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O último ato
Trinta e quatro anos de vida, doente de câncer no seio, Glenda relembrava todas as estações de sua via-sacra e concluiu: “Cheguei à última! Daqui não passo!”. Estava desanimada de tanta visita aos médicos e tantos adiamentos e contradições. Começou a pensar em morte. Seria melhor, segundo ela. Estava deprimida. Era dor demais!
Lembrei-lhe que a última estação da via-sacra não é mais o enterro de Jesus e sim sua ressurreição. Depois da décima segunda, há o descimento da cruz, o enterro e, finalmente, há uma décima quinta. Brincando lembrei-lhe também que o rosário não é mais feito de três terços e sim de quatro quartos. Agora se reza o quarto do rosário e se contemplam os mistérios luminosos de Cristo. O Papa João Paulo II, que de sofrimento entendeu a vida inteira, já na velhice introduziu esta mudança na prece secular dos católicos, fez algo questionador. Precisamos contemplar a vida e as suas dores, à luz da esperança no Cristo.
Falei-lhe de uma peça que vi nos meus tempos de estudante de Teologia em Milwaukee, Wisconsin, nos Estados Unidos. Tinha cinco atos. Chamava-se A incansável Julieta. Não me lembro do seu autor. O primeiro ato durou oito minutos; o segundo, catorze; o terceiro, dez; e o quarto, outros dez. Imaginávamos que a peça terminaria em mais quinze minutos, perfazendo menos de uma hora. Mas o último ato foi o mais longo. Durou uma hora e meia e a cada momento ficava mais intrigante. O que poderia ser o desfecho rápido, foi só alegria e riso. A tragédia acabara no quarto ato e o último foi um riso depois do outro. Contei-a em detalhes, para que Glenda tivesse tempo de pensar na sua própria vida.
Pensou e riu com dificuldade, mas havia brilho nos olhos. “Está me dizendo que viverei muitos anos e eles serão felizes?”, perguntou. Respondi que não era pregador de garantir e dar certezas de curas. Isso outras Igrejas e outros pregadores o fazem. Eu prego esperanças que Paulo assevera ser a missão de todo cristão. Somos salvos por ela. Citei o texto:
1Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual também temos entrada pela fé a esta graça, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança da glória de Deus. E não somente isto, mas também nos gloriamos até nas tribulações, por saber que a tribulação produz a paciência, e a paciência traz a experiência, e a experiência traz a esperança. E a esperança não semeia confusão, porque o amor de Deus toma conta dos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm 5,1-5).
Disse-lhe que lhe desejava exatamente isso. Voltei a insistir que, às vezes, o que pensamos ser um trágico desfecho pode ser como o último ato daquela peça que vi: longo e feliz, até porque, sem esperança, a vida perde seus matizes! Quem disse que o último ato de nossa vida tem que ser mais triste e mais breve do que os outros? Aconteceu com milhões de sofredores. Por que não aconteceria depois de algumas sessões de quimioterapia?
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