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Só no mundo
Chamava-se Cristina, tinha 23 anos e uma história de marejar os olhos. Família de onze irmãos. Das treze pessoas sobraram ela e dois irmãos, um dos quais ela não via há cinco anos. O pai fora morar com outra depois de encher a mãe de filhos. Fez mais três na outra matriz. Morreu aos 50 anos de cirrose hepática, a mãe morreu de complicações no pulmão.
Um por um os irmãos foram morrendo. Numa só noite dois irmãos foram esfaqueados; quatro deles em três anos por atropelamento, overdose, ataque epiléptico e doença que ela nem sabia dizer qual. Para resumir: ela e o Cristiano só tinham um ao outro. Ele com 16 anos, dependente dela. Queria uma ajuda porque Cristiano andava mexendo com maconha e ela não podia perdê-lo. O rapaz deu de não mais estudar nem trabalhar.
O dinheiro do aluguel mal dava para se manterem. Uma escola mudaria o Cristiano. Fiquei olhando aqueles olhos tristes e vermelhos de chorar, pelo único irmão que lhe sobrara. Indiquei um grupo católico que ajudava rapazes drogados. Conseguimos internação. Ontem fiquei sabendo que há seis meses o rapaz morreu afogado em Santos.
Sobrou a Cristina. Veio me ver. Está envelhecida aos 27 anos. Só no mundo e literalmente só. Pediu licença e fez-me uma pergunta:
– Deus quis tudo isso, padre?
Se eu fosse da linha fundamentalista, iria citar umas vinte frases da Bíblia, para dizer que Deus sabe o que faz e que isso tudo foi para o bem. Como minha fé não tem resposta para tudo, respondi:
– Gostaria de saber o porquê, mas não sei. Gente como você, Cristina, me faz repensar o conceito de vida e de Deus. Agora você sofre. Daqui a quinze anos teremos outras respostas. E quem sabe você estará me explicando a dor da cruz.
Apertou-me, abraçou-me e disse:
– Não lhe contei. Estou namorando e vamos nos casar no fim do ano. Reze por nós.
E eu...
– Olha aí uma resposta!
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