a Senhora era servida converter uma mulher da Moita e ela disse que a converteria dentro de um ano.
– Que mais disse a Senhora?
– Não me recordo de mais nada.
– Que disse a Senhora em Julho?
– Disse que continuássemos a ir à Cova da Iria e que rezássemos o terço a Nossa Senhora do Rosário para que abrandasse a guerra, que só ela lhe poderia valer. Pedi à Senhora a cura de enfermos e a conversão de pecadores que me tinham recomendado e ela disse-me que melhoraria uns, outros não, e converteria uns, outros não.
– Disse mais alguma coisa?
– Não me recordo que tivesse dito mais nada nesse dia.
– Que disse a Senhora em Agosto?
– Em Agosto não fui lá.
– Mas que disse ela no domingo seguinte quando te apareceu no sítio dos Valinhos?
– Nos Valinhos disse que se não tivéssemos sido presas não seria o milagre tão conhecido e que teriam vindo S. José com o Menino dar a paz ao mundo e Nosso Senhor dar a bênção ao povo.
– Que mais disse Ela?
– Perguntei-lhe o que devia fazer ao dinheiro que se tinha juntado e ela disse que o levássemos em dois andores à Senhora do Rosário, nos dias das festas da Senhora do Rosário.
– Foste tu que te lembraste de fazer essa pergunta?
– Não; quem tinha o dinheiro é que me mandou fazer essa pergunta.
– A Senhora não disse mais nada?
– Tornei a pedir pelos doentes e pecadores recomendados e ela disse que uns seriam melhorados e outros convertidos dentro de um ano. Nesse dia não lhe perguntei mais nada.
– O que disse a Senhora em Setembro?
– Não me recordo do que Ela disse. Talvez fosse nesse dia que disse que em 13 de Outubro havia de vir S. José com o Menino e Nosso Senhor dar a bênção ao povo e Nossa Senhora do Rosário com um anjinho de cada lado e Nossa Senhora das Dores com um arco de flores.
– A treze de Outubro viste os anjinhos e o arco de flores?
– Não vi, não reparei, quando a Senhora apareceu ao pé do sol.
– O que disse a Senhora em Outubro?
– Perguntei-lhe o que me queria. Disse que não ofendessem mais a Deus Nosso Senhor, que já estava muito ofendido, que rezassem o terço a Nossa Senhora do Rosário que lhes perdoasse os pecados (sic), querendo ir para o Céu, e disse também que queria que fizessem ali uma capelinha à Senhora do Rosário ou que ela era a Senhora do Rosário. Eu não sei se ela disse “à Senhora do Rosário” ou “eu sou a Senhora do Rosário”.
– Que mais disse ela?
– Eu disse-lhe que tinha muitos pedidos de curas e conversões e ela disse que melhoraria e converteria uns, outros não.
– Não disse mais nada?
– Disse: “a guerra acaba hoje e esperem cá pelos seus militares muito breve”.
– Não disse que a guerra acabava logo que chegasse ao Céu?
– Não me recordo se disse que era logo que chegasse ao Céu.
– Nesse dia disseste ao povo que fechasse os chapéus?
– Não me recordo que o dissesse.
– Soltaste um grito dizendo ao povo que olhasse para o sol?
– Não me recordo que soltasse tal grito.
– É verdade que a Senhora apontou para o sol?
– Não me recordo que o tivesse feito.
– De que cor era o traje de Nossa Senhora ao pé do sol?
– O manto era azul e o vestido branco.
– E o de Nosso Senhor, o de S. José e o do Menino?
– O de S. José era encarnado, e o de Nosso Senhor e o do Menino penso que também eram encarnados.
– Quando foi que perguntaste à Senhora o que é que fazia para que o povo acreditasse que era ela que te aparecia?
– Perguntei-lhe umas poucas de vezes; a primeira vez que perguntei cuido que foi em Junho.
– Quando te disse o segredo?
– Parece-me que foi da 2ª vez.
Interrogatório da Jacinta
– O que foi que disse a Senhora da primeira vez que apareceu, no mês de Maio?
– A Lúcia perguntou o que lhe queria e ela disse que fôssemos lá de mês a mês até fazer seis meses e que no último mês diria o que queria.
– A Lúcia fez-lhe mais alguma pergunta?
– Perguntou se ela ia para o Céu e a Senhora disse que sim. Perguntou depois se eu ia para o Céu e ela disse que sim. Depois perguntou se o Francisco ia para o Céu e ela disse que sim, mas que havia de rezar as contas.
– A Senhora disse mais alguma coisa?
– Não me lembro que tivesse dito mais nada nesse dia. Foi dessa vez que o gado foi para os chícharos.
– Que disse a Senhora da segunda vez, em Junho?
– A Lúcia disse: O que me quer? A Senhora respondeu: quero que aprendam a ler.
– A Lúcia fez mais alguma pergunta?
– Pediu pelos doentes e pecadores e a Senhora disse que melhorava uns e os convertia, outros não.
– A Senhora disse mais alguma coisa?
– Naquele dia não disse mais nada.
– O que disse a Senhora em Agosto?
– Em Agosto não fomos lá.
– Queres dizer o que foi que a Senhora disse no domingo seguinte nos Valinhos?
– A Lúcia perguntou à Senhora se trazia o meu Manuel (um irmão da Jacinta que está servindo no exército em Cabo Verde) e ela disse que trazia cá todos.
– Que mais disse a Senhora?
– Disse que, se não abalássemos para Ourém, viria S. José e o Menino dar a paz ao mundo e Nossa Senhora do Rosário com dois anjinhos, um de cada lado.
– Que mais disse?
– Disse que fizéssemos dois andores e que os levássemos à festa da Senhora do Rosário, que eu, a Lúcia e mais duas meninas vestidas de branco levássemos um e o Francisco com três rapazes levasse o outro.
– Disse mais alguma coisa?
– Não disse nada.
– Que disse a Senhora em Setembro?
– Não me recordo.
– Que disse a Senhora em Outubro?
– A Lúcia disse: “Que me quer”? A Senhora respondeu: “não ofendam mais a Nosso Senhor que estava muito ofendido”. Disse que perdoava [sic] os nossos pecados, querendo ir para o Céu. Disse também que rezasse a gente o terço. Disse que esperassem cá os militares muito breve e que acabava a guerra naquele dia. Disse que fizesse a gente lá uma capela e não sei se disse “à Senhora do Rosário” ou que “ela era a Senhora do Rosário”.
Novo interrogatório da Jacinta
No mesmo dia dois de Novembro, antes do precedente:
– De que lado estava o Menino Jesus quando o viste no dia treze de Outubro ao pé do sol?
– O Menino Jesus estava no meio, ao lado direito de S. José, ficando Nossa Senhora do lado direito do sol.
– A Senhora que viste ao lado do sol era diferente da que viste sobre a carrasqueira?
– A Senhora que estava ao pé do sol tinha fato branco e manto azul, a que eu vi ao pé da carrasqueira tinha o fato e o manto brancos.
– De que cor eram os pés da Senhora que apareceu na carrasqueira?
– Os pés da Senhora eram brancos, cuido que ela trazia meias.
– De que cor era o fato de S. José e o do Menino?
– O de S. José era encarnado, o do Menino parece-me que era também encarnado.
– Quando foi que a Senhora revelou o segredo?
– Cuido que foi em Julho.
Interrogatório do Francisco
– De que lado estava o Menino Jesus quando o viste ao pé do sol?
– Estava mais perto do sol, do lado esquerdo dele, mas do lado direito de S. José.
– A Senhora que viste ao pé do sol era diferente da que viste sobre a carrasqueira?
– A Senhora que estava ao pé do sol parecia a mesma que eu cá vi em baixo.
– Viste Nosso Senhor abençoando o povo?
– Não vi Nosso Senhor.
Novo interrogatório da Lúcia
Antes do precedente no mesmo dia.
– O que a Senhora trazia nos pés eram meias? Tens a certeza disso?
– Cuido que eram meias, mas podiam não ser.
– Tu nunca disseste o segredo, nem mesmo disseste que o povo ficava triste se o soubesse. O Francisco e a Jacinta dizem que ficava triste. Se tu não podes dizer isso, também eles o não podiam dizer. Que te parece?
– Não sei se eles deviam ou não dizer, que o povo ficava triste. Nossa Senhora disse que não devíamos dizer nada a ninguém. Por isso não posso dizer nada.
– Tu disseste uma vez que a Senhora tinha meias brancas. Então eram as meias ou eram os pés?
– Se eram meias, eram brancas, mas eu não sei ao certo se eram meias ou se eram os pés.
– A saia era sempre do mesmo comprimento?
– A saia da última vez parecia mais comprida.
Breve interrogatório da Lúcia
A três de Novembro
– Quando foi que a Senhora te ensinou a oração que devias rezar depois de cada mistério?
– Parece-me que foi no terceiro mês.
– Quantas foram as pessoas que a Senhora prometeu curar e converter?
– Eu pedi por muitas e ela disse que curava e convertia umas, outras não.
– Quantas vezes lhe fizeste esse pedido?
– Parece-me que foi cinco vezes, ora por umas pessoas, ora por outras.
Interrogatório de João Marto
De 14 [sic, por 11] anos de idade, irmão do Francisco e da Jacinta.
– A 19 de Agosto, com quem andavas tu a apascentar o gado nos Valinhos?
– Andava com o Francisco e a Lúcia.
– A Jacinta também estava presente?
– Não estava.
– A Lúcia pediu-te que a fosses chamar?
– Pediu.
– O que foi que ela te disse?
– Disse-me que fosse chamar a Jacinta, porque parecia que ia aparecer Nossa Senhora.
– E tu foste logo chamá-la?
– Não; eu não queria ir, mas a Lúcia deu-me um vintém para que eu fosse, e então fui.
– A Jacinta estava em casa?
– Não estava; só encontrei lá a mãe, minha irmã estava à porta da casa da Lúcia.
– Ela quis ir de boa vontade aos Valinhos?
– Quis.
– Quando chegaram, o que estavam fazendo a Lúcia e o Francisco?
– Estavam sentados, mas levantaram-se quando chegámos.
– O que fizeram depois?
– A Lúcia disse à Jacinta que olhasse para onde parecia que devia aparecer Nossa Senhora. A Jacinta pôs-se a olhar para esse lado.
– Puseram-se todos de joelhos?
– Não; todos estavam de pé. A Lúcia não ajoelhou.
– Viste alguma coisa?
– Não vi nada. Só ouvi a Lúcia falar com Nossa Senhora ao pé da carrasqueira.
– Ouviste o que Nossa Senhora disse?
– Não ouvi.
– O que foi que a Lúcia disse à Senhora?
– Perguntou-lhe o que é que ela cá vinha fazer.
– Ouviste a resposta da Senhora?
– Não ouvi, mas a Lúcia esteve um bocadito à espera.
– A Lúcia fez mais perguntas?
– Fez. Tornou a falar, mas não me lembro do que disse, a não ser da última pergunta que foi se ela trazia cá o meu Manuel.
– A Lúcia não te contou depois o que a Senhora lhe tinha dito?
– Disse-me no mesmo dia ao pé da carrasqueira, logo de caminho, que, se não fosse levada para a aldeia (Vila Nova de Ourém) no dia 13, o milagre não seria tão conhecido.
– Que horas eram quando Nossa Senhora apareceu?
– Era quase noite.
– Demoraram-se ainda muito no sítio?
– O Francisco e a Jacinta vieram-se embora e ficámos eu e a Lúcia. O Francisco e a Jacinta voltaram e disseram-me depois que tinham ido rezar lá, mas eu fiquei longe a guardar as ovelhas e não as ouvi rezar.
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