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9. AS GLÓRIAS DA MÃE DE DEUS
(13 DE JULHO DE 1927)
Vigília de armas
A torrente caudalosa das multidões
A imponente procissão das velas
Espectáculo assombroso e comovente
Vibrantíssimo hino de fé
Mais perto de Deus
As primeiras sombras nocturnas descem lentamente sobre a Cova da Iria. É o dia doze de Julho de 1927, véspera daquele em que se comemora a terceira aparição da Rainha do Céu aos humildes pastorinhos de Fátima. Uma multidão compacta dalguns milhares de pessoas, de ambos os sexos, e de todas as idades e categorias sociais, aglomera-se junto dos santuários.
Aproxima-se a hora do espectáculo mais deliciosamente arrebatador que jamais olhos humanos lograram contemplar em terras de Portugal e que só ali, naquela estância bendita, se oferece à vista das multidões maravilhadas, extasiando as almas e abrasando os corações.
O tempo passa veloz. Entretanto as estradas de Torres Novas, da Batalha e de Vila Nova de Ourém e os caminhos e atalhos da montanha despejam sem cessar novas vagas de peregrinos no lago imenso da planície sagrada.
De repente, naquele local privilegiado, opera-se, como que por encanto, uma assombrosa e encantadora mutação de cenário. O vasto anfiteatro, até então silencioso e imerso nas trevas da noite, anima-se com os cânticos em honra da Virgem e inflama-se com os milhares de lumes, que se acendem para a grandiosa procissão das velas.
Dali a pouco, na suavidade da noite estrelada e calma, desenrola-se a perder de vista uma longa e deslumbrante fita de luz que sobe à estrada, passa sob o pórtico monumental e desce pela grande avenida até se concentrar junto da capelinha das aparições.
Daquelas almas empolgadas pela piedade sai então, como um protesto veemente contra todas as negações impotentes da impiedade, um vibrante hino de fé e de esperança cristã – as majestosas e sublimes afirmações do Credo.
Ditosos, incomparavelmente ditosos, aqueles momentos solenes, em que parece efectuar-se um místico contacto entre a terra e o Céu, e os corações dos homens, alheados do mundo vil e mesquinho e desprendidos das coisas efémeras deste vale de lágrimas e de misérias, se elevam, tocados pela graça divina, para as regiões misteriosas de além túmulo, acolhendo-se ao seio paternal e misericordioso de Deus.
Noite de oração, de penitência e de repouso
O primeiro capelão privativo dos santuários
Jesus-Hóstia sempre presente na Cova da Iria
No limiar da vida e às portas da eternidade
Após uma noite passada sobre a terra dura e fria, no recolhimento da oração e na contemplação das verdades eternas, ou no descanso das fadigas duma longa e penosa viagem, os peregrinos, acampados na Cova da Iria ou nas suas imediações, erguem-se às primeiras horas da manhã, com as forças da alma e do corpo restauradas, para dar início às práticas religiosas, que uma piedade acrisolada lhes inspira.
A partir deste dia, o glorioso santuário de Fátima possui um capelão privativo. Sua Excelência Reverendíssima, o Senhor D. José Alves Correia da Silva, venerando Bispo de Leiria, realizando um seu desejo muito ardente e muito antigo, que era também o de todos os peregrinos, dignou-se nomear, por carta datada do dia treze de Julho, capelão de Nossa Senhora de Fátima, o rev.do Manuel de Sousa, ex-pároco de Seiça.
Novo e de constituição robusta e saudável, dotado duma inteligência lúcida e duma cultura invulgar realçadas pelos primores duma educação esmerada, cheio de zelo pela glória de Deus e pela salvação das almas, tudo permite esperar que o primeiro capelão da Lourdes Portuguesa há-de justificar a escolha que o ilustre Prelado diocesano fez da sua pessoa para o desempenho desse lugar de tamanha responsabilidade e de tão honrosos como pesados encargos.
A nomeação do capelão permanente, cuja posse se efectuou neste dia sem as solenidades usuais em tais circunstâncias, implica outra graça importantíssima, que o venerando Prelado de Leiria se dignou também conceder: a conservação habitual do Santíssimo Sacramento no local das aparições.
Doravante os peregrinos de Fátima encontrarão ali a toda a hora do dia e da noite o Rei do Céu e da terra, realmente presente no seu Sacramento de Amor, e associarão no doce desafogo da sua piedade e nas fervorosas homenagens da sua devoção, o culto latrêutico de Jesus-Hóstia ao culto de hiperdulia em honra da augusta Mãe de Deus.
Como penhor das bênçãos do Céu sobre esta terra de mistérios e prodígios, precisamente no dia em que Jesus se digna estabelecer ali a sua morada permanente, a Providência dispõe que dos sete sacramentos, fontes perenes de vida sobrenatural, o primeiro e o último sejam administrados a duas peregrinas.
Mediante prévia autorização do venerando Prelado, pela mão ungida do rev.do Agostinho Marques Ferreira, zeloso pároco de Fátima, as águas lustrais do Baptismo caem sobre a cabeça duma criança do sexo feminino, a quem ele põe o nome de Maria, fazendo-a nascer para a vida da graça e tornando-a filha adoptiva de Deus e membro da Igreja.
E aquela mão sagrada, que regenerara a privilegiada menina, pouco depois administrava a Extrema-Unção a uma doente do Alentejo, que a todos os que a viam enchia de comiseração e que, mercê da gravidade do seu estado, não pôde sair do automóvel que a conduzira a Fátima.
O registo dos enfermos
Cura de duas criadas de servir do Porto
Sofrimento e resignação
Devoção dos peregrinos
Água miraculosa
As servas e os servos de Nossa Senhora do Rosário
A oração dos fiéis
São nove horas. A multidão que enxameia na Cova da Iria, em torno dos santuários ou junto das fontes da água miraculosa, torna-se cada vez mais densa e compacta.
De todos os lados afluem a cada momento novos peregrinos. No Posto das verificações médicas procede-se ao exame dos doentes, fazendo-se a inscrição dos seus nomes no registo respectivo e entregando-se-lhes a senha de ingresso no pavilhão da capela das missas.
Em poder da comissão canónica acham-se mais dois atestados médicos: os que comprovam a cura de duas criadas de servir do Porto no dia treze de Setembro último em Fátima.
O pavilhão dos doentes vai-se enchendo a olhos vistos de vítimas de todos os males físicos que afligem a pobre humanidade. Nos seus rostos emaciados por longos e cruciantes sofrimentos reflecte-se a paz e serenidade de almas alentadas pelo doce conforto da esperança e da resignação cristã.
Na capela comemorativa das aparições numerosos devotos cumprem as suas promessas, rezam com fervor à Virgem do Rosário, solicitando graças ou agradecendo benefícios recebidos, ou tocam medalhas, terços e outros objectos de piedade na sua linda e veneranda Imagem.
Em torno da primeira fonte comprime-se, desde as primeiras horas da manhã, uma multidão enorme de fiéis, que aguardam a sua vez de recolherem em recipientes, que trazem consigo para esse fim, a preciosa linfa, instrumento de tantas maravilhas que atestam o poder e a bondade maternal de Maria Santíssima.
Os servos e as servas de Nossa Senhora do Rosário, em número de muitas dezenas, exercem sem descanso a sua missão abençoada, efectuando o transporte dos enfermos, mantendo o serviço de ordem ou prodigalizando as finezas da sua caridade a tantas almas martirizadas pela dor, a tantos corpos torturados pela doença.
É quase meio-dia solar. Já algumas dezenas de sacerdotes celebram a santa missa.
Muitas vezes, quase incessantemente, foi administrado o Pão dos Anjos. A multidão, aglomerada em volta do recinto destinado aos doentes, aguarda ansiosamente os últimos actos oficiais da peregrinação.
A oração é mais intensa, o silêncio e o recolhimento cada vez maiores. De todos os pontos do vasto anfiteatro, acorrem numerosos peregrinos que vão engrossar consideravelmente a assistência. Um profundo e vivo espírito de fé anima aquelas almas prostradas em face do altar, onde adoram escondido na Hóstia Santa o Deus de amor, e um sopro quente de esperança eleva-as acima das mesquinhas preocupações da terra até aos páramos serenos e reconfortantes da vida sobrenatural e divina.
Tudo se prepara para a missa e bênção dos enfermos.
O cortejo da Virgem
Uma missa nova
A fé e a piedade dos peregrinos
A bênção dos doentes
O sermão oficial
A sineta do santuário adverte os peregrinos de que a missa dos peregrinos vai começar. Lá em baixo, ao pé da capela das aparições nota-se um movimento desusado. É a procissão que se está organizando. A branca estátua da Virgem é tirada do seu pedestal e conduzida aos ombros dos servitas para a capela das missas. Milhares de pessoas acompanham a Imagem, num impulso edificante de fé e piedade.
Quando ela chega ao limiar do pavilhão, um frémito de amor e de alegria agita aquele mar imenso de almas.
Milhares de lenços brancos flutuam no ar semelhando lindas pombas, estrugem no espaço vivas e aclamações à Virgem, estalejam nutridas salvas de palmas, e lágrimas de comoção brotam de todos os olhos.
Um coro de vozes, másculas e bem timbradas, canta em uníssono o Credo de Lourdes.
Terminado o canto, sobe ao altar central o nóvel sacerdote, rev.do dr. Mário Lopes de Carvalho, de Torres Novas, que vai celebrar pela primeira vez o augusto sacrifício dos nossos altares.
Assistem-lhe os rev.dos Joel de Deus Magno e António Pires e serve de padrinho o rev.do João Nunes Ferreira, capelão dos servitas de Torres Novas. A missa principia no meio da comoção geral dos assistentes, do pranto desfeito dos sacerdotes e das manifestações inequívocas da piedade de todos os fiéis
O rev.do dr. Marques dos Santos reza o terço do Rosário alternadamente com o povo. Depois da elevação, canta-se um hino litúrgico em honra do Santíssimo Sacramento.
Acabada a missa, o celebrante reveste-se de capa de asperges para dar a bênção. Cantado o Adoremus in aeternum, desce os degraus do altar e dá a bênção com o Santíssimo a cada um dos enfermos. Depois, volta ao altar, e cantado o Tantum ergo traça, sobre a multidão ajoelhada a seus pés, o sinal augusto da nossa redenção com a custódia de ouro, em que Jesus repousa na Hóstia Santa como num trono de misericórdia e de amor.
Sobe em seguida ao púlpito o rev.do Castelo Branco, sobrinho de Camilo, que veio expressamente pregar na missa nova do dr. Mário de Carvalho e que, a propósito desse acto, fez um substancioso e eloquente sermão.
Depois do sermão, reorganiza-se o cortejo a fim de se conduzir a Imagem da Virgem para o seu pedestal na capela das aparições.
Os sacerdotes, os servitas e o povo acompanham a Imagem, soltando aclamações e cantando piedosos cânticos, seguindo-se depois a cerimónia do beija-mão do novo sacerdote.
Os peregrinos dispersam pouco a pouco. O sol desce no horizonte, entre as brumas da montanha distante. As primeiras sombras da noite envolvem os fiéis que, ao pôr do astro-rei, se encontram na Cova da Iria.
Já não se ouve o brando ciciar das preces, nem os soluços abafados dos enfermos, nem o murmúrio das vagas da multidão, que se entrechocam. Apenas, de vez em quando, trazido nas asas do vento, chega àquele lugar de paz bendita o som da buzina dalgum automóvel ou o eco apagado dalgum cântico em honra da Virgem, atestando as profundas comoções do dia e a saudade infinda daqueles lugares povoados de mistérios e transbordantes de graças e de prodígios.
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